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Crônica | A entrevista; a batalha cruel entre irmãos de classe

quinta-feira 28 de julho de 2016 | Edição do dia

Estes dias estava voltando de um dia de trabalho em um ônibus lotadissimo, com os olhos pescando e as pernas, como sempre, latejando. Pouco tempo depois que entrei cinco jovens subiram rapidamente no ônibus, se escoraram nos corredores e continuaram o assunto que deveria ser o tema antes da embarcada. Falavam das fábricas na região, a cada galpão que passava na janela diziam "aí parça, essa aqui a gente tem que colocar na lista" "nessa eu já deixei semana passada" "ihhh essa nem adianta sonhar, que é metalúrgica, meu primo foi espirrado mês passado dessa firma aí". Um deles também disse "aqui já ta bom por hoje Jao! A gente tem é que ir imprimir mais currículo e forrar as agências da Lapa de novo!"

Não fazia muito tempo que eu estava fazendo o mesmo corre que esses meninos, de um lado pro outro da cidade, pensando se valia mais a pena almoçar ou guardar dinheiro para imprimir currículos e pagar passagens. A procura por emprego hoje em dia parece uma saga interminável. Uma grande jornada em que os pequenos momentos de esperança são o que movimenta nossas pernas por verdadeiras viagens diárias... em que o resultado costuma ser um nocaute, um 7x1 para o time da desilusão.

Mas as vezes fazemos um gol, o telefone toca e aí começa a segunda etapa: A batalha cruel que a os patrões impõem aos trabalhadores, onde vamos fazer de tudo para nos mostrarmos leais, muitas vezes nos humilhar perante os funcionários de RH e competir uns com os outros pela vitória. Parece uma até uma brincadeira dizer assim, um programa de mal gosto na Record, com apresentação de Roberto Justos. Mas no fundo sabemos que é bem por aí mesmo. Na última entrevista de emprego que fiz a turma de 20 trabalhadores teve de aguentar horas aguardando sermos chamados, depois disso fizemos testes que ninguém entende muito bem o que precisa fazer pra passar. Respondemos também perguntas de comportamento profissional e da vida pessoal e por último as ditas "dinâmicas", que parecem ser gincanas ridículas do Domingo Legal, mas que na verdade são competições entre grupos para avaliar ao mesmo tempo se você é capaz de foder com a vida dos outros sem desandar o trabalho e assim se destacar como "liderança".

Existe também a enxurrada de baboseiras com termos empresariais gringos que os examinadores repetem e ninguém entende; proatividade, cultura organizacional, Feedback... Além do mais absurdo e cínico; chamar a todo momento os trabalhadores de nossos "Colaboradores", tentando forçar que entre patrão explorador e peão explorado deve existir uma relação colaborativa. No fundo nós que trabalhamos sabemos que tanto isso como maioria das outras coisa que a empresa diz são mentiras e que o chefe quer mesmo é pagar pouco e ganhar muito. Por sentir essas mentiras todas todo trabalhador também sabe que numa entrevista a regra é falar o que querem ouvir, repetir palavras as difíceis e impressionar.

As entrevistas de emprego são um mundo a parte formado de mentiras, uma fantasia onde todos fazem um teatro ridículo negando seus verdadeiros interesses. A empresa e seus representantes fazem o papel de grande uma família em função da sociedade, os trabalhadores, fazem - desgostosos e obrigados - o papel que lhes coagirem a fazer. Tudo para esconder que o que está acontecendo ali é a escolha dos melhores escravos modernos para o fazendeiro enlaçar e chicotear. É mais uma expressão da falsa liberdade dentro do capitalismo.

Mas a maior crueldade é a competição imposta. Ouvir uma lista de companheiros sendo chamados e não voltarem para sala, saber que quanto mais velho mais difícil vai ser, saber que se a moça responder sim na pergunta "é gestante?", não vamos mais a ver na próxima etapa. E, por mais que você queira negar... sentir o pior sentimento que pode existir entre companheiros da mesma classe... de que a desgraça deles alimenta sua esperança.

Um rapaz que, antes de ser demitido, trabalhava há 4 anos em outra gráfica da ZO de SP - e inclusive tinha experiência na área mais técnica da procuração, a impressão - foi chamado pelo examinador para "bater um papo" e a notícia era que ele tinha sido reprovado por que descobriram que seu histórico escolar era falsificado. Outro caso foi de um senhor, cerca de 45 anos mas que as marcas do trabalho faziam sua aparência ganhar uns 15 a 20 anos a mais. Foi chamado também para o "bate papo" que deu para ouvir de dentro da sala de espera... disseram para ele que não estavam contratando gente que não tivesse curso. Logo depois ele rebateu dizendo que tinha sim cursos em várias áreas e experiência de anos, falou uns dez minutos detalhando cada trabalho que já fez e quase que já gritando terminava dizendo que era uma injustiça. O examinador gaguejou pra responder, imaginei que ele não estava preparado para enfrentar alguém que fosse contradizer o resultado da seleção e batalhar para conseguir a vaga, deu respostas sem sentido... dizendo que não podia contradizer os resultados dos gerentes... Mas no final teve que usar uma outra tática para convencer o companheiro a ir de volta pra casa com as mãos abalando; disse que encaminharia o currículo dele para a seleção da empresa terceirizada que contrata os temporários da produção.

As empresas costumam chamar tudo isso de uma disputa por "uma oportunidade". Mas na verdade a entrevista é uma batalha de uma guerra imposta cotidianamente para que trabalhadores se digladiarem entre si pela "nobre possibilidade" de saírem do exército de reserva do desemprego, e assim, serem explorados, vendendo seu trabalho, seu suor, sua força, inteligência e seu tempo, por muito, mas muito menos do que eles realmente valem.


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