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"MARXISMO CULTURAL" | Abaixo o rótulo de “marxismo cultural“! Um brinde aos militantes revolucionários da cultura

quarta-feira 10 de agosto de 2016 | Edição do dia

Empenhado em perpetuar formas de exploração, estruturas repressivas e sua própria ideologia, o sistema capitalista ganhou uma espécie de reforço teórico de uns aninhos pra cá. Talvez nem seja epistemologicamente possível classificar de “teoria“ um delírio político ultra direitista, que por entre rosnados liberais e gemidos religiosos procura, num impulso inquisitorial, queimar ideias e manifestações que colocam em cheque a civilização burguesa. Uma recentemente criada paranoia anticomunista procura denunciar aquilo que os próprios paranoicos classificam como “marxismo cultural“. Os alvos preferidos são pensadores, ativistas e artistas que teriam o objetivo de destruir a cultura ocidental.

Movimentos sociais, escolas, universidades e os mais variados contextos de produção cultural estariam sendo manipulados por comunistas, que abrindo mão da luta armada apostariam seus dados na cultura, para assim realizar num gesto de bicho papão seus objetivos políticos. Sim, sem dúvida fica difícil controlar o riso diante deste espetáculo de imprecisões que possui um gosto intragável de macarthismo. Entretanto, essas ideias reacionárias ganham força no nosso país e no mundo: do Tea Party nos EUA até os defensores nostálgicos da ditadura militar no Brasil, o fato é que existe um contexto favorável para novas inquisições. Prestando atenção neste furor direitista, que é parte da bandeira de membros raivosos da classe média, pode-se dizer que não apenas o pensamento marxista é hostilizado mas qualquer forma de crítica e toda sensibilidade rebelde que se faça presente na arte, no pensamento e nas atitudes cotidianas.

O chamado “marxismo cultural“ envolveria a disseminação de ideias e imagens que poderiam subverter a ordem estabelecida. Seus expoentes teóricos como Lukács, Gramsci, Adorno e Marcuse estariam interessados em corroer a coluna romana, as páginas da Bíblia e o programa liberal. Um esforço conspiratório promoveria “o caos cultural“, atacando as bases morais e políticas do ocidente. Essa paranoia, divertida até mesmo para um liberal com conhecimento de causa, repousa sob a mais completa ignorância frente à realidade concreta. A coisa toda não é uniforme, não é uma orquestra regida por uma liga de super vilões intelectualizados: não apenas o marxismo é composto por diferentes vertentes, que não possuem o mesmo entendimento no campo das estratégias e dos julgamentos teóricos (da teoria política à teoria estética), como as formas culturais contestadoras, muitas vezes desencontradas, são motivadas pelos mais variados fatores históricos, que não cabem numa conspiração digna de gibi. Se os problemas econômicos, políticos e morais da sociedade explodem no campo multifacetado da cultura, resultando em manifestações de rebelião frente aos padrões dominantes, não se trata de uma ficção escrita por marxistas: é o próprio movimento da história em suas contradições que se faz ouvir inclusive na esfera da cultura. Entretanto, se estas formas culturais de contestação não são uma invenção marxista, é o marxismo uma poderosa fonte que fornece elementos teóricos para que tais manifestações sigam com seus propósitos de emancipação.

O marxismo oferece uma saída para problemas concretos, que o capitalismo não pode resolver pela sua dinâmica econômica e política. No campo do conhecimento, a reflexão marxista, indissociável da práxis, não pode fazer uso da cultura como um plano B perante o refluxo revolucionário dos últimos anos(que politicamente deve ser explicado em termos conjunturais e não a partir de um falso veredito que nega a luta de classes). É fato que marxistas ocidentais centraram fogo em questões culturais(o conjunto de trabalhos vinculados ao Instituto de Pesquisa Social, demonizado pelos críticos do “marxismo cultural“ , seria um grande exemplo disso). Porém, a expressão marxismo cultural é um paradoxo em si: isolar a esfera da cultura e não relaciona-la com a economia e a política, não pode ser entendido como um procedimento marxista.

Não importa se um autor marxista escreve sobre economia ou sobre literatura, já que o marxismo compreende a interdependência entre fatores políticos/culturais e a base material das sociedades humanas. Trata-se de compreender as especificidades de um dado fenômeno (como a arte, por exemplo) e suas relações com o todo social. A reflexão histórica empreendida pelos marxistas, almeja a totalidade das relações entre economia, política e cultura, independentemente do objeto de estudo em questão. A busca por esta totalidade no campo teórico não se separa da luta pelo socialismo(o que é frequentemente esquecido por teóricos que apresentam-se como marxistas mas comportam-se como culturalistas). Levando em conta que o estudo e a militância são partes de uma mesma ação transformadora, a atenção sobre as questões culturais recebe, a partir de suas especificidades, uma projeção abertamente política: partindo do princípio de que a lógica da militância cultural não é a mesma da militância político-partidária, o terreno da cultura é entendido não como alvo de conspiração mas como solo de uma luta libertária que se complementa com a luta política pelo socialismo, sem nunca se subordinar a esta última. Ou seja, um militante da cultura não pertence há uma dissidência intitulada paranoicamente de “marxismo cultural“. No campo da cultura progressista existem revolucionários, reformistas e ainda aqueles que inspiram-se em conceitos marxistas mas que estão longe de serem comunistas. Hoje se faz necessário conceber o militante da cultura como um revolucionário. Com uma sólida formação marxista, este militante luta claramente/sinceramente pela abolição do sistema capitalista. A cultura é uma esfera vital para o socialismo porque nenhuma transformação política efetiva-se se a arte, a sensibilidade, a linguagem, as mentalidades e os costumes não acompanharem tal transformação.

Seja na democracia burguesa ou na clandestinidade o militante da cultura age para transformar: considerando sempre a correlação de forças, ele interfere sobre a consciência. Na imprensa operária, nas escolas, nas universidades, nos centros culturais, este militante encontra-se imerso nas mais variadas atividades (escrevendo, pintando, declamando, ensinando, aprendendo, opinando, filmando, cantando, etc). Além de não estarem a mando de ninguém, os militantes da cultura não pretendem manipular marionetes: informando, esclarecendo, agitando, escandalizando, a militância cultural trabalha pelo desiquilíbrio da moral dominante e pelo combate permanente ao conformismo, ao conservadorismo. Não existem razões para ocultar isso: inquisidores paranoicos da extrema direita não podem intimidar um trabalho cuja finalidade é a emancipação de todos aqueles que são explorados e marginalizados. Destruir a cultura ocidental? Não, o objetivo é torna-la plenamente humana, libertadora, fazendo-se necessário denunciar que esta mesma cultura foi historicamente erguida pela escravidão, pela servidão, pela perseguição, pelas guerras, pela repressão, pela intolerância e pela miséria de muitos.

Como já foi observado por outros autores, a expressão “marxismo cultural“ lembra muito o que nos anos 30 era tachado de “bolchevismo cultural“. Indispensável dizer que a intolerância lançada sobre o chamado “bolchevismo cultural“, facilitou que gente como Adolf Hitler chegasse ao poder. Portanto, nada de ceder à intimidações de pseudoteorias: a militância cultural de esquerda se faz necessária. Este esforço cultural é revolucionário na medida em que enxerga a classe trabalhadora como aquela que possui as condições históricas para colocar um ponto final na exploração do homem pelo homem. É um esforço revolucionário porque não apenas defende mas dá voz aos mais variados movimentos sociais que são hostilizados (discriminados e agredidos) pela ordem burguesa. É isto tudo que a militância cultural ancorada no marxismo defende abertamente e sem medo.




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