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OPINIÃO | A unidade patronal para atacar e o futuro do governo Dilma

sexta-feira 9 de outubro de 2015 | 00:00

A palavra que mais encontramos quando vemos, ouvimos ou lemos o notíciario político brasileiro hoje é crise; e crise nas mais diferentes esferas, crise política, crise economica, crise moral e uma longa lista de etc.

Essas crises são a todo momento realimentadas por novos fatores, a descoberta de contas no exterior do presidente da câmara Eduardo Cunha, o Dólar que chega a R$ 4,00, novos elementos da operação lava-jato, as negociatas da reforma ministerial do governo Dilma em busca de maior estabilidade política. Seu grande reflexo superestrutural é a crise quase permanente por que passa o governo de Dilma Roussef, fator que é ainda mais importante tendo em vista que a presidente foi reeleita a menos de 1 ano e que seu mandato ainda durará 3 longos anos.

Num momento em que a situação econômica do país se deteriora numa velocidade crescente, com recessão, alta do Dólar e juros, desemprego e mais demissões e a necessidade da patronal de desferir ataques mais contundentes às condições de vida e direitos dos trabalhadores, tudo que os capitalistas necessitam e buscam é evidentemente unidade para atacar.

No entanto, essa unidade não se forja de forma mecânica, imediata, mas é expressão da capacidade de um setor capitalista conseguir hegemonizar os demais setores, se mostrar como aquele mais capaz naquela determinada conjuntura de submeter os interesses particulares de cada ala da classe dominante em nome de seus interesses gerais.

Se até agora não prosperou nenhum movimento mais efetivo em favor do impeachment de Dilma Roussef isso se deve ao fato de que os setores mais sérios e consequentes da burguesia vêem que embarcar nessa aventura antes de resolver seus problemas aumentaria em muito as contradições e conflitos sociais, polititizaria (mesmo que num primeiro momento de forma distorcida) a sociedade, possivelmente tornando mais difícil passar os ataques necessários para retomar um novo ciclo de acumulação ampliada do capital.

A alternativa de um governo em permanente crise, deslegitimado, porém, como o instrumento de aplicação dos ataques necessários à patronal também não parece muito sedutora. Como um dos governos mais contestados desde que se erigiu o novo regime surgido da aprovação da constituinte Constituição de 1988, Dilma Roussef cada vez mais parece menos capaz de unificar os diferentes setores capitalistas e ser a "marca" que legitima os ataques frente aos trabalhadores, a classe média (pequena-burguesia) e os setores mais pobres da população.

O "relato" petista (que mais está para uma estória para boi dormir) de que seu governo seria diferente do tucano, que representariam eles as conquistas sociais contra o retrocesso do PSDB, que a crise é apenas uma marola e que todos juntos a superaremos rapidadmente, não parece mais ter base, não parece mais "colar" em nenhum setor ou classe da população. Criticada de todos os lados, sem legitimidade em nenhum setor, sem capacidade de encantar e ter base em nenhuma das classes da sociedade brasileira, Dilma tem menor capacidade de unificar os diferentes setores da patronal para atacar os trabalhadores, posto que frente a todas as crises acumuladas a funcionalidade petista para a burguesia, de ser o setor que consegue domesticar os trabalhadores, parece ter se esvaído (pelo menos no imediato).

O futuro do governo Dilma, portanto, balança entre esses dois pesos: a burguesia precisa de unidade para atacar, mas qual a melhor maneira de buscar essa unidade; através de um governo cada vez mais deslegitimado e em permanente crise ou através de um processo que só pode ser extremamente arriscado e custoso, como o impedimento da presidente?

Qual a situação do próximo momento da luta de classes?

Alguns setores da oposição patronal, liderados principalmente pela ala do tucanato referenciada em Geraldo Alckmin, expressam que sua estratégia frente ao governo Dilma não é sua derrubada imediata por um processo de impeachment, mas uma estratégia de desgaste, que vá "sangrando" o governo até 2018, permitindo assim um vitória fácil nas próximas eleições presidenciais.

Essa pode parecer uma estratégia inteligente, mas apenas se parte-se do pressuposto que a situação da luta de classes no próximo período será estável, sem grandes estremecimentos e convulsões; mas é esse um pressuposto inteligente para se pensar política para o próximo período?

Desde junho de 2013 se abriu um novo momento de luta de classes no Brasil, em que o país rompe com a estabilidade construída no período anterior para entrar mais na órbita das convulsões sociais que tomam o mundo, situação que deve ser caracterizada como de transição entre a estabilidade de período anterior e uma situação pré-revolucionária, com tendência a se tornar efetivamente uma situação pré-revolucionária.

A ausência de um setor capaz de legitimar os ataques burgueses cria uma situação na qual o regime como um todo passa a ser crescentemente questionado, gerando uma instabilidade contínua que tende não só a inviabilizar o atual governo como gerar gigantescas dificuldades para um possível sucessor, podendo efetivamente abrir uma situação pré revolucionária. Evidente que não se trata de uma análise para esse exato momento mas sim uma perspectiva de médio e longo prazo que deve servir para preparar os trabalhadores para tempos mais convulsivos.

O que mostra essa tendência a uma cada vez maior agudização dos conflitos sociais, que podem se expressar com cada vez maior possibilidade numa situação pré-revolucionária? O motor principal dessa maior agudização é a crise econômica, que muito longe de parecer estar em seu fim, ou ter alguma chance de resolução a curto prazo, dá mostras cada vez mais marcadas de que será longa e profunda, acabando com todos os "avanços" conjunturais que existiram nos primeiros 3 governos petistas e fazendo retroceder as condições de vida dos trabalhadores e mais pobres para patamares inferiores.

A crise é o fator central da aceleração e agudização da luta de classes pois tende a romper o equilíbrio anterior alcançado, as formas particulares com que configurou naquela conjuntura sua hegemonia a patronal, impondo a necessidade para os capitalistas de uma nova correlação de forças, na qual esses possam impor de forma mais contundente as necessidades de acumulação capitalista frente aos trabalhadores.

Essa ruptura no equilíbrio da estruturação da hegemonia social dos capitalistas se reflete superestruturalmente na necessidade de novas formas de representação política, ou no reforçamento das antigas, dependendo da capacidade dessas antigas formas superestruturais de se relegitimarem frente a nova situação.

Ou seja, um momento de agudização da luta de classes, como é muito provável que se desenvolva no Brasil, não dá praticamente base nenhuma para um governo frágil, que possa ser arrastado por longos 3 anos em "banho-maria", dada a necessidade que terá esse governo de atacar de forma mais aguda todos os setores oprimidos da população.

Para ser plástico, imagético: o Brasil tende cada vez mais a viver uma situação parecida com a vivida pela Grécia nos últimos 5 anos e um governo como o de Dilma Roussef (pelo menos como ele está agora) é muito pouco adaptado e funcional para uma situação como essa.

Presidencialismo e riscos para um impeachment

A funcionalidade de um determinado governo para os patrões, num momento de crise como o que vivemos, está ligada a ser ele elemento capaz de unificar suas diferentes alas para desferir os ataques necessários sobre a classe operária e também a sua capacidade de legitimar esses ataques frente aos trabalhadores como uma necessidade de todos, "nacional", por assim dizer, aperto de cintos fundamental para que o "país", do qual todos fazemos parte, trabalhadores, patrões, etc, supere o momento difícil.

É evidente que o governo de Dilma Roussef a cada dia é menos capaz de cumprir esse papel, que deslegitimada como está a presidente não unifica os diversos setores da patronal, mas antes cria maiores atritos entre eles, sua figura não unifica os capitalistas mas antes os separa e os distrai sobre ajuste fundamental, sobre os caminhos a serem seguidos para enfrentar a crise política. Não legitima os ataques aos trabalhadores, e sim aumenta a insatisfação popular frente aos ataques, que não são percebidos como algo necessário para superar a crise que é de todos, mas como forma de resolver os problemas de um governo que é visto crescentemente como contrario os trabalhadores.

Por que então a patronal não se livra desse instrumento que já não se mostra tão funcional como antes, como uma faca que perdeu o fio ou uma tesoura que perdeu o corte? Porque a dominação exercida pela burguesia não se dá em um espaço vazio, fruto de sua vontade livre, mas dentro de formas particulares da luta de classes e das formas superestruturais que assume a legitimação de sua dominação.

Se vivessemos num regime parlamentarista, onde o chefe do executivo tem que ter maioria parlamentar e legitimidade para continuar a governar, certamente Dilma já teria sido afastada. Mas, fruto das grandes contradições existentes no país, suas diferenças regionais, raciais, de classe, etc, e todos os conflitos que surgem daí, tanto dentro da própria classe dominante e entre essa e as classes subalternas, foi necessário à patronal lançar mão da figura semi-bonapartista do presidente da república como chefe do executivo para garantir o seu domínio sobre bases "democráticas", concentrando grandes poderes em suas mãos, capaz de legislar, inclusive, através das MP’s, tentando assim dar alguma estabilidade a um regime contruído sobre bases tão porosas.

Afastar o chefe do executivo, num regime presidencialista, é portanto algo que tende a ser potencialmente muito traumático, podendo gerar uma série de contradições, conflitos., tende, nesse sentido, a agudizar a luta de classes, algo que a patronal quer afastar de qualquer maneira, num momento de crise como o que vivemos.

Esse processo traumático que tende a ser um impeachment se agudiza pelo fato de que Dilma Roussef pertence a um partido enraizado na sociedade civil, com grande influência em setores organizados da classe operária, do campesinato, dos pobres urbanos, bem diferente de um aventureiro como Collor de Mello, que foi eleito numa ascensão meteórica para combater uma possível vitória de Lula em 89 e em si mesmo não representava e nem tinha base em nenhum setor organizado da sociedade.

Essa é a grande contradição para a patronal em relação a esse seu instrumento que é o governo de Dilma: cada vez mais ele se mostra disfuncional, um instrumento quebrado, que não mais cumpre seu papel. mas se livrar dele, jogá-lo fora, pode ser ainda mais custoso, pode criar maiores conflitos.

O futuro do Governo Dilma

O futuro de Dilma Roussef na presidência da república depende, portanto, dessa disjuntiva, dessa contradição que é para os capitalistas brasileiros, sua continuação a frente do executivo. A patronal continuará a sustentá-la como presidente enquanto por seus cálculos pragmáticos ver que se é ruim com ela, seria pior e mais tramático o processo de afastá-la. Mas com o aumento das contradições sociais, da necessidade cada vez mais aguda de ataques mais profundos e de um governo legitimado para aplicá-los o cálculo pode mudar rapidamente e tornar-se mais vantajoso enfrentar o trauma e afastar a presidente buscando uma reconfiguração do regime que permita uma maior unidade e legitimidade para desferir os golpes.

Numa situação dinâmica da luta de classes como a que vivemos no país e na qual a maior tendência é que se torne cada vez mais aguda, é praticamente impossível continuar com um governo sem legitimidade, criticado por todos os lados, classes e setores. Cada vez mais aparecem duas alternativas para o governo Dilma, ou dar uma reviravolta, conseguir dar uma cartada importante, que lhe permita recompor sua base, unificar uma ala importante da patronal e garantir legitimidade frente a setores da classe trabalhadora, da pequena-burguesia e dos setores mais pobres da população, ou ser jogada fora como carta fora do baralho.




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