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ORIENTE MÉDIO | A ofensiva contra o Estado Islâmico abre novas contradições para os Estados Unidos

Nas ultimas semanas o governo iraquiano e milicias curdas, com o apoio dos Estado Unidos, vem desenvolvendo uma tripla ofensiva militar sobre posições estratégicas do Estado Islâmico: as cidade de Mosul e Fallujah no Iraque e a cidade de Raqqa, a proclamada capital do califado, na Síria. Estas batalhas estão colocando em evidencia as profundas contradições da “ coalizão anti-EI” dirigida pelos Estado Unidos.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

sexta-feira 3 de junho de 2016 | Edição do dia

Estado Islâmico retrocede

Ainda que esteja longe de ser derrotado, o Estado Islâmico(EI) vem perdendo parte do território que ocupa na Síria e no Iraque desde 2014, diante da ofensiva da coalizão dirigida pelos Estados Unidos e da intervenção da Russia. O ataque as posições do EI recrudesceu nas ultimas semanas. De fato esta em curso uma operação “pente fino” para reduzir significativamente as fronteiras do califado proclamadas em meados de 2014.

O EI esta atacando os centros de gravidade do Iraque: Mosul, a segunda cidade mais importante do pais, onde esta em curso uma ofensiva militar da milícias curdas iraquianas(peshmerga) com o apoio dos Estados Unidos. E Fallujah, a cidade “rebelde” da província sunita de Anbar que foi a primeira a ser controlada pelo EI em janeiro de 2014.

A batalha mais cruel sem duvida é de Fallujah, 50 km distante de Bagdá, onde cerca de 20.000 soldados iraquianos e milicias irregulares iranianas aguardam para entrar no coração urbano e esmagar a resistência de cerca de 500 a 1000 combatentes do Estado Islâmico. A cidade esta sitiada a margem de uma catástrofe humana. Segundo a ONU cerca de 50.000 civis se encontram no meio do fogo cruzado.

Na Síria, uma coalizão militar das milicias curdas e árabes, com o apoio dos Estados Unidos, avança sobre a cidade de Raqqa, o centro organizativo do califado.

As contradições da politica de Obama

Mas uma coisa é ter um inimigo em comum, o EI, e outra bem diferente é dizer que quem está dirigindo estas batalhas esta lutando a mesma guerra. Ao contrário, os interesses divergentes e ate contraditórios das diversas potências e atores envolvidos na guerra civil da Síria e Iraque se manifestam abertamente e configuram os campos e objetivos militares e políticos.

A ofensiva sobre Fallujah é um exemplo de como os interesses dos Estados Unidos e Irã convergem e se chocam ao mesmo tempo. Ambos querem derrotar o EI. Mas enquanto os Estados Unidos tenta conter o avanço iraniano para manter um certo equilíbrio regional entre Irã e Arábia Saudita, e por essa via evitar que se desvie do curso do enfrentamento entre sunitas e xiitas, o regime iraniano enxerga a oportunidade de estender sua influencia entre seus aliados.

Estados Unidos, que estão a frente da coalizão anti-EI, esta por trás da ofensiva em Raqqa e Mosul mas vê com desconfiança o ataque a Fallujah. As razões desta diferença são que enquanto no primeiro caso dirige a operação e atua através de aliados mais confiáveis, a operação em Fallujah foi lançada pelo governo iraquiano do primeiro ministro Haider Al Abadi, mas está dirigida pelo Irã, o que aumenta a probabilidade de que a luta contra o EI seja a desculpa para escalar a perseguição contra a minoria sunita.

Obama respondeu a esta contradição, por hora, tratando de impor condições mínimas para apoiar com bombardeios aéreos sobre Fallujah que apontam para diminuir a possibilidade de que a retomada da cidade se transforme em um ato de vingança contra a população sunita. Entre as mais importantes, que as milícias iranianas não participem da tomada da cidade e que se mantenha a coalizão que inclui 4.000 combatentes sunitas, em sua grande maioria membros das forças de segurança locais. Apesar de que Abadi prometeu cumprir este “plano de guerra”, já há sinais claros que a recuperação do centro urbano pode transformar-se em um banho de sangue, como mostra os videos onde lideres das milícias xiitas motivam seus combatentes com uma mensagem que promete vingança contra o povo de fallujah, considerado como um “bastião do terrorismo” desde o qual o Estado Islâmico planejou os dois últimos atentados suicidas contra os subúrbios xiitas de Bagdá que deixaram um saldo de 150 civis mortos.

As contradições são praticamente irremediáveis. Em 2012, Fallujah foi o epicentro da rebelião contra o governo central da maioria xiita. A expulsão da minoria sunita do governo e a repressão lançada naquele momento pelo então primeiro ministro Al maliki alimentou o surgimento de grupos insurgentes e empurrou lideres tribais a uma aliança tática com o EI, o que permitiu com que se estabelecesse o controle da cidade antes mesmo do califado.

Os motivos da ofensiva sobre Fallujah

o governo iraquiano teve suas próprias razões para acelerar a ofensiva sobre Fallujah, que não necessariamente coincidem com os interesses norte-americanos. O primeiro ministro Abadi esta enfrentando uma crise politica quase terminal. Desde fevereiro enfrenta um movimento de protestos em ascenso, dirigido pelo clerigo xiita Al Sadr, que se tornou popular por ter enfrentado, no inicio, a ocupação norte-americana.

Este movimento surge a partir precarização das condições de vida e da escandalosa corrupção do governo. E levanta uma demanda progressiva de terminar a divisão de poder entre sunitas, xiitas e curdos com preeminência xiita sustentada pelos Estados Unidos para manter a unidade estatal e iraquiana.

Com diferença de duas semanas milhares de manifestantes tomaram a sede do parlamento, a ultima com enfrentamentos violentos com as forças de segurança. A politica de Abadi é utilizar a batalha contra o EI em Fallujah para recompor a unidade nacional e enfraquecer os protestos.

Sem duvida, mesmo obtendo um êxito militar, é um governo débil para garantir o compromisso assumido com os Estado Unidos de não permitir que por trás de expulsar o EI se desate uma limpeza étnica contra a população. Na Síria, os Estado Unidos enfrentam outras contradições. Seus principais aliados na luta contra o EI são as milícias curdas do Partido da União Democrática, aliado ao PKK, inimigo numero um da Turquia. Ainda que a aliança entre Estados Unidos e Turquia se mantenha, os interesses divergentes criaram uma forte tensão entre ambos, ao ponto de o primeiro ministro turco acusar o governo norte-americano de prover armas para o PKK através de seus aliados na Síria.

Enquanto as diversas potências testam suas rivalidades e interesses através de seus agentes e aliados táticos, a população civil sofre os horrores dessa guerra: no começo de 2016 cinco milhões de sírios, ou quase 25% da população saíram de seu país. A isso se soma outros tantos milhões de refugiados internos. Fallujah já sofreu o sitio e o assalto das tropas norte-americanas em 2004.

Depois de sofrer durante dois anos o despotismo do Estado Islâmico, parece estar mais próximo de enfrentar sua enésima guerra civil do que de conseguir sua “liberação.




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