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CRÍTICA | A presença marxista na crítica literária

Não é possível fazer a crítica marxista avançar com as duas mãos agarradas no pescoço da literatura. Para pensarmos a contribuição que o texto literário pode dar para o socialismo, é indispensável deixar a narrativa respirar. Cabe ao crítico difundir técnicas e recursos expressivos capazes de alimentar o trabalho dos escritores de esquerda. A problemática maneira da obra literária exprimir, sinceramente, a necessidade de ruptura com a ordem capitalista, é para o marxismo um percurso que não vai da política para a literatura, mas da literatura para a política. Tal consideração serve para que tenhamos clareza na hora de exercitarmos a crítica literária.

quarta-feira 17 de fevereiro de 2016 | 00:00

Seria um ganho definitivo se marxistas brasileiros, interessados em literatura, tivessem contato com reflexões estéticas que fugissem do pântano lukacsiano e das aves de rapina do stalinismo. Para dar este salto teórico, a crítica literária precisa sair do lugar comum, da morna bibliografia recheada de teóricos que, “ marxistas “ ou não, optaram pelo gabinete e não pela rua, que preferem o seguro bule de chá às claras tomadas de posição sobre a raiz dos problemas políticos e culturais. Fazer crítica literária não implica em simplesmente valorar romances, poemas, contos, etc. É trabalho do crítico de esquerda agitar, estimulando tendências(e referências) literárias que na maioria das vezes não interessam ao mercado.

O crítico que tem algo a dizer é aquele que diferentemente de um degustador do varejo literário, promove o debate estético. A reflexão sobre o objeto literário não pode ser importunada pelas moscas do mercado.Ao mesmo tempo, o crítico verdadeiramente marxista recusa a fazer de qualquer escola ou vertente literária a representante “oficial“ do marxismo. Escrever sobre literatura significa detectar nas qualidades expressivas da escrita realizada por homens concretos, um esforço comunicativo historicamente condicionado e ao mesmo tempo sujeito aos mais variados caminhos estilísticos.

Esteja claro que a crítica literária militante não é meramente uma crítica panfletária. O caráter científico do marxismo estabelece uma análise precisa de toda e qualquer obra literária. Cabe ao crítico expor a maneira como o texto literário, a partir da sua relativa autonomia estética , se relaciona com o pensamento e a sensibilidade de homens e mulheres nos mais variados contextos históricos. Neste mergulho analítico, em que os elementos formais da obra entrecruzam-se com aspectos biográficos do escritor e sua época(ou seja, a literatura existe dentro de um modo de produção), cabe ressaltar que o marxismo não pode ficar fechado em si mesmo, sendo necessário o auxílio de outras correntes de pensamento tais como a psicanálise(este auxílio não descamba em ecletismo mas enriquece a reflexão marxista). Bem, no que todo este esforço “ especializado “ pode contribuir com as necessidades políticas/culturais da classe operária? Eis que surge um duplo problema: de um lado a História da literatura, negada ao proletariado. Do outro, a necessidade de divulgação e do debate quanto ao entendimento das formas de literatura revolucionária da atualidade. Como a crítica literária apoiada filosoficamente no marxismo deve agir diante desta dupla questão?

Pesquisando, escrevendo e lendo um caminhão de obras, o crítico marxista se vê às voltas com 3 dimensões do seu “ ofício “: a compreensão da História da literatura, a análise da produção literária atual e a necessidade política(entendida a partir de dentro da forma artística) de difundir plataformas revolucionárias para a literatura. Embora estas 3 dimensões se complementem no exercício da crítica, as pressões do capital e o papel reacionário de muitos críticos, amesquinham a vida literária em doces ou amargas impressões sobre obras literárias lançadas pelo mercado editorial. Este quadro conservador e superficial procura enterrar a análise marxista(na grande imprensa, mais reacionária do que nunca, a coisa toda ficou inviável). A contrapartida só pode se dar com uma crítica militante realizada na imprensa operária. Esta deve ser capaz de contribuir com a formação literária de leitores e escritores de origem proletária; deve recepcionar em sua órbita escritores combativos que não encontram espaço para discutir suas obras.

Difundir clássicos da literatura e ao mesmo tempo defender ideias para uma produção literária de agitação revolucionária, passam a ser os focos do crítico na imprensa dos trabalhadores. Combater as históricas carências educacionais promovidas por governos estaduais e federais (empenhados em destruir a Educação e assim afastar ainda mais a literatura da juventude proletária) é uma tarefa central no trabalho da crítica militante. Lenin e Trotsky foram enfáticos quanto à necessidade da tradição literária e artística ser assimilada pelos trabalhadores através de um processo educativo. Enquanto que nas mãos da abestalhada pequena burguesia dos nossos dias, clássicos de Shakespeare, Balzac e Dostoievski tendem a ficar empoeirados nas estantes, nas mãos dos jovens escritores periféricos estes livros alimentam a literatura de amanhã: absorvendo esta fortuna estética, os escritores operários se fortalecem. Porém, isto não pode ser confundido com “ caridade literária “: promover(via jornais, revistas, blogs, redes sociais, escolas, centros culturais, etc) o contato com clássicos, é uma estratégia militante que se complementa com a rigorosa defesa das formas de literatura revolucionária. Se na obra de arte o carro(conteúdo) não pode estar na frente do boi(forma), não podemos deixar de estimular a intencionalidade política na literatura. Não é o panfletão vagabundo, sem consistência estética e logo um desastre para a literatura revolucionária. Trata-se de divulgar uma possibilidade consciente para exprimir no texto literário a contestação política(o que em hipótese alguma configura-se em “ regras militantes “ para o escritor).

A crítica marxista deve ser tão implacável com a falsa literatura engajada quanto com as obras literárias que ocultam lentes burguesas. Não cabe ao crítico dizer quais devem ser os caminhos da literatura, mas apresentar uma atitude que a situe de acordo com as necessidades revolucionárias do nosso tempo. A informação literária progressista é proclamada pelo auto falante dos artigos do crítico militante. Para que o romance seja aquele pão de cada dia a que Trotsky se referiu, precisamos mandar bala na consolidação de uma crítica literária que instrui, esculhamba e incendeia a cultura.




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