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A economia na era Biden: o novo plano de estímulos funcionará?

Pablo Anino

Tradução: Bernardo Aratu

A economia na era Biden: o novo plano de estímulos funcionará?

Pablo Anino

O plano de estímulo aprovado recentemente pelo Congresso dos Estados Unidos desatou todo tipo de interpretações por aqueles que tem ilusão de um novo “boom econômico”, sendo comparado até mesmo ao “New Deal”. Mas, qual é a realidade do plano de estímulo de Biden? Como impacta a economia estadunidense e a economia mundial?

O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, conseguiu que o Congresso aprove um plano de estímulos econômicos importante: são 1,9 trilhões de dólares americanos (USD). A surpresa foi que conseguiu isso sem os votos dos republicanos que, a priori, se supunha necessário. Desse modo, o pacote foi de uma quantia superior da esperada originalmente, por passar pelo filtro do acordo bipartidarista. Para se ter uma dimensão, valem algumas comparações: o estímulo representa quase 10% do PIB estadunidense; duplica o programa de estímulos de Barack Obama em termos de percentual do PIB; equivale ao que o Brasil produz em quase um ano; ou quase quatro vezes a produção Argentina.

Existem debates sobre a magnitude do giro na política econômica à luz das mudanças ideológicas na sociedade. Também existe certo exagero sobre o impacto do plano. E até um embelezamento por parte da imprensa afim de Biden. O plano compreende um volume de recursos que é aproximadamente a metade do total destinado durante 2020 pelo Governo de Donald Trump para contrapor aos efeitos do Covid. Entre os estímulos de Trump e os novos de Biden, os Estados Unidos já desembolsou um equivalente a 32% de seu PIB. Por que agora se espera maior impacto na reativação econômica e no impulso à economia mundial? Porque, ainda que resta saber se evitarão as consequências das novas variantes do Covid, para maio ou meados do ano corrente espera-se que grande parte da população estadunidense esteja vacinada e o plano de estímulo não atue sobre uma economia frontalmente impactada pelo vírus, como em 2020, mas sim em movimento.

Além disso, estima-se que setores da população confinados em suas casas sem poder sair e sem recreação acumularam poupanças de aproximadamente USD 1,6 trilhões durante o ano passado. As análises mais otimistas indicam que boa parte dessas poupanças potencialmente podem se voltar ao consumo. Mas, o que está como potência não necessariamente vai ocorrer. Depende de muitos fatores, da confiança dos consumidores, do verdadeiro impulso que cobre a economia, as perspectivas de recuperação do emprego. Em outro extremo, a poupança poderia continuar como está, como riqueza nas mãos da população e, por fim, não impactar no crescimento.

O pacote votado no Congresso proporcionará USD 350 milhões para os governos estaduais e jurisdições de menor escala. O orçamento adicional para as escolas primárias e secundárias será de USD130 milhões. Outros USD 50 milhões irão para pequenas empresas e lugares de viva atuação. Serão jorrados USD 45 bilhões em assistência para o aluguel, serviços públicos e hipotecas. As agências de transporte receberão USD 30 bilhões. Para a distribuição de vacinas serão destinados USD 14 bilhões. Outros USD 10 bilhões serão destinados a projetos de infraestrutura estatais críticos. Também terá pagamentos diretos aos contribuintes: serão enviados cheques de até USD 1400 a pessoas que ganham até USD 80 mil anuais, a pais solteiros com ganhos de até USD 120 mil e casais com ganhos familiares que não superem os USD 160 mil. Aos desempregados serão pagos USD 300 por semana até 6 de setembro. Adicionalmente, terão benefícios impositivos e créditos fiscais. Até setembro será aplicado um aumento de 15% nos benefícios de cupões para alimentação. Também será expandido o Obamacare. O pormenor revela-se extraordinário, mas na realidade em 2020, com Trump o governo já enviou cheques de USD 1200 a muitos estadunidenses, os pagamentos a desempregados alcançaram a soma de USD 600 semanais e houve apoio a empresas para limitar demissões. Os efeitos do primeiro plano de estímulo de Trump havia se esfumaçado rapidamente no mês de julho de 2020.

A votação no Congresso também expôs alguns limites importantes: deixou de lado medidas mais permanentes, tais como um salário mínimo de USD 15 por hora, ou o perdão das dívidas estudantis. A reivindicação dos USD 15 é ampla entre os trabalhadores. A negativa em votá-la poderia ser um detalhe menor. Enfim, foram impulsionadas medidas que vão direto para o bolso das pessoas. Não obstante, a maioria das iniciativas possuem um caráter contingente: caducarão no mês de setembro. Claro que nenhuma medida isolada em si mesma resolverá integralmente os problemas estruturais, nem os USD 15 por hora constituem um ideal, mas uma recomposição do salário mínimo permitiria atacar de maneira direta e perdurável os baixos salários, uma das causas principais da crescente desigualdade no país do norte. No momento, isso não vai acontecer. Seria um desatino deixar-se iludir que Biden se orienta a deixar de lado a herança neoliberal e suas implicações no mundo do trabalho: a extensa precarização e flexibilização. A atitude do novo presidente parece orientada a conter o mal-estar social e estabilizar a situação econômica. Se alcançar esses objetivos, provavelmente tentará voltar às mesmas receitas das últimas décadas, as que defendem o establishment do Partido Democrata que o levou à presidência.

Ainda assim, o programa de estímulo, assim como o impulsionado durante 2020 no Governo Trump para contrariar os efeitos da Covid, seguem critérios que poderiam se mascarar de tons de keynesianismo “clássico”, enquanto transfere dinheiro majoritariamente de maneira direta a amplos setores da população. Portanto, se contrapõem à lógica predominante dos anos 80, onde os estímulos da FED significaram massas de dinheiro a favor do grande capital, a sustentar a valorização financeira de Wall Street. O capítulo mais destacado foi o resgate ao capital financeiro na crise desatada em 2008. Os jovens nos Estados Unidos viveram a maior parte de sua vida em crise (a de 2008 com seus efeitos duradouros e a da Covid), assistiram aos ataques à classe trabalhadora e benefícios impositivos para os ricos, como a última reforma impositiva impulsionada por Trump. Desse modo, o país do norte se converteu em um dos mais desiguais entre as potências do G7. Esse foi o caldo de cultivo do fenômeno político para além dos cânones habituais: o sanderismo, o trumpismo, Occupy Wall Street e Black Lives Matter. Em plena pandemia a desigualdade não parou de crescer. A riqueza de Jeff Bezos, Elon Musk e Mark Zuckerberg, dentre outros 657 multimilionários se elevou em USD 1,3 trilhões, 44% a mais que no ano anterior. Uma cifra que representa dois terços do plano de estímulos. Esses privilégios não serão tocados por Biden.

De forma exagerada, o plano de estímulos de Biden, que é de caráter contingente, foi comparado com a Great Society de Lyndon Johnson, ou o “New Deal” de Franklin Delano Roosevelt, que compreenderam medidas de caráter profundo e perdurável, como por exemplo o direito a organização sindical. Existem discussões sobre em qual medida o “New Deal” serviu para resgatar a economia estadunidense da recessão de 1930. A economista Paula Bach explica que, na realidade, o debate é sobre quando começou uma recuperação contundente da economia estadunidense e sobre isso, praticamente, não há discussão de que foi com o armamento para a guerra. Mas, independentemente desses debates, está claro que a dimensão, profundidade e alcance das atuais iniciativas estão longe daquela experiência. Mas, em algum sentido pode se sugerir tal comparação: ainda que as crises não se repitam sob os mesmos termos, talvez a situação atual tenha engendrado contradições tão profundas como na década de 1930.

O New York Times qualificou o plano como o “maior esforço contra a pobreza em uma geração”. Durante o ano corrente, o plano permitiria diminuir a pobreza em um terço e diminuir a pobreza infantil pela metade. Desse modo, as pesquisas indicam que o plano conta com cerca de 70% de apoio. Mas, talvez a nova e pouco crível sensibilidade de Biden para com os pobres, esteja dialogando com uma mudança mais profunda na ideologia de amplos setores da população. As pesquisas indicam que diminuiu a base social para seguir aplicando medidas neoliberais: é massivo o apoio ao Medicare, ao perdão da dívida estudantil, ao fortalecimento educativo e à sindicalização. Inclusive, em um país polarizado, social e politicamente, à esquerda e à direita, as bases de apoio do Partido Republicano, com clara ideologia de direita e racista, compartilham aspirações no mesmo sentido: querem aumento de salários e cobertura universal de saúde.

Matt Bruenig na revista Jacobin, ainda que critique a instrumentação do mecanismo de estímulo para as crianças pobres através de créditos fiscais, interpretou a aprovação do pacote de estímulo como um primeiro passo para o reestabelecimento de algum tipo de estado de bem-estar, para convertê-lo em uma “máquina de luta contra a pobreza”. Para o desejo de alguns (como a revista Jacobin) e para o espanto de outros (liberais e conservadores), emerge uma confusão sobre o estado de bem-estar. Para tanto, a classe trabalhadora teria que recompor todas as conquistas arrebatadas durante o neoliberalismo. Não parece ser esse o plano de Biden, mas sim conter o poder de Wall Street e as grandes corporações, na perspectiva de resgatar ao capital de conjunto e por limites a tendências que possam avançar para uma luta de classes mais radical. As lutas pela sindicalização que se observam em distintos estados, ainda que sejam incipientes, dão conta do estado de ânimo na classe trabalhadora. Em sintonia com esse clima, a Câmara de Deputados votou uma versão lavada de uma lei contra as leis anti-sindicais. O novo presidente será “não-progressista” de acordo com o quê requeira o desenvolvimento da luta de classes. Para a classe trabalhadora não se trata de “melhorar” o plano Biden, mas sim o debate mais importante é se pode se desenvolver uma perspectiva própria, que a permita conquistar todas suas demandas, algo que se choca com os limites que estabelece o próprio sistema capitalista.

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Biden tem uma aposta mais profunda para impulsionar a economia: o plano de infraestrutura e de energias verdes. No entanto, não se sabe concretamente no quê irão consistir. Até agora foi considerado de difícil votação no Congresso, na medida em que Trump já tentou impulsionar um plano de infraestruturas e fracassou. Não obstante, o recente êxito de Biden na obtenção dos votos para o plano de estímulos, sem acordo bipartidarista, deixa o panorama em aberto. O enorme plano de estímulo de Biden empalma com uma política pré-existente de incentivos monetários da Reserva Federal (FED) que, além disso, mantém a taxa de juros próxima a zero: em termos reais (quer dizer, em relação à inflação) é quase nula, ou por vezes negativa. Na última reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, em sua sigla em inglês), o presidente da FED, Jerome Powell, afirmou que não esperam subir a taxa de juros até 2024. É que, ainda que o FOMC eleve as expectativas de crescimento em 2021 para 6,5% (outros 3,3% em 2022 e 2,2% em 2023), considera que a economia estadunidense se mantém no caminho do baixo crescimento: o potencial estimado em longo prazo é de um crescimento de apenas 1,8% anual. Esse dado é muito relevante, na medida em que sintetiza os limites que enfrenta a economia yanqui há algum tempo. Talvez o plano de Biden dialogue com algo mais que o mal-estar social devido a desigualdade. Dialoga com as necessidades do capital de buscar vias alternativas para tentar reanimar uma economia anêmica desde a crise de 2008.

Um novo “boom”?

O periódico britânico The Economist afirma que os Estados Unidos estão desenvolvendo um experimento sem paralelo desde a Segunda Guerra Mundial: combina estímulos fiscais em níveis históricos, uma atitude mais tolerante da FED frente à inflação e gigantescos volumes de poupanças reprimidas, ainda que não se saiba se no fim se voltarão ao consumo. Não obstante, adverte sobre os perigos de um reaquecimento da economia. Em particular, alerta sobre a inflação, que a FED estima em 2,4% para esse ano. Os alertas de incêndio pela inflação (que na realidade é muito baixa) nas mãos do The Economist parecem ter a funcionalidade de realizar uma campanha para inibir os incentivos fiscais. Em última instância, para que não se transforme na “nova normalidade” recorrente por dinheiro no bolso dos mais pobres. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que agrupa os países de maior riqueza, considera que as pressões inflacionárias ocasionadas pelos estímulos fiscais e monetários serão transitórias devido à grande capacidade ociosa disponível que a freada do Covid deixou. Quer dizer, a oferta poderia reagir de maneira adequada a uma demanda crescente. Em termos gerais é certo, mas uma maior demanda também requer importações a partir da China, um competidor estratégico do imperialismo yanqui, da onde os Estados Unidos abastece uma parte do consumo doméstico.

Segundo as últimas estimativas da OCDE, a economia mundial, depois de cair 3,4% em 2020, cresceria cerca de 5,6% em 2021. O prognóstico melhorou 1,4 pontos percentuais em comparação com sua projeção de dezembro. Obviamente, essas altas taxas de crescimento estão condicionadas pelo avanço da vacinação, que é extremamente crítico, os novos fechamentos em muitas regiões do planeta e o novo impacto das novas cepas do Covid. Os maiores crescimentos esperados são para a Índia, com 12,6%, China 7,8% e os Estados Unidos com 6,5%. Quando se observa o resultado de 2020 e o esperado para o ano corrente, no agregado do período de conjunto, os algarismos favorecem o gigante asiático, que conseguiu manter, ainda que com uma desaceleração profunda, o crescimento do ano passado (2,3%), enquanto a economia yanqui retrocedeu (-3,5%). Na atual conjuntura, a dinâmica estaria virando a favor da potência do ocidente: a OCDE estima que os planos de estímulos agregariam 3 pontos percentuais ao crescimento econômico estadunidense. Graças ao maior tamanho de sua economia, que supera a da China, os Estados Unidos será o país que tende a realizar a maior contribuição para o crescimento mundial em 2021. Trata-se de um fato que não se observa na economia mundial desde 2005. José Siaba Serrate indica que, na primeira parte do ano, o crescimento estadunidense poderia alcançar os dois dígitos e concluir o ano com registros mais elevados que os chineses. A potência em decadência voltará a ser a locomotiva da economia mundial? Dificilmente. O panorama imediato não apagou as contradições estruturais (altos déficits comerciais e fiscais; escasso investimento e avanço de produtividade) que se expressam no escasso crescimento potencial de 1,8% da economia estadunidense, como indica a FED. Mas, inclusive na conjuntura, indica Siaba Serrate, os “mercados” reagiram provocando uma alta nas taxa dos títulos. O economista se pergunta se se trata de uma primeira discrepância com o plano do Governo Biden. É muito provável. O capital financeiro buscará os mecanismos extorsivos adequados para tentar disciplinar o gasto e, talvez, aguar o impacto do plano de estímulos.

Não só isso. O ritmo de recuperação econômico mundial esperado não é equivalente a melhora nos indicadores sociais de desemprego, pobreza e desigualdade. Nem sequer será suficiente para recompor rapidamente o mercado de trabalho nos próprios Estados Unidos. No mundo, milhões perderam seus postos de trabalho, fecharam-se negócios e isso trouxe como consequência um crescimento enorme da pobreza: segundo o Banco Mundial, 250 milhões de pessoas ingressaram em condição de pobreza devido a pandemia. No polo social oposto aos que caíram em desgraça, a riqueza dos multimilionários aumentou 27,5%. O resultado é um incremento da desigualdade em um mundo capitalista que já era muito desigual antes da pandemia. Essa situação revela que as altas taxas de crescimento esperadas para o ano em curso na verdade não são de épocas normais, mas sim que terão lugar após a enorme retração econômica e social causada pelo efeito da Covid.

Crescimento desigual

A recuperação será totalmente desigual por regiões e países. Será mais dinâmica na Ásia Oriental e no Pacífico. O alto crescimento dos Estados Unidos daria impulso na zona TMEC (tratado entre México, Estados Unidos e Canadá). Para a zona do Euro, segundo The Economist, as pesquisas da indústria manufatureira são alentadoras, ainda quando se observam atrasos no plano de vacinação e na luta contra novas variantes. A zona do Euro, por sua vez, está aplicando muito menos estímulos do que os Estados Unidos. Existe, claro, desigualdades em seu interior: registram-se maiores níveis de gasto público pelo Covid na Alemanha e no Reino Unido. De conjunto, na zona do Euro o crescimento será moderado: está prognosticado pela OCDE cerca de 3,9%. Apenas em 2022 recuperaria o que foi perdido na pandemia.

Na América Latina o plano de estímulos estadunidense poderia ter um impacto indireto através do impulso do crescimento mundial, em particular pela via da expansão chinesa, pelo aumento dos preços das matérias-primas e pela baixa taxa de investimento que torna mais barato o endividamento. Ainda assim, esse ano a região cresceria apenas cerca de 3,7%, sem conseguir recuperar o perdido. É que a queda da economia em 2020 não registra antecedente histórico, foi a maior em 120 anos: a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) estimou em 7,7%, a mais alta retração de todas as regiões do planeta. A América Latina é a região mais afetada pela pandemia, na medida em que encontrou limites mais estreitos do que as potências para aplicar recursos fiscais. Desse modo, sofreu 30% das mortes e registrou 22 milhões de novos pobres. Por sua vez, existe um desmoronamento do investimento estrangeiro direto que precede a pandemia. O diretor do departamento ocidental do FMI, Alejandro Werner, afirmou que até 2023 a região não conseguirá recuperar os níveis econômicos de 2019. Para recuperar o investimento per capita o horizonte é mais distante: 2025. No imediato, o desastre sanitário no Brasil e suas possíveis ramificações da cepa de Manaus para outros países, aumenta a incerteza. A CEPAL fala faz tempo de uma “década perdida” para a região. A definição cobrou mais vigência com o impacto da Covid.

As contradições no longo prazo

A recuperação no curto prazo, graças aos estímulos e ao rebote da enorme queda de 2020, não significa que foram recompostas as condições da acumulação do capital. Pelo contrário. A Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) espera um crescimento de 4,7% para 2021, mais moderado que o estimado pela OCDE. Ainda que reconheça o impacto dos estímulos nos Estados Unidos, aponta vários problemas. A recuperação está longe de deixar para trás o crescimento econômico anêmico existente antes da pandemia, que exibia taxas menores do que 3%. Em 2021, segunda a UNCTAD, a economia global estará USD 10 trilhões abaixo do nível que teria caso se mantivesse a tendência pré-pandemia. Entre 2020 e 2021, a perda de renda real em relação com a tendência antes da Covid se localiza entre cerca de 6,2% para a República da Coréia e 27,7% para a Índia. Na parcela média, entre outros países, figuram a China (-7,3%), o Japão (-10,2%) e o próprio Estados Unidos (-10,2%). Na América Latina, o Brasil perdeu 9,8%, a Argentina 13,9% e o México 17,5%. Na média mundial, a perda é de 12,3%.

Por sua parte, o FMI estima que em fins de 2022 o PIB per capita estará 13% abaixo das projeções prévias à crise nas economias avançadas e será 22% menor nas economias denominadas emergentes ou em desenvolvimento (em geral se trata de países dependentes, atrasados, semi coloniais, em termos marxistas). A eventual recuperação imediata graças aos incentivos fiscais e monetários deixou sem resposta uma questão central para que o mundo capitalista experimente um crescimento com bases sólidas no longo prazo: quais serão os motores na empresa privada para sustentar esse crescimento?

Se bem que há debates sobre os níveis de taxa de lucro, o economista marxista Michael Roberts afirma que “No ano da pandemia, a rentabilidade do capital nas principais economias alcançou um mínimo histórico”. O lucro é a seiva que move o capital e os investimentos. A greve de investimentos produtivos precede a Covid: tem expressão na expansão sem limites da especulação financeira. Um indicador dessa situação é o estancamento da produtividade. O economista assinala que a tendência de crescimento mundial diminuiu com o impacto da Covid em relação a dinâmica prévia, que já era lamentável se comparada com a registrada antes da crise de 2008. De tal modo, conclui o economista, “a recuperação econômica não terá forma de V, nem será rápida, mas sim uma forma de ’raiz quadrada inversa’ quando o PIB real, o investimento e o crescimento do emprego permaneçam abaixo das taxas anteriores de forma indefinida, o que sugere outro ramo na longa depressão que se produziu depois de 2009”.

Roberts indica que a forma sustentável de incrementar a rentabilidade é reduzir o tamanho da força de trabalho, demitir trabalhadores “improdutivos” e gerar as condições para aumentar os lucros mediante o investimento em novas tecnologias. Ainda que as grandes empresas tecnológicas (Amazon, Alibaba, Alphabet, Facebook e Netflix) se preparam para substituir mão-de-obra por tecnologia sem se importar com o custo social, a implementação dessas iniciativas não é o que prima em nível geral. As medidas de estímulo sustentam a flutuação de empresas que deveriam encarar o caminho de reestruturação ou perecer. Os empréstimos baratos, por sua vez, sustentam com respiração artificial empresas pequenas e débeis. Ou as chamadas empresas zumbis que sobrevivem para pagar os salários e os juros de suas dívidas, mas não ampliam investimentos e nem empregos. Desse modo, a dívida corporativa se localiza perto de um máximo histórico em todas as principais economias capitalistas. O economista cita um estudo que faz uma lapidação e uma definição sobre o excesso de dívidas empresariais: “é uma força macroeconômica importante que tem efeitos negativos apreciáveis na frequência do ciclo econômico”.

Manter os mercados financeiros “narcotizados” com os estímulos monetários exacerbou um dos principais problemas da economia mundial, ao menos desde que desatou a crise de 2008: o megaendividamento. Esses problemas se agudizaram com os planos de estímulos. Existe uma montanha de dívidas em escala mundial que afeta aos âmbitos econômicos centrais: não são só as corporações, mas também as famílias e os estados os que estão sobrendividados. Pode a economia capitalista parar sobre seus próprios pés por fora dos incentivos fiscais e monetários? Dificilmente. Mas sustentar os incentivos está elevando as contradições acumuladas a níveis inimagináveis.


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