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CRÔNICA DAS ROSAS | A realidade crua, a morte bate a porta

Desde que Daiana havia voltado a trabalhar, a loja ficou totalmente fechada por mais de duas semanas, voltou abrindo meia porta e ha uma semana havia aberto as portas totalmente, se perguntava qual a lógica dessa suposta “quarentena”. O transporte lotado como sempre. São muito poucos que podem de fato ficar em casa. Na TV o famoso fica em casa, e os discursos de superação diante das dificuldades dessa pandemia.

sexta-feira 19 de junho de 2020 | Edição do dia

Daiana estava cansada, com os filhos em casa, o medo do desemprego com as baixas das vendas e algumas demissões já consolidadas na loja, o aumento dos gastos e as preocupações diárias, a meses já acordava cansada. Dormia um sono profundo e insuficiente. Quando deitava apagava, e só abria os olhos com o despertador, um sono sem sonhos. Vez ou outra acordava no meio da noite e já não conseguia mais dormir.

Maria Luíza sua filha mais velha (14 anos) também sentia forte na pele os impactos da situação. Estava cuidando dos dois irmãos, Caio (7) e Pedro (3). Além das suas aulas, tinha as aulas do irmão, além do pequeno que dava muito trabalho. Não estava conseguindo acompanhar suas aulas, além disso na semana passada seu tio Inácio havia falecido por conta da COVID, Maria Luíza o tinha como o pai que nunca conheceu.

A morte do irmão também foi um baque para Daiana, tão jovem. As coisas estavam ficando difíceis demais, além das pessoas doentes, essas crianças sendo mortas pelo simples fato de morarem na favela, de serem negros. O menino Guilherme, era filho de uma amiga de uma moça do trabalho. Aquele assassinato havia sensibilizado muito ela, pensava nas suas crianças e tinha medo.

Daiana cresceu vendo a violência policial nas favelas. Vitor, seu companheiro e pai das crianças havia sido morto quando voltava do trabalho – saía as 23h30 normalmente, de final de semana mais tarde, lavava pratos em um desses bares chiques – andava pela rua na madrugada atravessando as duas quadras que o separavam de casa e do ponto, quando foi “confundido” com um suposto bandido e baleado. O luto fazia parte, quase sempre presente na sua vida.

Agora com a morte do irmão também tinha que lidar com o medo dos pequenos, que havia aumentado exponencialmente. Na noite passada seu pequeno Pedro chorava e dizia que não queria morrer, que não queria que a mamãe morresse, que tinha medo do coronavírus que havia matado seu tio. Daiana perdeu o chão ao ver o pequeno naquele estado. O que ela poderia dizer? Trabalhava de máscara, era a lei, mas ainda assim interagia com diversas pessoas, pegava transporte lotado, queria muito poder prometer ao pequeno que nada lhe aconteceria, mas não podia. Podia pegar COVID, podia ser acertada por uma “bala perdida”, podia ser identificada como perigo, podia morrer de fome.




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