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Eleições em Barcelona | Ada Colau prefeita: ilusões e limites do governo do “bem comum”

Santiago Lupe@SantiagoLupeBCN

quinta-feira 18 de junho de 2015 | 05:30

Ela que tem sido o porta-voz da Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH) nos anos mais duros da crise é vista por muitos como uma esperança para resolver, entre outros, os principais problemas sociais, como os despejos. Essa ilusão é perseptível em conversas diárias que podem ser ouvidas nos bairros populares, bares ou postos de trabalho. Se viu também o mesmo clima de ofensiva, acompanhado ao vivo por milhões na televisão e milhares na Praça Sant Jaume.

Os discursos de ofensiva de Colau, uma vez eleita prefeita, e o porta-voz do grupo municipal Barcelona en Comú, Gerardo Pissarelo, dialogou com esse sentimento de ilusão, replicando muitas das mensagens e promessas que foram o eixo central de sua campanha eleitoral. Mas eles também tiveram palavras direcionadas para conter tanta ilusão, dizendo que as mudanças não poderiam ser feitas "do dia para a noite", ou que a "inércia institucional" e outros poderes fáticos vão colocar muitos obstáculos a "mudança". Contra estes problemas apelaram para manter viva a mobilização para apoiar o novo governo e até mesmo apontar e criticar se se desviava do projeto para o qual foram eleitos.

Se você ficasse apenas com essa parte dos discurso poderia pensar que temos um prefeito que pretende liderar um projeto separatista e enfrentando os grandes capitalistas. No entanto, é bom rever o discurso inteiro, ver o que mais foi dito, e o que não se disse ou o que não se queria falar. E mais importante, o que Colau fez antes mesmo da conquista da prefeitura.

Colau quis começar com um reconhecimento das "autoridades sociais" presentes na cerimônia, referindo-se aos muitos representantes das organizações sociais convidadas. Ela agradeceu o apoio dado à sua posse a esses grupos que deram a ela seu voto. Ele especialmente se dirigiu ao PSC e a ERC, aos que reiteraram a sua vontade de chegar a acordos estáveis para governar em comum. Sem dúvida, essas duas forças são uma excelente representação desta "inércia institucional" que iram se opor a qualquer mudança profunda que afete os interesses da casta política e os grandes negócios do modelo de cidade que ajudaram a construir desde 1979.

Mais impressionante ainda foram as palavras de Colau dedicados ao prefeito de saída, Xavier Trias. Colau lhe agradeceu por seu trabalho no conselho afirmando que ela tinha certeza de que tudo que fez foi convencido de que era o melhor para a cidade. Trias, que geralmente vêm governando para as grandes famílias catalãs. Apresentar as suas políticas austericidas como pensadas para o bem da cidade, em geral, e não da classe burguesa para governarem conscientemente, é desrespeitoso para os milhares que vêm sofrendo com tais políticas. Mas esse gesto, que poderia até mesmo ser vendido como protocolo, tinha um profundo conteúdo continuísta. Colau propôs diálogo com Trias e "mão estendida para os grandes temas da cidade". Uma mensagem para Trias e CiU, e, desta forma, a grandes investidores com interesses na cidade, o que vai no mesmo sentido que o suporte para a assinatura do acordo da MWC nas últimas semanas: o governo do "bem comum" não prejudica o grande negócio capitalista, a principal poder de fato.

Uma atitude semelhante teve em sua mensagem pelo Presidente da Generalitat, o campeão dos cortes. Longe de denunciar a sua política de desmantelamento da saúde e da educação foi limitada ao fornecimento de lealdade institucional, cooperação para demandar investimento ao Estatal central pendentes para Barcelona e pedir a cooperação para implementar sua agenda de reformas.
Em vários momentos Colau fez referência a necessidade de mudar a forma de governo, apelando para o lema "mandar obedecendo" dos zapatistas. No entanto, estes propositos, tais como os chamados para que se mantivessem as mobilizações sociais que sustentam o governo da mudança, são pouco factíveis quando ela vem procurando alcançar um pacto de estabilidade institucional com a pata esquerda da casta, leal cooperação com os campeões da austeridade e mensagens tranquilizadoras aos capitalistas.

De fato, os temas "ausentes" nos tópicos do discurso inaugural são consistentes com esta estratégia de mudança longe de qualquer perspectiva de ruptura baseada na mobilização, se decanta cada vez mais decisivamente para uma mudança consensuada com a classe política e os grandes capitalistas com interesse na cidade.

Por exemplo, eles falaram sobre lutar contra a precariedade, mas sem compromissos concretos para assumir as demandas dos trabalhadores, onde o município faz parte da patronal, como o caso Auditório ou o Liceu, cuja luta acabu saudando. Nesta área, sem uma política anti-capitalista é impossível torcer o braço das gransdes empresas, como ficou demonstrado o não cumprimento do compromisso das etapas que significava apoiar a assinatura MWC contra o que os grevistas exigiam da Movistar. A "responsabilidade", que nada mais é do que o não querer romper com os poderosos que representam toda a rede de interesses capitalistas por trás deste evento, testa o "mandar obedecendo", que não irá se cumprir na primeira oportunidade.

Especialmente aplaudidas foram as palavras a favor do encerramento da zona franca da cidade. A demanda histórica dos movimentos dos imigrantes e a esquerda da cidade é uma mostra de como é possível alcançá-lo, isto é, torcer o braço do Ministério do Interior, apenas com mobilização social, como a semana de luta convocada contra os CIEs esta semana.

Mas por ser um discurso inaugural se destacou a falta de medidas concretas sobre a forma de realizar algumas das demandas que têm sido e são a bandeira do BeC e foram mencionados por Colau só de forma genérica, como a despejos ou plano contra a pobreza energética. Esta falta de concretude não pode ser separado do fato de que a estratégia para lidar com o que é "velho" faz com que essas e outras demandas em presa de possíveis acordos com uma parte da casta política, e, portanto, deve ter o consentimento de como ocorrerão por parte de quem de fato governa.

Outras demandas não foram abordados nem mesmo de forma geral. Alguns tão sentidos como a abertura de cantinas escolares no verão ou exigências dos bairros obre o preço dos transportes públicos. O primeiro deveria começar a ser aplicada a partir da próxima segunda-feira, a menos que Colau imite sua homônima Carmena de Madrid que já anunciou que este verão não serão abertas as cantinas. A segunda surpreende que não tenha sido abordada, como o aumento dos preços de transporte eram precisamente a exigência central do movimento dos bairros em 2014. Na verdade, apenas dois dias depois de tomar posse esse silêncio foi respondido pela Plataforma Parar Puxades com uma exigência da nova prefeita de que se publique o acordo da T-Mobilidade que gerencia a cobrança dos bilhetes e o sistema tarifário.
Outra questão quase totalmente "ausente" foi a Guarda Urbana. Apenas a porta-voz CUP trouxe à tona a denúncia da situação da "cidade morta", como é popularmente conhecidos os casos de repressão diária, tortura e esquemas judiciais e policiais que caracterizam a polícia municipal. Este é um problema que assola mais particularmente os jovens, imigrantes ou mulheres na prostituição (grupo feminino que sofre a violência de gênero de forma mais aguda institucionalmente e que denunciaram durante anos).

De fato, nos próximos dias alguns que governam de fato, como o diário conservador La Vanguardia defendendo os mandos da Guarda Urbana, vem anunciado com grande alarde o início da campanha racista contra os vendedores ambulantes que costumam fazer todo verão. Será que a nova prefeita permaneceria essa política ativa? A busca de entendimento com PSC e a ERC e de colaboração com a CiU, a Generalitat e os grandes investidores vão deixar uma margem muito escassa para algo tão concreto como acabar com o assédio a estes vendedores, em sua maioria imigrantes tão "desagradáveis" para o lobby da cidade turística.

O CUP entretanto dividiu seu voto em três. Dos nulos, mas com uma grande carga simbólica para os grevistas da Movistar e outra para jovens antifascistas réus por protestar em 12 de outubro, como representantes da repressão policial. A terceira reservada como um sinal de apoio crítico a Colau, que anunciaram que estariam com ela para aprovar medidas que compartilham os programas de ambas as formações, mas que enfrentariam todas as características mais importante de continuidade com a casta política e modelo cidade construída por CiU e cobiçado por seus parceiros, PSC e ERC. Na verdade, ele fez uma importante crítica de conteúdo tomada à nova prefeito, por conta da nomeação do administrador municipal Jordi Martí, um representante tecnocrático da "casta socialista".

A jornada de sábado foi expressão das grandes ilusões que desperta o novo governo municipal. Porém também se mostraram os profundos limites dos quais o programa e a estratégia levantada por BeC se mostra impotente. Nos próximos meses vão ser imprescidíveis para reforçar a organização e a mobilização dos setores populares e os trabalhadores para poder impor as demandas que em nome do "acordo" ou da "responsabilidade" prometem não sair do tinteiro.

A estrada é mais em direção que o porta-voz da CUP apontou, localizar-se diante do continuismo para combatê-lo, que ao construir um movimento que seja uma muleta ao novo governo que não termine sendo preso de seus próprios limites, como propunha Colau e seus pedidos de paciência. Noste sentido é possível impulsionar assembléias nos bairros, centros de estudo e trabalho e outras formas de organização e coordenação para fortalescer a mobilização social independente. A CUP como referencia de uma oposição de esquerda a Colau tem uma oportunidade e responsabilidade para que se possam dar passos concretos e firmes que se preparem para enfrentar o continuismo que desde o momento já desprendem dos discursos feitos pelo governo no "bem comum".




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