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Opinião | A via burguesa de Reinaldo Azevedo, confiante na Fiesp e Febraban

O intuito do seguinte artigo é realizar um debate com as posições de Reinaldo Azevedo, conhecido por expressar sua política de direita liberal, por meio de uma reflexão sobre qual o caminho para derrotar Bolsonaro e toda a extrema direita, o que passa por um debate sobre o quanto a confiança em setores burgueses que agora se colocam "em defesa da democracia" é realmente o que pode favorecer os interesses da classe trabalhadora e dos setores oprimidos

Juliane SantosJuliane Santos

segunda-feira 8 de agosto de 2022 | Edição do dia

Crédito: Everton Amaro/Fiesp/Reprodução

Após o momento de inflexão no país com o discurso de Bolsonaro aos 70 embaixadores em que destilou frases contra a democracia e as urnas eletrônicas - discurso que ponderou dias depois após represálias - houve inúmeros posicionamentos contra o dito pelo atual presidente e surgiu de vários setores burgueses uma suposta "defesa da democracia". Esses depoimentos vieram de setores como o próprio governo americano de Joe Biden, que divulgou uma "declaração oficial de confiança nas instituições democráticas brasileiras", assim como de diversos jornais internacionais como The New York Times, o Bloomberg, jornal nova iorquino do mundo das finanças, a agência Associated Press, o jornal britânico The Guardian e o Frankfurter Allgemeine Zeitung, principal jornal da burguesia alemã, assim como uma movimentação de setores burgueses brasileiros como banqueiros, industriais e empresários, além de antigos membros do Supremo Tribunal Federal dentre outras personalidades que assinaram a "Carta às e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito" e que pretendem fazer sua leitura no dia 11 de agosto na Faculdade de Direito da USP, retomando o momento de leitura, dito por eles histórico, da carta de 1977 lida pelo então ministro Goffredo da Silva Telles Júnior em meio à ditadura militar.

Sem entrar nas minúcias do que significou a carta de 1977 e o que significa agora a transformação deste fato até ontem esquecido em um acontecimento histórico em detrimento dos enormes ascensos operários do final da década de 70 e início da década de 80 no Brasil, um dos primeiros pontos que chama atenção ao ouvir ou ler as análises de Reinaldo Azevedo é que a classe trabalhadora e o seu potencial de mexer as peças do tabuleiro político não costumam ser mencionados. Ou seja, vemos análises em relação às instituições, à conjuntura política e aos atores políticos do país porém há um apagamento do papel que a classe trabalhadora, na luta de classes e em unidade com os setores oprimidos, poderia ter neste momento de crise, um cálculo sempre feito pela burguesia para medir a correlação de forças que possui para aplicar em maior ou menor medida reformas e ataques, como vem fazendo, ainda mais se tratando de uma poderosa classe trabalhadora como a brasileira, que conta com milhões de pessoas distribuídas em postos de trabalho formais e informais, efetivos e terceirizados.

Um forte exemplo atual da força que pode ter a classe trabalhadora e os setores oprimidos quando se organizam para lutar pelas suas demandas são os levantes que temos visto em países como o Sri Lanka e o Panamá, em que os trabalhadores se rebelam contra os governos, os ataques às condições de vida, a subordinação dos governos ao FMI e os efeitos da guerra da Ucrânia que são despejados nas costas dos mais pobres e dos trabalhadores, conflito que de fundo expressa uma profunda disputa entre interesses de diferentes frações burguesas e dos governos, reatualizando a definição de Lênin em seu célebre livro O Imperialismo: fase superior do capitalismo, no qual diz que nos encontramos em uma "época de crises, guerras e revoluções". A questão importante de levantar é: a quem é favorável a decisão de sequer citar em suas análises um fator fundamental, inclusive para o cálculo da burguesia, que é o potencial de luta da classe operária? Realmente esta é uma gigante que quando desperta pode abalar a estrutura de regimes políticos e do próprio estado capitalista. Um forte exemplo nesse sentido é a maior onda de sindicalização das últimas décadas nos EUA, liderada pela chamada Geração U, movimento que vem na esteira do que foi o levante Black Lives Matter no país, iniciado a partir da indignação pelo brutal assassinato de George Floyd pelas mãos da polícia e que se transformou no maior movimento social da história dos Estados Unidos e que se espalhou por diversos países.

Um outro elemento que se destacou no último período nas produções de Reinaldo Azevedo (análise que foi alterada recentemente mas que ficou bastante marcada principalmente no seu programa "O É da Coisa" em semanas anteriores) foi a sua hipótese recente de que seria possível haver um golpe no país, algo que não deixa de ser a vontade de Bolsonaro obviamente e é fundamental que haja um combate frontal a todas as ameaças golpistas que são um ataque a classe trabalhadora assim como também leva a conjuntura à direita, tendo-se em vista que não podemos partir do pressuposto de que a burguesia não seria capaz de realizar golpes ou medidas autoritárias no país, pois em diversos momentos já se mostrou e se mostra o quanto os capitalistas são capazes de ter atitudes totalmente antidemocráticas e autoritárias para manter seus interesses enquanto classe dominante. Porém as vontades golpistas de Bolsonaro e de sua base mais dura em si não determina a realidade e já era bastante explícito por meio dos posicionamentos de setores importantes da burguesia nacional e internacional, e agora ainda mais claro diante das cartas "em defesa da democracia", que um amplo setor da classe dominante não possui interesse em manter Bolsonaro no poder e nem em financiar uma tentativa de golpe de Estado, ação que, neste momento, não possuiria sustentação na situação política para ocorrer. Esse tipo de diálogo feito por Reinaldo Azevedo é bastante funcional à chapa Lula/Alckmin, que seria então a que poderia derrotar a ameaça fascista, nem que isso custe se aliar com Alckmin - conhecido por mandar a polícia atacar professores, estudantes e ocupações diversas vezes enquanto esteve à frente do governo de São Paulo - e com inúmeros setores do capital financeiro, muitos que inclusive apoiaram Bolsonaro nas eleições de 2018 ou, no mínimo, apoiaram e são favoráveis a todos os ataques anti-operários realizados no governo bolsonarista para garantir que sejam os trabalhadores e os setores mais empobrecidos da sociedade que paguem pela crise.

Reinaldo Azevedo fez inúmeros chamados a entidades burguesas para que se pronunciassem diante das ameaças golpistas de Bolsonaro, além de reivindicar que setores como FIESP, FEBRABAN e tantos outros setores capitalistas estejam hoje se colocando "a favor da democracia". Obviamente o cenário de um golpe no país não está colocado hoje por hoje no Brasil, assim como hoje vemos tantos banqueiros e empresários "defendendo a democracia" e se posicionando contra uma ameaça golpista de Bolsonaro, mas isso ocorre não porque a burguesia nacional e internacional resolveu de fato se transformar em defensores da democracia após ter apoiado inúmeros golpes no Brasil, em outros países da América Latina e em diversas partes do mundo no decorrer da história. Estes setores fazem essa defesa porque neste momento os setores burgueses apostam na chapa de conciliação Lula/Alckmin para levar adiante o projeto econômico do novo regime que vai se formando após o golpe Institucional de 2016, e para isso atacam Bolsonaro e de forma indireta apoiam a chapa Lula/Alckmin (já que Bolsonaro e Lula encabeçam as únicas chapas com chances reais de ganhar as eleições), mesmo que outrora muitos desses setores que agora dizem "defender a democracia" tenham apoiado o golpe institucional no país - que ocorreu para que fosse possível aplicar ainda mais ataques do que o PT já vinha fazendo e para isso tirou o próprio PT da presidência - e tenham sido a favor da falsidade que foi a Lava-Jato além de defender a prisão arbitrária de Lula, tirando o direito do povo de votar em quem quiser, ou seja, fatos e atitudes nada democráticas, para dizer o mínimo.

A análise feita por Reinaldo Azevedo leva ao enaltecimento de setores burgueses, como a FIESP, que também decidiu agora, aos 45 minutos do segundo tempo, vestir uma fantasia de defensora da democracia (depois de um histórico de apoio ao golpe militar em 1964, ao golpe Institucional de 2016 e a prisão arbitrária de Lula em 2018). Setores como Roberto Setúbal e Cândido Bracher (Itaú Unibanco), representantes da indústria como Walter Schalca, e responsáveis por empresas de bens de consumo como Pedro Passos e Guilherme Leal (Natura) dentre muitos outros que também assinam a nova carta em defesa do Estado Democrático de Direito, setores esses que apoiaram todos os ataques econômicos de Temer e Bolsonaro, como a Reforma Trabalhista e da Previdência, a Lei da Terceirização Irrestrita e as inúmeras privatizações, ação que basta pensarmos por pouco tempo para perceber que "algo de errado não está certo" e, no mínimo, devemos olhar com desconfiança para o que esses setores burgueses inimigos da classe trabalhadora defendem, pois seus interesses claramente não são os mesmos que os dos indígenas, das mulheres, dos LGBTQIAP+ e da classe operária de conjunto, então qual o interesse deles ao escreverem essa carta "em defesa da democracia"? E de que tipo de democracia estamos falando?

O ódio à extrema direita nojenta, que ataca economicamente e também os direitos mais democráticos causa repulsa e, de fato, abre um debate sobre o que precisamos fazer para combater a extrema direita, o Bolsonaro e o bolsonarismo. A questão é: será que estar ao lado de setores burgueses como os citados vai realmente ajudar a classe trabalhadora a lutar pelos seus próprios interesses? Será que o apoio a mais uma carta em defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito agora cinicamente encabeçada pela FIESP com a assinatura de entidades que dizem que estão a serviço de defender a democracia será realmente o caminho correto para a defesa das demandas mais sentidas pela população e pelo povo pobre? Quais conclusões podemos tirar do fato de que a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a UNE (União Nacional dos Estudantes), entidades que em tese deveriam estar a serviço de organizar a luta dos trabalhadores e dos estudantes, estão também assinando essa carta?

Como já disse Karl Marx em seu livro As lutas de classes na França, não nos enganemos pois os setores burgueses não têm nada de democráticos, o que fizeram a partir de suas revoluções foi manter a existência de uma classe dominante, a burguesia, que por sua vez se transformou rapidamente em classe reacionária, constituindo assim a existência da dominação de muitos (da classe trabalhadora) por um punhado de capitalistas, no que Marx denomina de "escravidão dos operários" no capítulo "A derrota de junho de 1848":

Nenhuma das numerosas revoluções da burguesia francesa desde 1789 fora um atentado contra a ordem, pois todas deixavam de pé a dominação de classe, a escravidão dos operários, a ordem burguesa, muito embora a forma política dessa dominação e dessa escravidão mudasse. (...) Ao transformar o seu lugar de morte no seu lugar de nascimento da república burguesa, o proletariado obrigou-a ao mesmo tempo a manifestar-se na sua forma pura como Estado, cujo objetivo confesso é eternizar a dominação do capital e a escravidão do trabalho.

A lógica do sistema capitalista é que a burguesia tenha sempre como objetivo garantir lucros cada vez maiores, mesmo que isso custe o suor, o sangue e a vida da maior parte da humanidade: os trabalhadores e a população pobre. Como viemos desenvolvendo no Esquerda Diário, a única maneira de lutarmos contra as ameaças golpistas de Bolsonaro (que por mais que não haja correlação de forças hoje para um golpe é um ataque aos trabalhadores e leva a conjuntura à direita), a extrema direita, pela revogação das reformas e contra todos os ataques é seguir os exemplos dos trabalhadores do ABC, ou mesmo dos operários de São Paulo e Osasco, que fizeram enormes mobilizações no final da década de 70 e início da década de 80 e que poderiam ter levado a uma queda da ditadura por uma via revolucionária se esta não tivesse sido impedida pelas direções conciliadoras da época que estavam presentes na nossa ferramenta de luta, os sindicatos, como era o caso de Lula e dos chamados autênticos.

É necessário vermos que os sindicatos como a CUT, dirigida pelo PT, a CTB, dirigida pelo PCdoB, a UNE, também dirigidas por ambos os partidos, hoje cumprem um papel que não é o de fomentar a auto-organização dos trabalhadores e estudantes para lutar contra todos os ataques, e nem de construir um verdadeiro plano de luta com greves e mobilizações que poderiam verdadeiramente derrotar Bolsonaro e toda a extrema direita. Ao invés disso, essas entidades possuem burocracias encasteladas que há anos buscam desmobilizar ao máximo todo início de luta e organização para fortalecer a conciliação de classes, como se fosse possível conciliar os interesses dos trabalhadores e dos capitalistas, e em nome de estratégias eleitorais como vemos ocorrer agora. Por isso, precisamos retomar os sindicatos e entidades estudantis para as mãos dos trabalhadores e estudantes, para que essas importantes entidades possam cumprir o seu papel histórico que é organizar a luta dos trabalhadores em unidade com todos os setores oprimidos para batalhar contra Bolsonaro e a extrema direita, pela revogação de todas as reformas a começar pela Reforma Trabalhista e contra todos os ataques na luta de classes.




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