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MASSACRE NO AMAZONAS | A barbárie nos presídios: facções, tráfico e o papel do Estado

As chocantes cenas de corpos decapitados, corredores de prisão ensanguentados voltam a circular na mídia. O governo do Amazonas confirma 62 mortos em dois presídios, 58 no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e ainda outros quatro mortos no presídio de Puraquequara. As cenas remetem diretamente ao maior massacre da história do sistema prisional brasileiro, o Carandiru em São Paulo. Desta vez a mídia e o governo tentam colocar a culpa nas facções e não em sua própria ação. Mas seria assim?

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

terça-feira 3 de janeiro de 2017 | Edição do dia

Foto: Isis Capistrano

Relatos de juízes e advogados que trabalhavam na negociação dão conta da barbárie. A cena remete imediatamente ao Carandiru. Naquela ocasião a PM de São Paulo massacrou mais de cem presos. Desta vez tentam explorar uma “maldade inerente” dos “bandidos”. Porém não podem deixar de mencionar a absurda super-população carcerária do país, as condições “medievais” como já disse um ministro do STF, e por mais que tentem ocultar, os laços do Estado brasileiro com essa barbárie são evidentes.

Consumado o massacre, agora o ministro da justiça Moraes diz que criará inteligência nos estados para “prevenir massacres” e que prevê que a mesma disputa nacional entre facções pode gerar conflitos similares em outros estados. Como se não fosse sabido que esse conflito se desenvolvia e já não tivesse desenrolado outros episódios sangrentos em Roraima, no Ceará e outros estados.

Mesmo apelando a uma “barbárie inerente” toda mídia não pode ocultar alguns fatos: o governo do Amazonas (do qual há suspeitas de ter relações com uma facção do tráfico, como noticiou até mesmo O Globo) só interveio e tentou negociar a rendição depois que os presos de uma facção haviam matado dezenas de outra.

Como todos sabem, todo sistema carcerário brasileiro está superlotado, superlotado de pobres e negros sem julgamento e acusados de participar do tráfico de drogas. Para sobrevivência em um ambiente onde a barbárie é incentivada, são comuns os relatos que um detento deva escolher uma facção já ao entrar. Sem isso os riscos são maiores.

No Amazonas a regra geral é levada a maior grau. Se em todo o país há uma superpopulação de 67%, ou seja, os presídios foram desenhados para 250.318 detentos, e existem 622.202 pessoas nessa condição, no estado ao norte do país a superlotação é de 159%.

Em todo o país se estima que 40% dos presos nunca foram julgados. Os casos onde há acusação de ligação com o tráfico são os mais frequentes de prisão sem julgamento. Basta a polícia acusar que algum pobre e negro esteja em posse de alguma quantidade de drogas e o cárcere medieval está garantido.

É muito cedo (e temerário) fazer especulações sobre o papel direto do governo do Amazonas no massacre, porém é sabido que existe um conflito entre facções buscando o controle da rota de escoamento internacional de drogas através do Solimões. Essa rota tem desbancado a rota paraguaia que é dominada por uma das facções em pugna.

Também é conhecido o papel ativo que as forças policiais e políticos tiveram na criação de facções em diversos estados do país (sendo particularmente conhecido o papel de incentivar a divisão e a guerra de facções no Rio de Janeiro a partir dos anos 80, criando nesse ínterim também as milícias).

Os objetivos em promover essa barbárie são variados: obter recursos ilegais, relações de “curral eleitoral” e uma preocupação mais estratégica ao criar conflitos sanguinários podem oferecer a repressão como solução à barbárie. Podem criar uma violência diária do Estado em sua “guerra às drogas” como resposta a conflitos criados primeiro pela não legalização das drogas e depois pelo incentivo à guerra de facções.

Se fossemos a Lava Jato poderíamos fazer afirmações baseadas em convicção, mas nesse terreno onde interesses políticos e os negócios se emaranham com o sanguinário as provas são algo escassas. Mas, mesmo assim, os laços do Estado com essa barbárie, seja no sistema prisional intrinsecamente racista, seja na proibição das drogas e até no incentivo às facções salta aos olhos. As facas e escopetas não precisaram ser empunhadas por nenhum PM do Amazonas para vermos novamente as mãos do Estado em mais um Carandiru.




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