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Aos 40 anos do PT, um partido que esqueceu do golpe e reedita um projeto impotente para enfrentar a extrema-direita

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

sexta-feira 14 de fevereiro de 2020 | Edição do dia

Recentemente, ganhou destaque nas mídias oficiais do país, uma matéria que afirmava que sob a liderança de Lula o PT autorizava alianças que vão do centrão ao DEM, passando pelo PSDB, chegando até mesmo ao PSL. O partido veio a público com uma nota que apresenta a resolução da Comissão Executiva Nacional, para expressar suas posições eleitorais para 2020. Ainda que contrarie algumas informações noticiadas pela grande mídia, a nota revela outros temas importantes, que apontam para as escolhas políticas que o PT irá adotar para as eleições municipais que se aproximam, em particular e a mais chamativa delas, ocultar que na história recente do país ocorreu um golpe institucional.

A seletividade histórica da nota não é casual, seu objetivo é pavimentar o terreno que irá autorizar a aliança com partidos da direita golpista, e que são diretamente responsáveis pela ascensão de Bolsonaro, com seu grupo de ministros estrelados por Guedes e Moro, cuja união se deu para atacar as condições de vida da classe trabalhadora e da juventude.

A nota tenta se opor aos partidos que “sustentam o projeto ultraneoliberal”, indicando o DEM e o PSDB como seus representantes. No entanto, uma leitura atenta revela intenções não proclamadas, mas que ficam evidentes em função de suas omissões. Não há qualquer menção ao MDB, um dos mais importantes artífices do golpe institucional. A ausência do partido que abrigou Cunha e Temer, para ficar apenas entre os protagonistas que interromperam o governo Dilma 2, revela intenções profundas de um PT que tenta recompor um arco de aliança que lhe permita reconduzi-lo ao poder a qualquer custo.

Analisando mais adiante, vemos que a nota não só não menciona o MDB, como também alarga a possibilidade de alianças com velhos setores da política brasileira. A nota diz que o partido tem enquanto estratégia a construção de uma Frente Democrática Popular, e que ela “é compatível e complementar à formação de alianças táticas com setores sociais e políticos que tenham contradições reais com determinadas políticas do governo Bolsonaro”. A nota é categórica em afirmar que o PT está disposto a pactuar com setores que tenham contradições com determinadas - apenas determinadas - políticas de Bolsonaro. Não é muito difícil entender que a sinalização do partido é autorizar o bloco da alianças com partidos de centrão, reeditando cenas grotescas, como o aperto de mão triplo entre Lula, Haddad e o mal cheiroso herdeiro da ditadura Maluf, ou mesmo o bloco de alianças com o setores do imundo MDB carioca que comandou o estado por muitos anos. Se o ditado popular diz que para bom entendedor meia palavra basta, a ausência delas também diz muito. Não é um acidente que a palavra golpe não apareça sequer uma vez em toda a nota.

Não fosse o suficiente essas claras sinalizações para reatar relações com a direita golpista, é importante destacar que o partido vem se movimentando para compor um bloco de alianças muito mais amplo do que o apresentado por sua Executiva. Encontros nos quais participaram proeminentes figuras do petismo, como Suplicy e Mercadante, vêm reunindo figuras e partidos de um arco tão amplo que chega até abarcar o Novo do tenebroso ministro do meio ambiento, Ricardo Salles, além de figuras ativas do golpe institucional como José Aníbal, ex-senador do PSDB.

Mas o caminho trilhado para recompor essas alianças não é um giro de orientação recente ou uma mudança drástica de curso. Não são poucas as sinalizações, ações e movimentações do PT para se apresentar como um partido viável para administrar a obra e a herança do golpe. A atuação dos seus governadores, aplicando reformas da previdência locais, é a mais sintomática delas.

Por isso é curioso ler também a afirmação que “qualquer aliança que não contemple a abolição da agenda econômica e social do governo Bolsonaro e seus aliados fará muito pouco pela democracia no Brasil e nada por sua população”. Por “abolição da agenda econômica” se deveria entender oposição frontal à reforma da previdência, principal ataque às condições de vida das massas aplicada por Bolsonaro e Guedes. Levando ao pé da letra a sentença, o PT deveria vetar de sua campanha seus governadores do Nordeste que estão aplicado reformas da previdência estaduais, inclusive fazendo uso da tropa de choque contra os servidores como fez Rui Costa na Bahia.

Ainda sobre as contradições entre o discurso e a prática, é digno de nota ver que o entreguismo do atual governo denunciado pela declaração não tem a mesma relevância para um de seus interlocutores privilegiados, o PCdoB de Flávio Dino. O governador do Maranhão foi um importante articulador, e fervoroso defensor, da entrega da base militar de Alcântara para os Estados Unidos de Donald Trump.

Além disso, que Bolsonaro e Guedes são os maiores lambe-botas do imperialismo (em especial o ianque) é um fato inconteste. Porém, em tempos de uma forte e histórica grevedos petroleiros - que hoje é o principal fator de resistência contra a reacionária ofensiva ajustadora - vale lembrar que foi também os governos do PT que regeram a Petrobrás sob “modelo de partilha” que concedia 70% da exploração do pré-sal para empresas imperialistas internacionais. Agora, com uma ofensiva privatista muito maior contra a Petrobrás e seus trabalhadores, os governadores da legenda negociaram o apoio à reforma da previdência em troca de colherem uma parte dos recursos oriundos da privatização do pré-sal. Nada menos “soberana” do que as políticas petistas em seus anos de governo.

Fato é que o PT se prepara para outubro, saudoso de sua política de aliança e conciliação de classe que o levou ao executivo em 2003. Contudo, aquelas condições já se foram, e ao contrário do ciclo econômico gerado pelo boom das commodities que permitiu acomodar no mesmo governo setores imensamente contraditórios, e junto com isso promover a passivização no terreno da luta de classes, o retrato concreto do Brasil é um país com direitos devastados pela obra do golpe institucional, e que agora, o PT pretende ser o seu novo administrador.

A inação da CUT diante das reformas que já passaram, o papel ativo desempenhado por seus governadores para aprovação das reformas estaduais, e as perspectivas de seu bloco de alianças para 2020, revelam um PT que faz parte da composição de um consenso de diversos atores políticos que, no frigir dos ovos, aceita o programa econômico do mercado financeiro.

O ódio ao bolsonarismo que todos sentimos não pode ser canalizado para um projeto político impotente para combater a extrema-direita. Fazer alianças com velhos golpistas, e com quem atualmente apoia e implementa as reformas, não pode ser a opção política para derrotar a extrema-direita. Isso só poderá levar a novas situações e condições, cada vez mais dramáticas, como a que culminou com a ascensão de Bolsonaro.

Esse processo também é um resultante da desmoralização imposta pelo PT à classe trabalhadora, que viu o partido surgido de seu seio ampliar, no segundo mandato de Dilma, ataques contra as condições de vida das massas com seu ministro-banqueiro Joaquim Levy, e seu arco de aliança com aqueles que depois que foram responsáveis pelo golpe.

Quando o partido esteve no governo sua política fez muito mais do que ceder ao agronegócio, à mineração predatória da Vale e Samarco, à bancada evangélica e da bala, e aos interesses do judiciário. Os governos do PT fortaleceram econômica e politicamente esses setores. O que era a base crucial de sua política é agora parte de um setor fundamental para a sustentação do bolsonarismo. Não à toa, foram justamente as políticas de segurança pública dos governos do PT, centradas na construção das UPPs, que possibilitaram o crescimento das milícias, que agora vêm buscando adquirir cada vez mais peso político dentro do próprio regime brasileiro.

Não há caminhos curtos na história. A retórica petista de que para chegar ao poder – e melhorar as condições de vida do povo -, é preciso fazer alianças com esses setores, levou a uma das piores situação para a classe trabalhadora na história recente. O projeto petista versão 2020 é uma reciclagem decadente do mesmo caminho que abriu espaço para a extrema direita ascender ao poder no país. É uma ilusão reacionária crer que é possível a reconstrução de uma nova harmonia guiada por valores supostamente democráticos, entre o petismo e todos os que agora apresentam algum tipo de indisposição com Bolsonaro. O que é real e concreto é que o PT está fazendo parte da reconstituição de um regime político e social transmutado à direita, buscando recuperar o seu protagonismo político ao lado de declarados inimigos dos trabalhadores e da juventude.


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