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CHINA | A desaceleração chinesa como o “novo normal”

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

domingo 22 de março de 2015 | Edição do dia

"As dificuldades pelas quais estamos passando esse ano podem ser maiores que as do ano passado,” disse Li, diante de 3000 deputados na Assembléia Nacional do Popular da China, acrescentando que “nosso desenvolvimento está ainda em um período de importantes oportunidades estratégicas [...] o desenvolvimento da China entrou em uma nova normalidade, o que significa que devemos adotar uma nova atitude: este será um ano crucial para aprofundar as reformas”.

A “nova normalidade”, segundo o ministro, evidencia os novos níveis de prosperidade alcançados pela China, que estaria pronta para deixar de lado um modelo econômico baseado em custos trabalhistas enormemente baixos. Estaria ligada, para o governo chinês, a um tipo de crescimento próximo a padrões mais “ocidentais”, ou seja, longe das taxas de crescimento de dois dígitos que marcaram as últimas três décadas desde o final dos anos 70.

É inegável que esta redução do objetivo de crescimento se inscreve no lento giro da China para um modelo que busca primar pelo mercado interno e pela inovação em detrimento do esquema de exportações de manufaturas baratas. Os anúncios incluem não só outorgar maior importância ao consumo interno, mas também à intenção de privilegiar o setor de serviços (que na China representa apenas 48,2% do PIB, comparado a 80% do PIB nos Estados Unidos) e o aumento do orçamento militar em 10% (o Exército Popular de Libertação receberá 130 bilhões de euros).

O programa de reformas teria como uma de suas prioridades a reestruturação do gigantesco setor das empresas públicas em favor da entrada de capital privado. Isso está diretamente relacionado a que a China, apesar de ter superado os EUA em IED para fora (basta ver os acordos com a América Latina e Central), não tem monopólios de tipo "ocidental", grandes trustes privados que quer ter agora, como objetivo estratégico. Isto provocará rupturas com setores da burocracia e perseguição de militares, que comandam estas empresas públicas (como a campanha anticorrupção que afetou mais de 80.000 funcionários do PC chinês).

Entretanto, se por um lado a China se orienta a alterar gradualmente seu tipo de estado (o que não poderá vir sem graves convulsões internas e internacionais), o freio econômico não é fruto apenas das ambições estatais em Pequim e tem conseqüências mundiais.

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A “nova normalidade” chinesa também leva em conta um cenário global que arrasta as conseqüências da crise econômica mundial.

Analistas econômicos apontam como praticamente todos os dados da economia chinesa estão em queda. Segundo o Financial Times, a produção industrial chinesa atingiu o nível mais baixo desde a queda do Lehman Brothers em 2008, registrando alta de apenas 6,8% nos dois primeiros meses do ano comparado com 2014. As vendas varejistas, um dos principais índices do nível de êxito na conversão de uma economia baseada no consumo interno, teve queda de 2% frente a 2014 (queda de 1,2% no consumo).

Depois de uma década de construção frenética de casas e edifícios em todo o país para abrigar o afluxo de camponeses para as grandes capitais fabris, o setor de bens imóveis também ressentiu-se. A compra de casas caiu 16,3% nos primeiros dois meses de 2015, sendo parte das reivindicações de greves operárias, como a de 5000 trabalhadores da fábrica de sapatos Xing Ang atualmente paralisados em Dongguan, o auxílio governamental no pagamento dos altos aluguéis.

A isto se soma o grande montante da dívida da China, que atingiu 282% do PIB e é maior que dívida da Alemanha ou dos Estados Unidos.

Forçado ou não, pela crise econômica mundial, a abandonar um modelo exportador baseado em investimentos do governo nas gigantes estatais, é fato que o enfraquecimento na demanda chinesa – que é uma das principais causas da queda dos preços das matérias-primas e da desaceleração dos mercados “emergentes” – torna-se uma tendência mais sólida em perspectiva. Isto é um problema não apenas para os países que dependem da exportação de commodities para a China (como o Brasil que viu suas exportações caírem 12% desde 2011 através da queda da venda de mineral de ferro ao gigante asiático), mas pode acentuar o abismo entre a economia norteamericana, que se recupera lentamente, com o restante da agonizante economia mundial, com a Europa em recessão e o Japão estancado.

Estes dados não significam que a China irá experimentar uma crise financeira incontrolável, mas o certo é que o motor central da economia mundial desde 2010 se debilitará qualitativamente. À medida que a economia chinesa estabilize taxas de crescimento menores, muitos planos de investimento serão reconsiderados, o que, para uma economia que depende tanto da entrada de capital estrangeiro, pode ser mais grave do que o esperado, gerando choques com a nova geração de trabalhadores chineses, muito mais abertos à resistência e à insubordinação.

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Isto leva vários periódicos a destacarem, como o The Economist e o colunista Martin Wolf do Financial Times, a “estranha oportunidade da Índia de converter-se na economia mais dinâmica do mundo”, diante da perda de vantagem da China para o capital internacional (para 2016, o FMI previu um crescimento maior para Índia do que para a China, pela primeira vez desde os anos 90), para o qual exigem múltiplas reformas ao governo indiano, como a liberalização das leis trabalhistas e a maior facilidade de obter terras para implementar planos de infraestrutura.

Entretanto, mesmo para os cálculos do imperialismo, que valoriza os distintos países segundo o critério da previsão de lucros pela superexploração dos trabalhadores, não basta analisar o tamanho da paupérrima população indiana abaixo dos 25 anos de idade apta a ser explorada.

A China absorveu décadas de investimentos infraestruturais que possibilitaram a extração de enormes quantias de mais-valia absoluta de uma classe trabalhadora semi-escravizada, e foi base da recuperação de fôlego do capitalismo nos últimos 30 anos, oxigenando sua ofensiva neoliberal nos 90. É difícil visualizar um país (ou conjunto de países) que poderiam cumprir o papel da China neste quesito.

Além do mais, como dissemos, a crise econômica mundial em curso debilita as chances de “giros pacíficos” para novos nichos de exploração.

A própria China enfrentará grandes problemas internos: a desaceleração chinesa e o aumento dos custos de vida fizeram com que o número de greves dobrasse, de 656 em 2013 para 1378 em 2014, como a monstruosa greve de 40.000 operários nas fábricas de calçados da Yue Yuen, revelando uma nova geração operária que faz suas primeiras experiências de luta.

Em meio às turbulências geopolíticas internacionais, como a guerra na Ucrânia que desafia a estabilidade das relações entre a Rússia e a Alemanha na Europa, a crise do euro e o atoladeiro do governo Obama no Oriente Médio novamente contra o Estado Islâmico, não haverá soluções fáceis (sem luta de classes) para resolver o problema da “nova normalidade” na desaceleração chinesa.




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