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COTAS NA UNIVERSIDADE | A adesão ao ENEM e a luta por cotas raciais na USP

Odete AssisMestranda em Literatura Brasileira na UFMG

quarta-feira 5 de agosto de 2015 | 10:31

No dia 22 de junho, o Conselho Universitário da Universidade de São Paulo (CO) aprovou a adesão parcial ao ENEM e ao SISU como forma de ingresso. Em 2016, 13,5% das vagas da Universidade de São Paulo serão disputadas por meio do processo seletivo do ENEM, dessas, 225 vagas serão para alunos negros, o que representa apenas 2% do total de vagas da Universidade.

A aprovação de alunos por meio do SISU (Sistema de Seleção Unificada), que substituiu o vestibular nas universidades federais, será adotada agora na USP. Esse novo método de escolha dos alunos se deu sem qualquer discussão com os membros da comunidade universitária e muito menos com a população de fora da USP, os maiores interessados na mudança. Há anos se discute novas formas de ingresso na universidade, contudo nenhuma das discussões feitas, que vão desde as cotas raciais até o fim do vestibular, foram pautadas nessa votação.

Como já colocamos em outros artigos publicados nesse portal, a adesão ao Enem na USP acontece em apenas algumas unidades e o critério na escolha de vagas foi pré-definido pelas congregações de cada unidade antes de ser aprovada em votação no CO.

Após a decisão do Conselho Universitário em aderir parcialmente ao ENEM como método de avaliação para ingresso na USP, muitas opiniões diferentes apareceram. Se por um lado a utilização do ENEM em contraposição à temida FUVEST parece algo mais democrático no que diz respeito à popularização do ingresso na universidade, é preciso ir a fundo nessa questão e debater mais amplamente o significado disso.

Há anos o movimento estudantil, de funcionários e professores debatem formas alternativas de ingresso na USP para combater o elitismo estrutural no corpo discente. A cada greve que aparece a pauta de cotas raciais ganha destaque. Mas foi no semestre passado que, através da ocupação de salas de aulas promovida por alunos negros da universidade que compunham o grupo conhecido como Ocupação Preta, o debate sobre cotas e o racismo dentro da universidade surgiu como um dos temas centrais. Ou seja, diante de um cenário de um pulsante movimento em defesa da democratização do acesso à universidade, foi que a reitoria decidiu dar uma resposta. E a resposta foi justamente a adesão parcial ao SISU.

Mas a questão que resta, e que quase nenhum setor do movimento estudantil está discutindo, é: a adesão parcial ao ENEM é um progresso no sentido da democratização do acesso na USP ou não? Se formos aos dados, vamos ver que boa parte das unidades aderiram ao sistema de "ampla concorrência" do ENEM, fazendo com que os "melhores" do ENEM possam entrar em alguns cursos da USP (muitos cursos concorridos, como Medicina, os da ECA e Fau vão manter apenas a FUVEST). Os que aderiram às cotas sociais, não aderiram 100% de suas vagas, como a FFLCH que se limitou a apenas 20%. Se retirarmos a EACH da lista (que figura hoje como a unidade mais popular da USP), apenas 0,1% de todas as vagas da USP serão destinadas aos cotistas negros e indígenas.

Ou seja, a partir de 2016, se fizermos os cálculos, apenas 13% dos ingressantes na USP terão passado através do ENEM. Desses 13%, apenas 2% são destinados às cotas raciais, sendo uma larga maioria para a EACH. A questão que retorna é: com essas mudanças, o acesso a USP se torna mais democrático ou não? Um professor do Instituto de Relações Internacionais durante a reunião do CO chegou a dizer que esse novo modelo era xenófobo pois beneficiaria os estudantes do sul e sudeste, pois a média nacional do nordeste, centro-oeste e norte no ENEM são inferiores às do sul e sudeste. De certa forma, essa nova medida faz com que os "melhores" do ENEM passem na FUVEST ao passo que os "piores" da FUVEST sejam excluídos. De todo modo, a questão das cotas raciais é secundarizada novamente e os estudantes mais pobres continuam sendo excluídos pelo filtro que é o vestibular.

A verdade é que apenas saberemos a resposta real para essa pergunta no começo de 2016, quando forem feitas as novas matrículas. Mas se mudar alguma coisa com relação à ampliação social e racial do corpo discente, será muito pouco e o problema estrutural do elitismo vai se manter. É necessário compreender esse movimento da reitoria menos como um anseio real pelas demandas estudantis, do que como uma forma de dar uma concessão ao movimento e tentar frear qualquer processo mais radicalizado em defesa das cotas raciais (como se anunciou no semestre passado).

Por isso o debate deve se manter. A luta por cotas raciais é uma demanda extremamente necessária e deve estar diretamente ligada à luta pela defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade a serviço da classe trabalhadora. Deve ser uma luta conjunta entre os estudantes e os trabalhadores, que colocam esta universidade para funcionar e são em sua maioria negros que sofrem na pele todo dia o racismo velado, explícito e institucional, aliando-se a toda a população de fora da USP, que hoje são barrados de estudar na universidade devido filtro social chamado Fuvest.




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