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Os anos 60 nos EUA teve seu lado sombrio para os LGBT: comportamento tido como fora dos padrões heterossexuais era considerado crime e tratado como doença. Mas teve sua resistência: a revolta de Stonewall. Quais lições tiramos disso tudo no Brasil?

domingo 28 de junho de 2015 | 02:45

Texto de Nelson Neto, jornalista e ativista LGBT:

Estamos no dia 28 de junho de 1969, é Verão na terra do Tio Sam. A nossa frente está a fachada do bar Stonewall Inn, na 53 Christopher Street, cidade de Nova York.

No salão de entrada do bar encontram gays comuns, que hoje poderíamos chamar de normativos. Poucos se atrevem beber cerveja, com medo de contrair doenças. Intelectuais, garotos de rua, designers, gerentes de museus... uma clientela diversificada procura refúgio e divertimento, nas noites do Stonewall. Em uma segunda sala há um jukebox, e em volta dele drags fazem pequenas apresentações para um público mais arrojado.

A década de 1960, nos Estados Unidos, foi sombria para gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. Por lá, um grupo crescente de profissionais da saúde convenciam o Estado sobre quais sexualidades eram patológicas; distúrbios mentais; e quais não eram. Ao mesmo passo que o fundamentalismo religioso cristão-protestante avançava no melhor estilo publicitário. No campo do direito civil, qualquer comportamento fora dos padrões considerados heterossexuais é considerado crime.

Voltamos para o Stonewall. Oito policiais tomam o bar e pedem para que todos os frequentadores saiam e apresente seus documentos. Os bares frequentados por LGBT nessa época podem ser comparados com as igrejas dos negros do Sul dos Estados Unidos. Um refúgio; um gueto que fora encontrado pelos olhos do Estado.
Naquela noite, a resistência era pela sobrevivência. Para se ter ideia, no Estado da Califórnia, costa Oeste do país, famílias enviavam parentes homossexuais ao Hospital Estadual Atascadero, onde eram submetidos pelo Dr. Walter J. Freeman a um procedimento cirúrgico chamado lobotomia. Procedimento que consistem em separa, com um picador de gelo, parte do cérebro. Com isso, ele afirmava que os homossexuais estariam curados. De acordo com registros, cerca de 4 mil cirurgias de lobotomia foram feitas pelo Dr. Walter; estima-se que 40% delas foram em homossexuais.

Em Nova York, na Albert Einstein University, eram ensinados diversos tratamentos psiquiátricos para a cura da homossexualidade. Tratamento que incluía sessões de choque.

Hospital Estadual Atascadero, na Califórnia. Onde LGBTs eram enviados para procedimentos cirúrgicos na cura homossexual

Tratamentos de choque eram comuns, nos hospitais psiquiátricos para curar pessoas da homossexualidade

Dr. Walter J. Freeman exibindo sua técnica de lobotomia, que consiste em separar parte frontal do cérebro do resto do órgão

Possível homossexual pós-operado pelo Dr. Walter

O embate entre os clientes do Stonewall e a polícia foi inevitável. Qualquer objeto era uma arma de defesa contra os policiais. Em instantes a calçada e a rua estava ocupada pelos clientes e pelos policiais. Garrafas, pedras e madeira eram instrumento de resistência junto aos próprios corpos subversivos. Os policiais precisaram recuar.

Com o recuo do Estado opressor, ungido pela sacralidade cristã e pela frágil moral que os cercava, deu fôlego para que nos dias seguintes outras manifestações ocorressem. Agora, não mais em guetos, mas em praça pública.

Um ano passou. Estamos em 1970, e cerca de 10 mil manifestantes se concentram em Nova York para comemorar a resistência.

As organizações pró LGBT, poucas, que existiam até aquela data foram fortificadas por um estado de esperança da possibilidade de sair às ruas e dizer: existimos.

Não demorou muito para que o movimento se espalhasse por todo o país. Cruzou o Atlântico e desceu pelas Américas. O dia 28 de junho torna-se o Dia Internacional do Orgulho LGBT. E as paradas, em diversos países, é o auge do ano em que LGBTs saem para a rua para comemorar sua resistência e mostrar seu orgulho.

Brasil

A história da militância LGBT brasileira bebeu, e ainda bebe, bastante dos desdobramentos da Revolta de Stonewall. Ainda vivemos em guetos. O Brasil é mais do que nossos umbigos cosmopolitas que fazem ponte aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro.

Podemos fazer uma conexão com a história se observarmos que na década de 1970 muitos, considerados subversivos, foram exilados do Brasil pela ditadura militar. Não podemos negar os contatos diretos e indiretos com os movimentos de fôlego que os jovens LGBT tinham nesse período.

É durante o truculento e nebuloso período da ditadura militar que surgem, no Brasil, jornais e revistas alternativas como a criação do grupo político LGBT Somos, a revista Lampião da Esquina.

Não tivemos uma rebelião de confronto tão intensa entre o Estado de repressão que vivemos e a população LGBT como em Stonewall. Por aqui, quase cinquenta anos depois, ainda somos mortos, submetidos a tratamentos de tortura e perseguidos não só pela polícia; mas pela igreja judaica-cristã e por todo um aparelhamento moral que reprime quem está fora das normas.

Ser compararmos o cenário brasileiro que a população LGBT está inserida com o momento histórico dos acontecimentos do Stonewall do século passado; é possível perceber que a diferença é que as pessoas sabem que existimos e, por meio de tratados e pequenos artifícios jurídico, são obrigados aceitar a convivência (mesmo que não pacífica). Como argumento, basta ligar na TV aberta e assistir a tempestade de programas religiosos e fundamentalistas do horário matutino até as altas horas da madrugada.

A luta pela igualdade de gênero, no Ocidente, é uma luta que deve ter diferentes frentes unidas: frentes que confrontam questões sociais, morais, jurídicas, médicas, éticas-religiosas. A luta LGBT é uma luta que enquanto não aprender a se organizar e dialogar tanto internamente quanto com outros movimentos, dos trabalhadores aos étnicos vai continuar na década pré-1960 dos norte-americanos.




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