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INTERNACIONAL | ANÁLISE | A crise na Turquia que arrasta a economia argentina

O tormento econômico que assola a Turquia vem se gestando desde tempos atrás, e tem entre suas causa a maior vulnerabilidade desse país emergente ao vai-e-vem internacional, desde a valorização do dólar até as altas das taxas de juros nos Estados Unidos.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quarta-feira 15 de agosto de 2018 | Edição do dia

O colapso da lira turca (moeda oficial da Turquia) deu um salto na sexta-feira 10 de agosto, em comparação as quedas dos últimos meses. E ainda não tocou no fundo. Na segunda-feira 13 seguiu em queda e arrastou junto também a baixa aos mercados europeus, pelo famoso temor do efeito cascata a qual são tão sensíveis os mercados.

Muitos analistas alertam que essa crise tem potencial de ser uma mancha venenosa que poderia se estender para a economia internacional, que a pesar da recuperação exibe os sinais preocupantes que levaram ao estouro da crise de 2008.

Mas a crise turca tem um lado puramente geopolítico. Por que quem deu o empurrão para a lira turca costa abaixo foi ninguém menos do que o presidente norte-americano, Donald Trump, que decidiu castigar a Turquia com um aumento nas tarifas sobre o aço e o alumínio.

Erdogan parece sofrer uma importante desorientação sobre a política exterior dos Estados Unidos sob a presidência de Trump. O presidente turco decidiu tomar o caminho da confrontação diplomática com Washington em um momento pouco oportuno, por que quem ocupa a Casa Branca, mudou a lógica da diplomacia norte-americana. Já não aplica a “moderação” e o “multilateralismo” que foi adotado por Barack Obama, para remontar o fracasso estrondoso do unilateralismo e as “guerras preventivas de George W. Bush, das quais ainda ficou a pesada herança da ocupação no Afeganistão, e remontar a decadência do poderio imperial norte-americano.

Essa mudança do “multilateralismo” para o “América First” é o que estão entendendo na base de golpes aqueles que haviam se acostumado com uma liderança dos EUA que pretendia ser “hegemônico” e que priorizava a estabilidade como condição em primeiro lugar para a própria prosperidade, mas que também se espalha pelos outros países. A batida da cúpula do G7, o desprezo aos parceiros europeus da OTAN, as guerras comerciais não só com rivais, mas também contra parceiros tradicionais. Como resultado as relações com Alemanha e a União Europeia estão em seu ponto mais baixo. Isso inclui também a Grã Bretanha, um parceiro privilegiado que tem atuado historicamente como cavalo de Tróia norte-americano na União Europeia.

Trump ostenta frente aos jornais pouco diplomáticos com essa sua política agressiva. E tem outros pregadores da sua mensagem, como seu ex-assessor Steven Bannon, que assumiu o papel de organizador do populismo internacional de extrema-direita, nacionalistas e xenófobos. Foi um detalhe colorido que enquanto Trump atacava seus aliados da OTAN, Bannon reunia em um hotel em Londres dirigentes dessas variantes eurocéticas. E não esconde suas simpatias pelo proto fascista Jair Bolsonaro que é o candidato com mais intenções de voto depois de Lula, no Brasil.

Erdogan por agora elegeu o caminho do desafio, esperando que a importância geopolítica da Turquia como a dobradiça entre a Europa e a Ásia, e que além disso é membro da OTAN desde 1952, faça com que Trump afrouxe a corda que está estrangulando os turcos.

O conflito diplomático emergente é a negativa de Erdogan de liberar Andrew Brunson, um pastor norte-americano que está preso na Turquia desde 2016 acusado de suposto terrorismo. Segundo alguns jornais, a intenção de Erdogan era trocar Brunson por Hakan Atilla, um banqueiro preso nos EUA acusado de haver criado um esquema financeiro para burlar as sanções norte-americanas contra o Iran.

Em uma ação durante o final de semana, Erdogan acusou Trump de trocar um aliado estratégico por um pastor. E desde as páginas do The New York Times recordou outros enfrentamentos, como a falta de cooperação de Washington para entregar Fethullah Gullen, o clérigo muçulmano acusado por Ankara de ser o precursor de uma tentativa falida de golpe contra Erdogan em 2016. E também a aliança tática dos EUA (que se iniciou no governo Obama e seguiu com Trump) com as milícias radicais curdas na Síria, contra as quais a Turquia lançou sua própria guerra.

Erdogan usou um tom de advertência: se Washington optava por manter uma “relação assimétrica” a Turquia buscaria novos aliados e amigos, leia-se China e Rússia. De fato, frente a uma crise diplomática perigosa com Moscou por um incidente na guerra civil na Síria, Erdogan e Putin recompuseram suas relações. E para a indignação dos Estados Unidos e Bruxelas, a Turquia acaba de comprar para a Rússia um lote significativo de mísseis e outras armas defensivas.

Mas nem a Rússia nem a China, menos ainda o Qatar que também conta entre possíveis aliados alternativos, parecem ter a intenção de substituir o FMI.

As opções de Erdogan parecem limitadas. No plano interno, sua retórica nacionalista é completamente reacionária. O presidente turco encabeça um regime bonapartista e autoritário, baseado no retorno de um islamismo moderado, que se segura em base à medidas neoliberais e uma intensificação de políticas contra a minoria curda.

Logo depois da tentativa de golpe em 2016 essa perseguição se agudizou e as prisões se povoaram com dezenas de milhares de presos políticos, entre eles intelectuais, jornalistas, sindicalistas e dirigentes políticos opositores, em particular do Partido Democrático dos Povos, que tomou a causa nacional curda junto a outras reivindicações democráticas, e é acusado de terrorismo.

É verdade que a Turquia tem uma gravitação própria não só na política no Oriente Médio. Tem bases da OTAN. E é um parceiro estratégico dos EUA que tem fronteiras terrestres com Síria e¬ Irã e compartilha costas do Mar Negro com a Rússia. Além disso, Erdogan transformou a Turquia em um muro de contenção das ondas de imigrantes desesperados que tentam chegar na União Europeia.

Mas nem o potencial de contagio que tem a crise turca, nem o papel militar do regime de Erdogan parecem ser garantias suficientes para que seja eximido do exercício do imperialismo agressivo de Trump, para quem não existe nada intangível, a não ser os interesses norte-americanos.

Tradução: Rafael Barros




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