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A criação artística no socialismo

Afonso Machado

A criação artística no socialismo

Afonso Machado

“Se, para o desenvolvimento das forças produtivas materiais, cabe à revolução erigir um regime socialista de plano centralizado, para a criação intelectual ela deve, já desde o começo, estabelecer e assegurar um regime anarquista de liberdade individual“

Ao afirmar que liberdade e socialismo são incompatíveis, os lacaios da burra burguesia brasileira asseguram o desencontro entre arte e revolução. Para que possamos corrigir o parecer equivocado de muitas “lideranças de esquerda“ do século passado sobre a criação artística, é de grande importância mostrar à juventude e aos trabalhadores que não apenas arte e socialismo são compatíveis, como ambos desaguam na necessidade histórica de libertação/elevação do humano .Não é nada fácil desfazer o cerco ideológico da mídia burguesa... Esta joga pesado com as ilusões do liberalismo na cultura e associa fatalmente o marxismo com uma coleira colocada nos artistas.

Os erros históricos envolvendo a política cultural nos Estados operários deformados, legam sem sombra de dúvida munição ideológica para que professores, jornalistas e artistas ninados pelo capital façam o apressado diagnóstico de que a arte no ”regime socialista“ tende a ser aviltada, conformando-se à triste condição de propaganda. O recente processo político para a retomada das relações diplomáticas entre os EUA e Cuba, levou alguns artistas, escritores e profissionais capitalistas do mundo da arte a comemorarem a possibilidade do galo liberal cantar mais alto no terreiro do castrismo. Situação semelhante encontra-se décadas atrás nas populações do leste europeu, quando estas encantadas com a proibida “cultura livre“ do capitalismo, deram uma salva de palmas para a queda do muro de Berlim em 1989, e um pouco mais tarde para o fim da União Soviética em 1991. Deitando e rolando os meios de comunicação conduzidos por capitalistas, tornam-se enfáticos na afirmação de que somente no capitalismo o artista possui liberdade para criar.

Para superarmos os juízos viciados da grande imprensa, seria importante fazermos duas perguntas elementares: até que ponto as atividades artísticas, realizadas nos países do chamado “segundo mundo“ dos tempos da guerra fria, podem ser consideradas revolucionárias? O que diferencia a liberdade concreta em arte do discurso liberal? A missão da crítica marxista dos nossos dias está em demonstrar que a centralização da economia no regime socialista não entra em choque com a liberdade no terreno da cultura. Este ponto não é mera variação dentro da política cultural de esquerda, mas parte vital de um programa revolucionário que se diferencia radicalmente dos equívocos que associam-se diretamente ou indiretamente ao stalinismo.

Na memória dos debates estéticos da esquerda, o Manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente redigido por André Breton e Leon Trotski na Cidade do México em 1938, possui enorme relevância teórica em vários pontos. Apesar de algumas de suas passagens estarem inevitavelmente datadas pela conjuntura histórica pré Segunda guerra mundial(1939-45), este documento mantém invicta sua atualidade artística revolucionária. Dentre as passagens que são um contraponto aos juízos liberais que associam a cultura no socialismo com amordaçamento, encontramos esta: (...) “Se, para o desenvolvimento das forças produtivas materiais, cabe à revolução erigir um regime socialista de plano centralizado, para a criação intelectual ela deve, já desde o começo, estabelecer e assegurar um regime anarquista de liberdade individual“(...). Ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas no socialismo não possui relações com coação externa na atividade intelectual/artística, sendo que a arte só pode ser revolucionária se esta for independente do centro de poder político.

Criar artisticamente pressupõe a resolução de formas de acordo com as necessidades e inquietações do artista e não com o cumprimento de comandos externos. O fato do capitalismo bloquear a realização/plenitude humana através do trabalho alienado, faz com que a arte, uma atividade criadora, seja uma força rebelde que se opõe ao sistema estabelecido. Portanto, se a independência revolucionária da arte é inexistente em regimes políticos comandados por burocracias (que distantes da base operária reprimem a vida política e cultural), ao mesmo tempo a arte não pode se desenvolver historicamente fora do horizonte da revolução.

A falácia liberal embasada na ideia de que o artista é livre no capitalismo, é facilmente denunciada pela análise marxista. Sendo a arte produção, a classe dominante procura esgotar as questões estéticas unicamente no gosto, ocultando o fato da obra de arte ser uma mercadoria enraizada no poder dos economicamente mais fortes. Portanto a falsa liberdade da arte no capitalismo está no fato da criação artística encontrar-se subordinada à empresas particulares detentoras dos meios de produção. Quer dizer, o capital é o guardião do gosto artístico dominante, estando os artistas rebeldes “livres“ para inclusive morrer de fome. Se a política cultural dos Estados operários deformados caía de pau no artista que não tocasse de acordo com a flauta da burocracia, no capitalismo o poder econômico marginaliza os artistas revolucionários.

A saída histórica para a arte não está nela em si mas na destruição das relações capitalistas de produção. O socialismo não pode ser entendido enquanto novo senhor da arte em substituição ao capital. A Revolução socialista nada mais é do que o pressuposto histórico para uma cultura libertária, na qual as experiências estéticas ajudam a construir uma nova humanidade.

Texto originalmente publicado em 13 de outubro de 2015


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