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Argentina: Vitória parcial na legalização do aborto: o Senado tratará do assunto nas próximas semanas

Com 131 votos a favor, 117 contra e 6 abstenções, a legalização do aborto na Argentina, com a presença da objeção de consciência, ainda está no meio do caminho. Nas próximas semanas, espera-se que ela seja ratificada no Senado e se torne lei.

Andrea D’Atri@andreadatri

sexta-feira 11 de dezembro de 2020 | Edição do dia

Foto: Sebastián Linero

O projeto apresentado pelo Poder Executivo, que havia obtido um parecer majoritário na quarta-feira, foi aprovado no local, o que permite com que seja tratado na Câmara Alta e se torne lei o direito à interrupção voluntária da gravidez até a 14° semana.

Antes de sua votação, sofreu algumas modificações que foram exigidas pelas setores anti-direitos para conceder os votos necessários ao governo para que se torne lei . Entre essas modificações, a mais controversa foi a introdução de uma fórmula de objeção de consciência que deixa em aberto a possibilidade de uma instituição de saúde ter uma equipe profissional composta inteiramente por objetores.

Ao longo do caminho, o projeto coletivo da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto, após ser apresentado por mais de uma década sem ser apreciado, obteve meia sanção recentemente em 2018, apoiado por uma enorme mobilização de centenas de milhares de pessoas no Congresso e em outros pontos do país. Apesar do apoio social, o projeto logo foi rechaçado pelo Senado. Foram os deputados Nicolás del Caño e Juan Carlos Giordano os únicos a defenderem o espírito desse projeto histórico durante o debate.

Ao mesmo tempo, o Senado discutia a meia-sanção da nova fórmula de mobilidade para aposentadoria, um ajuste nos bolsos de quem trabalhou a vida toda e das mulheres mais pobres que são as que recebem o Subsídio Universal por Criança (em espanhol, AUH).

Enquanto isso, nas ruas, organizações políticas, sociais, feministas e sindicais que apoiam o aborto legal acompanharam a sessão nas telas gigantescas montadas pelo governo nacional; enquanto do outro lado da cerca que dividia a praça do Congresso, se reuniam algumas centenas de ativistas “celestes”. O mesmo dispositivo que o governo Macri tinha organizado para estabelecer a igualdade entre “verdes” e “azul-celeste” que, em ambas as situações, foi desmentida pela realidade.

Apenas algumas poucas centenas de militantes anti-direitos se aglomeraram no setor sul, enquanto milhares de jovens “verdes” acompanharam a sessão com atenção do lado norte. Entretanto, a participação não atingiu a massividade de dois anos atrás, quando o movimento dos “pañuelos” pelo direito ao aborto passou a ser conhecido como maré verde.

O governo descartou o projeto defendido massivamente pelo movimento de mulheres da Argentina para partidarizar a luta por este direito, apresentando um semelhante em seu lugar; anunciou-o no dia em que o peronismo comemora seu Dia da Militância, enquanto se votava o orçamento de ajuste no Congresso. Ademais, abriu a porta para os setores reacionários limitarem o direito mediante a objeção de consciência e o enviou para a câmara em dezembro, enquanto as leis de ajuste exigidas pelo FMI seguem avançando.

No entanto, teve que fazer eco de uma reivindicação que tem várias décadas de história e que, nos anos recentes, alcançou uma grande massividade nas ruas com a incorporação de uma nova geração de jovens que tomaram para si o “pañuelo” da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto.

Mesmo que os votos estejam garantidos, inclusive no reacionário Senado - o que só poderá ser confirmado quando finalmente chegar à Câmara Alta - a verdade é que será a mobilização permanente a que poderá garantir que este direito seja plenamente exercido. Isso porque a interferência dos setores anti-direitos nesta lei é apenas uma parte da pressão que, insistentemente, exercem contra a lei de educação sexual integral, contra o uso de contraceptivos, a venda de misoprostol e todos os direitos sexuais e reprodutivos.

Essa intrusão das igrejas no Estado , longe de ser rejeitada pelo governo e pelos partidos majoritários, é encorajada pela criação de secretarias de Culto - como fez Verónica Magaria no partido de La Matanza -, a declaração de cidades ou províncias inteiras como “pró-vida” - como fez Juan Manzur em Tucumán -, ou impulsionando programas coordenados por igrejas evangélicas - como “Cristãos a Ajudar”, impulsionado por Jorge Capitanich no Chaco.

Quase quarenta anos após a queda da última ditadura militar, os governos que sucederam-a até hoje não sequer revogaram os decretos assinados pelo genocida Jorge Rafael Videla e o então ministro Martínez de Hoz, por meio dos quais se estabelece a obrigação do Estado de destinar 130 milhões de pesos anuais do orçamento nacional para o “salário” de bispos, arcebispos, sacerdotes e seminaristas, entre outras regalias.

Por isso, como argumentou o deputado Nicolás del Caño da Frente de Esquerda, durante a sessão que culminou nas primeiras horas da madrugada, “porque defendemos a vida das mulheres e porque é uma questão de saúde pública, lutamos para que seja lei. Mas também porque defendemos a autonomia das pessoas para escolher livremente seus projetos de vida e desfrutar de sua sexualidade. E, nesse caminho, a Frente de Esquerda aponta também a necessidade de tornar efetiva a separação da Igreja e do Estado, como também exigem nas ruas.”

Com a nossa luta, chegamos até aqui e provavelmente consigamos que seja lei em poucas semanas. Mas a conquista efetiva de nossos direitos requer que sigamos nas ruas. O movimento das mulheres na Argentina, que tem reconhecimento internacional, tomou as ruas ao grito de “Nem uma a menos”, tornou-se maré pelo direito ao aborto e segue vivo nas milhares de mulheres que ocupam as ruas de Jujuy contra os feminicídios, denunciam a megamineiração em Chubut ou lutam por terras e moradia nas ocupações de Guernica e outros pontos do país.




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