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FRANÇA-EGITO | A ditadura egípcia: os árabes preferidos de Hollande e Marine Le Pen

Há um aspecto da política exterior da França que o presidente e sua principal opositora de extrema-direita compartilham: o apoio ao golpe contrarrevolucionário dos generais no Egito que encerrou a primeira etapa da revolução nesse país.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

quarta-feira 3 de junho de 2015 | 00:00

No final de novembro, o presidente egípcio Abdel Fattahal-Sissi foi recebido no Palácio do Eliseu pelo presidente francês. Esta era a primeira viagem europeia do ditador egípcio em busca de legitimidade internacional. Tão importante foi essa recepção para a ditadura egípcia que a retribuição ao anfitrião francês veio rapidamente.

Em fevereiro deste ano o Egito contratou a compra de 24 caças Rafale por um valor de US$ 5 bilhões de euros. Foi a primeira vez que a França exportou este avião de guerra, pois até agora só era utilizado pela aviação francesa, destravando várias possibilidades truncadas de venda do Rafale (Marrocos, Suíça, Brasil) que o convertiam num trauma nacional dos diversos governos. Este contrato de exportação dos aviões produzidos pela DassaultAviation (60%), Thales (22%) e Snecma (18%) abriu as portas a outros contratos, sendo a diplomacia do Rafale uma das grandes conquistas da política externa do governo “socialista” Hollande.

Agora é Marine Le Pen quem visita o Cairo em suas viagens surpresa em busca de status de candidata a presidente nas eleições de 2017. Na quinta-feira, foi recebida pelo xeique Ahmed al-Tayeb, da mesquita Al-Azhar, prestigiosa instituição islâmica sunita.

Esta viagem foi organizada por Aymeric Chauprade, o mesmo que se afastou do círculo da presidente da Frente Nacional depois de declarar que uma “quinta coluna” islâmica estava espreitando a França. Este tour significa o retorno às graças deste personagem próximo a personalidades reacionárias do mundo inteiro, de Putin à extrema-direita austríaca.

O entorno “marinista” mostra-se contente de ter encontrado um “país árabe anti-islamita”. A própria Marine Le Pen saudou no domingo o combate contra o fundamentalismo do presidente egípcio. Na coletiva de imprensa de encerramento da visita de quatro dias, disse: “O presidente Al-Sissi é um dos líderes que traz a mensagem mais clara contra o fundamentalismo”, e “nossa escolha na Frente Nacional é nítida, apoiar os países que lutam contra o fundamentalismo, em primeiro lugar, obviamente, o Egito e os Emirados Árabes Unidos”. Também disse que a ideologia da Irmandade Muçulmana se vinculava à dos jihadistas do Estado Islâmico (EI). “É indiscutível que a matriz da ideologia política do projeto Estado Islâmico está formada pela Irmandade Muçulmana”, argumentou Marine Le Pen em referência ao partido do ex-presidente Morsi destituído pelos militares – corrente moderada existente há anos no Egito.

Porém, contra a visão interessada de Hollande e Le Pen, o que explica que se tenha reforçado projetos ultrarreacionários como o EIé a derrota da primeira fase da revolução que derrubou o ditador Mubarak mediante um golpe militar dirigido por outro militar – Al-Sissi.

Dos vários levantes da primavera árabe, o Egito foi o processo mais avançado, com a classe operária desempenhando um papel importante. Mas esta primeira fase da revolução, por falta de direção e maturidade subjetiva da classe operária, se chocou com um limite intransponível ao não liquidar o exército, sustentáculo fundamental do regime e do Estado. Este, depois de um momento de defensiva no qual teve que aceitar um desvio “democrático” liderado pela Irmandade Muçulmana, aproveitou o descontentamento com este novo governo para utilizar novas mobilizações de massas em favor de um golpe contrarrevolucionário em julho de 2013.

Desde então, o novo regime lançou uma repressão brutal, principalmente contra a Irmandade Muçulmana, mas também contra organizações de vanguarda protagonistas do levante da Praça Tahir, ao mesmo tempo em que absolvia Mubarak e outros responsáveis da repressão do levante de 2011. Segundo organismos de direitos humanos, desde a queda de Morsi existem mais de 16 mil presos políticos e centenas de condenados a morte por julgamentos sumários. Recentemente, o próprio Morsi foi condenado à pena de morte. Esta ditadura plebiscitada está a serviço de restaurar a política neoliberal e garantir um clima “saudável” para os negócios e para atrair investimentos estrangeiros.

Como já ocorreu no passado, o enfraquecimento da Irmandade Muçulmana como mecanismo de contenção islâmica moderada está dando lugar ao surgimento de grupos armados radicalizados, com um discurso religioso extremo utilizando o terrorismo como seu método de ação. Antes, nas prisões de Anwar Al Sadat (general egípcio anterior a Mubarak que assinou o acordo de Camp David, sendo o primeiro país árabe a reconhecer o estado sionista de Israel), foram formados os atuais quadros da Al Qaeda.

A política imperialista de apoiar os velhos e novos ditadores que afogam em sangue os profundos anseios democráticos das massas é quem fomenta o islamismo radical. Por sua vez, esta política imperialista tem consequências não apenas no mundo muçulmano, mas também explica a radicalização de setores da comunidade árabe no ocidente, o que já se manifestou nos atentados em Paris.




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