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CHINA | A desvalorização chinesa marca uma escalada da guerra monetária

O rebaixamento do Banco Popular da China (o banco central) da taxa de câmbio de referência do yuan em relação ao dólar, seguida por uma queda de sua cotação no mercado, disparou nesta quarta-feira o temor de que o novo sistema cambial chinês cause uma tormenta nos mercados internacionais.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quinta-feira 13 de agosto de 2015 | 03:12

O rebaixamento do Banco Popular da China (o banco central) da taxa de câmbio de referência do yuan em relação ao dólar, seguida por uma queda de sua cotação no mercado, disparou nesta quarta-feira o temor de que o novo sistema cambial chinês cause uma tormenta nos mercados internacionais.

O Banco Central tomou a decisão de desvalorizar o Yuan frente ao dólar para estimular as exportações chinesas, em queda e com retração do comércio exterior em 7,3%. Com isso, o dólar alcançou quase 6,4 yuanes, que perdeu em dois dias 3,5% na maior taxa de desvalorização desde 1993.

A cotação do yuan é fortemente controlada pelas autoridades chinesas, que a cada dia estabelecem uma taxa de câmbio de referência (chamado "paridade central") e permitem que oscile até no máximo 2% desse valor médio.

Com o novo sistema, o banco central chinês está obrigado a levar em conta a cotação do yuan no mercado de câmbio do dia anterior na hora de fixar a taxa de câmbio referencial do dia.

Assim, o Banco Popular apelou à menor cotação da moeda chinesa de terça-feira para a taxa de câmbio de referência e ao funcionamento do recém adotado mecanismo para reduzir hoje outra vez o valor da moeda chinesa, em 1,62%, que se soma à desvalorização de quase 2% de terça-feira.
Segundo a agência financeira japonesa Nomura, não se pode descartar que a China se coloque no nível de outras divisas asiáticas, que na média se depreciaram 12% desde junho de 2012, o que poderia trazer grandes movimentos nos mercados globais.

Apenas uma crise financeira?

Como viemos tratando em artigos anteriores, a crise financeira chinesa, que em seu ápice fez desaparecer das bolsas de Xangai e Shenzhen mais de US$ 3 bilhões em apenas 20 dias (a NASDAQ, bolsa de valores empresarial norteamericana, perdeu este valor em 2 anos antes da crise de 2008), não é fruto apenas de “reajustes normais” da economia, mas de uma profunda queda na produtividade da economia chinesa, que neste ano terá crescimento de 6,5% do PIB segundo o FMI, o mais baixo em décadas.

Este movimento marca uma mudança diante da histórica política econômica chinesa em tempos de turbulência. Durante a crise asiática de finais da década de 1990, a China manteve estável a taxa de câmbio do Yuan frente à desvalorização competitiva das demais economias asiáticas. Depois da queda do Lehman Brothers em 2008, Pequim foi um dos poucos governos que recusou alterar a taxa de câmbio, mesmo com suas exportações caindo drasticamente, em função da diminuição das importações norteamericanas.

Cabe lembrar que a década de 90 foi marcada pelas reformas econômicas de Deng Xiaoping, e a construção de milhares de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), que permitiam ao capital estrangeiro extrair grandes somas de mais-valia da jovem classe trabalhadora chinesa. Em meio à crise asiática, o PIB chinês cresceu 9% em 1997 e 8% em 1998.

No ano anterior ao estouro da crise financeira de 2008, o PIB chinês marcava um crescimento de 13%, o maior desde 1994. Tudo isso amortecia a necessidade de mudança na taxa de câmbio, já que o crescimento econômico e as exportações continuavam em alta.

O primeiro ministro Li Keqiang havia dito em março que “não queremos desvalorizar a moeda chinesa, pois não podemos confiar na depreciação da moeda para impulsionar as exportações”.

Mas as várias e inesperadas quedas das exportações neste ano deram dor de cabeça às autoridades chinesas, acostumadas a ver nelas uma das principais fortalezas de sua economia.

Dados do comércio exterior da China em julho, que mostraram significativos retrocessos. As exportações da China caíram 8,3% anualizado, e as importações outros 8,1%. Estes dados se somam ao estouro da bolha imobiliária que fez com que a compra de casas na China caísse 16,3% nos primeiros dois meses de 2015, junto à queda da produção industrial chinesa que atingiu o mais baixo em sete anos.

Esta queda das exportações tem claros efeitos na redução das importações, o que afeta seus principais parceiros comerciais como o Brasil. Assim, apesar de o minério ter tido um tímido crescimento de 1,4%, as importações chinesas tendem a se estagnar ou até mesmo cair, se o consumo de aço (motivo da demanda de ferro) continuar não crescer por fruto da desaceleração econômica.

Agora, mergulhada numa pronunciada desaceleração econômica, e diante da pressão de valorização do yuan por estar atado ao dólar norteamericano, convenceu o governo de Pequim a modificar sua política e entrar na guerra monetária.

Novos desequilíbrios que vão além da economia

A União Europeia viu com bons olhos esta série desvalorizadora. Este movimento do governo chinês dificulta a entrada das mercadorias norteamericanas na Europa, e “reflete melhor o equilíbrio entre oferta e demanda”, agregava um portavoz da UE.

Os Estados Unidos, por sua vez, encararam com hostilidade esta política desvalorizadora, que foi sempre denunciada por Washington como uma “política desleal”. Donald Trump, magnata da construção e um dos candidatos presidenciais do Partido Republicano, disse que a “desvalorização do yuan é devastadora para os EUA”, justificando sua defesa contra a colonização chinesa por suas mercadorias.
Tom Orlik, chefe economista da Bloomberg, estima que uma depreciação de 1% na taxa de câmbio real do yuan alcançaria um aumento de 1% nas exportações num prazo de três meses.

Portanto, trata-se de uma desvalorização que não é grande o suficiente para aumentar qualitativamente as exportações chinesas, mas que é suficiente para aumentar o risco de fuga de capitais e a redução comparativa da riqueza da China, em um momento no qual muitas de suas empresas realizam grandes investimentos no exterior.

Mas não só isso. A desvalorização da moeda ataca fundamentalmente os salários da gigantesca classe operária chinesa. Ainda que a taxa de exportação aumente relativamente, aumenta também o desemprego e degrada-se o salário dos trabalhadores que permanecem empregados. O resultado é que a desvalorização implica um aumento em igual quantidade dos preços dos produtos importados e por esse mesmo motivo reduz os salários e a renda dos setores mais empobrecidos.

O aumento dos custos de vida fizeram com que o número de greves dobrasse, de 656 em 2013 para 1378 em 2014, como a monstruosa greve de 40.000 operários nas fábricas de calçados da Yue Yuen, revelando uma nova geração operária que faz suas primeiras experiências de luta.

Os esforços por aumentar a competitividade externa de uma economia capitalista em desaceleração, em detrimento das condições de vida da imensa massa de trabalhadores na China, mostra a dificuldade do governo de Pequim em estabilizar sua tão buscada “economia de mercado”, e os laços que o Partido Comunista Chinês possui com o barões exportadores. Um rastilho de pólvora segue o rastro dos zigzags do governo chinês.




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