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SEMANÁRIO

Apresentação da edição brasileira de Marx e Engels – Uma biografia, de David Riazanov

André Barbieri

Vanessa Dias

Apresentação da edição brasileira de Marx e Engels – Uma biografia, de David Riazanov

André Barbieri

Vanessa Dias

Este artigo compõe a edição Marx e Engels – Uma biografia, de David Riazanov, que será lançado nos próximos dias pelas Edições Iskra, e apresenta ao público brasileiro um importante problema com o qual a equipe se deparou no processo da edição. Trata-se da adulteração e falsificação documental por parte da burocracia stalinista, já atuante em 1927. Na próxima edição do Ideias de Esquerda, publicaremos o artigo “Nota sobre a edição de 1927, da International Publishers”, de Caio Rosa, que desenvolverá em detalhe as falsificações. Neste e no próximo artigo citado, desenvolveremos um pouco da renovada importância que ganha esta publicação nos dias de hoje.

É com grande satisfação que as Edições Iskra apresentam ao leitor brasileiro esta edição de Marx e Engels – Uma biografia, de David Riazanov, obra que ficou consagrada como um clássico da literatura marxista. E consagrou-se assim por diferentes motivos, que nos ajudam a explicar por que publicá-la neste momento. O primeiro é a destacada trajetória do autor, reconhecido como um dos maiores pesquisadores de Marx e Engels em toda história e propagandista que atuou como diretor do Instituto Marx-Engels em Moscou desde sua fundação, em 1919, até 1931, quando foi expulso do Partido Comunista da União Soviética por ordem de Stálin, um prelúdio de seu assassinato nas mãos da burocracia em 1938. Em segundo lugar, por sua brilhante maneira de aplicar o método do materialismo histórico à narração das biografias e da própria formação do marxismo, como produto das principais sínteses teóricas e políticas do desenvolvimento do movimento operário internacional. Em terceiro lugar, por permitir uma visão precisa da atividade militante de Marx e Engels, em sua virtuosa combinação de teóricos da classe trabalhadora e organizadores de sua vanguarda em partido internacionalista, algo cujo desenvolvimento exigiu a realização de lutas políticas entre diferentes tendências que se expressaram no seio do movimento operário, determinando seu caráter.

A obra concentra-se na apresentação de nove conferências proferidas por Riazanov na Academia Socialista de Moscou em 1922. A elas, acrescentamos um artigo de Leon Trótski, de 1931, “O caso do camarada Riazanov”, escrito no momento da expulsão deste do Partido Bolchevique, acusado de “traição” pela burocracia stalinista. Temos o prefácio escrito pelo autor à primeira edição francesa, de 1923; o artigo “A vida de David B. Riazanov”, de Matías Maiello, que apresentou a edição argentina das Ediciones IPS (2012) e o prefácio de Iuri Tonelo à presente edição, autor que também esteve à frente da direção do conjunto deste trabalho.

Acrescentamos ainda a esta edição o artigo “Nota sobre a edição de 1927, da International Publishers”, de Caio Rosa, que apresenta ao leitor o importante problema com o qual nos deparamos no curso desta edição. Trata-se do fato de, no transcorrer da primeira tradução – da edição inglesa da International Publishers, de 1927 –, através do cotejo entre diferentes edições, termos nos deparado com uma edição textualmente alterada, em trechos fundamentais das Conferências, pelos responsáveis editoriais da burocracia stalinista, que estava à frente do Partido Bolchevique na data da publicação da referida edição. Foram dezenas de supressões ao longo de todo o livro acerca de temas como a relação da luta de tendências que Marx e Engels levaram adiante com a história do movimento operário russo durante o amadurecimento do bolchevismo; sobre a importância do internacionalismo revolucionário, e mesmo sobre a trajetória de grandes personalidades revolucionárias, como Rosa Luxemburgo. Essa prática de adulteração e falsificação documental – que o dirigente bolchevique Leon Trótski bem define como "desfiguração da história" – é um índice taxativo da função contrarrevolucionária do stalinismo, tanto na realidade da luta de classes do século XX, quanto no âmbito da cultura e da historiografia.

Diante disso, ficou claro, para nós, que o trabalho de edição desta obra se tornaria um minucioso trabalho de pesquisa e comparação entre as diferentes edições que estavam ao nosso alcance. Foi então que, através de mais pesquisas, necessárias para remover a obra dos escombros onde tentou enterrá-la a burocracia de Stálin, tivemos o privilégio de encontrar e ter em mãos um exemplar da segunda edição publicada na história, a edição francesa de 1923, de título Marx et Engels – Conférences faites aux cours de marxisme près l’Académie Socialiste (1922), das Éditions Sociales Internationales, publicada no mesmo ano que a original russa, em 1923. Um antigo exemplar de 100 anos que conserva ainda todo o conteúdo do texto e que nos permitiu identificar em detalhe cada uma dessas supressões, podendo saná-las e dar ao público brasileiro a visão exata daquelas conferências, realizadas por alguém que, segundo conta o biógrafo Isaac Deutscher, interrompera Stálin em uma das reuniões do Partido: "Deixe disso Koba, não se faça de tolo. Todo mundo sabe que teoria não é exatamente o seu forte".

Tratou-se, portanto, de um trabalho não apenas editorial, mas de reconstrução da história, desfazendo sua desfiguração. Dessa forma, a presente publicação ganhou renovada importância, tanto para nós das Edições Iskra, mas acreditamos que também para todos aqueles que defendem o legado de Marx, Engels e de todos os revolucionários da seguinte geração, que lutaram e perderam suas vidas na defesa das bases operárias do Estado soviético, fruto da maior experiência revolucionária da história da humanidade, como foi o caso de David Riazanov, executado e enterrado pelas mãos da burocracia em 21 de janeiro de 1938. Publicar Marx e Engels – Uma biografia em seu estado mais fiel possível tornou-se um resgate de sua memória, de seu rigor teórico, historiográfico e científico e, acima de tudo, uma tarefa política.

Julho de 2022

Veja também: Prefácio do livro "Marx & Engels – Uma biografia", de Iuri Tonelo


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André Barbieri

São Paulo | @AcierAndy
Cientista político, doutorando pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é editor do Esquerda Diário e do Ideias de Esquerda, autor de estudos sobre China e política internacional.

Vanessa Dias

Colunista do Esquerda Diário.
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