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SEMANÁRIO

A OTAN e o expansionismo militar imperialista

Diego Lotito

Josefina L. Martínez

Tradução: Gabriel Ulbricht

A OTAN e o expansionismo militar imperialista

Diego Lotito

Josefina L. Martínez

A guerra na Ucrânia e o confronto com a Rússia marcam a próxima reunião de cúpula da OTAN.

Nos dias 29 e 30 de junho, a Cúpula da OTAN será realizada em Madri sob a égide de uma operação policial e de segurança de enormes proporções. Pedro Sánchez, presidente do “governo mais progressista da história” formado pela coligação PSOE-Podemos-PCE, vai presidir as deliberações. A guerra na Ucrânia e o confronto da OTAN com a Rússia marcam a agenda política no ápice onde será definido um novo “Conceito Estratégico” [1].

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é atualmente composta por trinta Estados, tendo a Finlândia e a Suécia como candidatos após terem anunciado nos últimos dias a intenção de aderirem à organização. Fundada em 1949 em Washington, reuniu uma dezena de estados em suas primeiras quatro décadas. Sua expansão mais importante ocorreu após a queda do Muro de Berlim e a reunificação alemã, atingindo as fronteiras da Rússia no final da década de 1990 [2].

Em seus 73 anos de existência, a história dessa organização político-militar, hegemonizada pelos Estados Unidos em aliança com o imperialismo europeu, não passou sem fortes tensões internas [3]. No entanto, após talvez o momento de maior deterioração interna durante a presidência de Donald Trump, a guerra na Ucrânia gerou uma inesperada revitalização da mesma. Vários Estados membros se comprometeram a aumentar seus orçamentos militares para os 2% do PIB exigidos pela organização (algo que, até agora, poucos, exceto os EUA, cumpriram). A escalada militarista e o rearmamento de todos os estados imperialistas em nome da “defesa da democracia” é a dinâmica que marcará a próxima reunião de cúpula.

Neste artigo, percorremos parte de sua história recente para argumentar com a ideia de que é “possível” que uma OTAN desempenhe um papel “democrático” ou “progressista” no plano internacional, ideologia que abunda na mídia ocidental. Mas não só. Também vimos em várias ocasiões, e mais agora diante da guerra na Ucrânia, que posição de “progressividade” ou de esquerda embelezam o papel desempenhado pela OTAN, como se fosse um campo progressista contra o regime reacionário de Putin.

A OTAN é uma máquina de guerra do imperialismo a serviço do expansionismo norte-americano e europeu. O maior confronto entre as potências, como mostra a guerra na Ucrânia, inscreve-se nas tendências do nosso tempo.

“Nem um só centímetro” [“Not one inch”]

Not one inch é o último livro da historiadora americana Mary Sarotte [4], professora da Universidade Johns Hopkins. A autora reconstrói a história recente da expansão da OTAN e, em particular, as crescentes tensões da Aliança Atlântica com a Rússia. Com base em documentos desclassificados, memórias de alguns dos protagonistas e entrevistas, Sarotte dá conta das principais decisões políticas (entre 1989 e 1999) que levaram a uma expansão dinâmica “sem limites” da OTAN para o leste. O livro foi publicado pouco antes da invasão russa da Ucrânia, por isso não aborda os acontecimentos deste ano. Mas muitas das coordenadas que ele levanta nos permitem analisar a guerra atual em grande parte como resultado de políticas que foram tomadas muito antes e além de seu território, em Washington, Berlim e Moscou.

A tese principal do livro de Sarotte é que naquela década foram tomadas decisões que, a cada passo, impediram retrocessos e “opções fechadas” na relação entre a OTAN e a Rússia. Por isso ela usa a metáfora da “catraca”, uma roda dentada de um lado, que só pode girar em uma direção. Ele sustenta que essa lingueta foi acionada em pelo menos três momentos. Entre 1989 e 1992, durante o processo de reunificação alemã; no meio do mandato de Bill Clinton com uma virada para a expansão da OTAN para incorporar os antigos países do Pacto de Varsóvia; e, finalmente, com a adesão dos Estados Bálticos, territórios que faziam parte da URSS.

A frase “Nem um centímetro” foi pronunciada por James Baker, Secretário de Estado do Presidente dos Estados Unidos, George Bush pai, em fevereiro de 1990. Seu destinatário era Mikhail Gorbachev, então Chefe de Estado da extinta URSS. A promessa de Baker de que a OTAN não se estenderia “um centímetro” para o leste teria sido feita no contexto das negociações para a reunificação da Alemanha. Para os Estados Unidos, era fundamental que isso acontecesse com a garantia de permanência na OTAN (algo que não estava garantido de antemão). Isso implicou que a URSS aceitasse a extensão da OTAN para além da “cortina de ferro” e abriu caminho para a dissolução do Pacto de Varsóvia, algo que acabaria acontecendo pouco depois, juntamente com a desintegração da URSS em 1991.

A autora documenta com várias fontes que Baker fez essa promessa a Gorbachev, mas que foi quase imediatamente rejeitada por Bush e sua equipe. “To hell with that” [“Para o inferno com isso!”] teria sido a resposta do presidente dos Estados Unidos. A autora também reconstrói um diálogo entre Bush e o chanceler alemão Helmut Kohl: “Nós ganhamos e eles não. Não podemos deixar que os soviéticos tirem uma vitória das garras da derrota”, teria dito o americano.

A resolução que foi dada à reunificação alemã (1989-1992) no seio da OTAN foi uma conquista qualitativa para os interesses dos EUA e da aliança atlântica na situação aberta após a queda do muro. Garantiu a continuidade das bases militares, tropas e armas nucleares dos EUA em território alemão e, em contrapartida, a retirada da URSS. Isso não é pouca coisa, pois estima-se que, em 1991, as tropas russas na Alemanha Oriental somavam um total de “338 mil militares, 207,4 mil familiares e civis, 4,1 mil tanques, 8 mil veículos blindados, 705 helicópteros, 615 aeronaves e milhares de peças de artilharia, todas distribuídas em 777 quartéis, 3.422 centros de treinamento e 47 aeroportos militares” [5].

A segunda grande virada para a expansão da OTAN ocorreu, segundo a autora, em meados do primeiro mandato de Bill Clinton. Após um breve intervalo de “lua-de-mel” nas relações russo-americanas com Yeltsin e Clinton como protagonistas, ocorre uma deterioração significativa destas. Até então, prevalecia a ideia de um caminho “intermediário” para a integração dos países do Leste Europeu, por meio da Parceria para a Paz, que permitiria a colaboração sem incluí-los plenamente na OTAN. Mas isso muda rapidamente. À medida que a capacidade de manobra geopolítica da Rússia é cada vez mais limitada, em meio a uma crise econômica sem precedentes que se seguiu à desintegração da URSS, a linha expansionista da OTAN avança.

A autora recupera algumas palavras significativas de Clinton nesse sentido. O presidente dos EUA se refere à necessidade urgente de créditos do FMI e de outras organizações internacionais pelos russos, que poderiam ser usados ​​como moeda: “A Rússia pode ser comprada”. Apesar do desconforto russo, a futura expansão da OTAN seria feita garantindo a “cobertura” do Artigo 5 para os Estados do Leste Europeu [6]. Com esse estatuto, a Polônia, a Hungria e a República Checa juntam-se à organização militar em 1999.

Nesse mesmo ano começa a tomar forma a terceira volta da catraca, com a decisão de que os próximos a aderir são as nações bálticas. Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia foram oficialmente convidados a aderir em 2002 e completaram o processo dois anos depois. A Albânia e a Croácia aderiram em 2009 e, finalmente, em 2017, foi aberto o caminho para a adesão da Bósnia e Herzegovina, Geórgia e Macedônia. A Ucrânia, a grande fronteira física com a Rússia, solicitou formalmente a adesão à OTAN em 2008 e reafirmou a sua intenção de aderir em 2014 após o Euromaidan.

Para Sarotte, essas decisões estratégicas dos EUA, Alemanha e OTAN aumentaram a hostilidade e o nacionalismo russos diante do que foi percebido como uma humilhação sem limites. Combinado com outras políticas tomadas em Moscou, houve um aumento nas tensões entre a Rússia e as potências ocidentais. O autor analisa o período desde as reformas pró-mercado de Gorbachev até a desintegração da URSS, a crise econômica e a proliferação das oligarquias mafiosas, a presidência de Yeltsin e seu posterior declínio (não apenas político, mas também físico), as duas guerras da Chechênia, como bem como o crescimento de tendências nacionalistas e bonapartistas que se consolidam com a chegada de Putin ao poder.

Em fevereiro de 1997, o diplomata americano George Kennan publicou um artigo no New York Times afirmando que a expansão da OTAN tinha sido “o erro mais fatal da política dos EUA em toda a era pós-Guerra Fria”. Sarotte retoma essa ideia no final de seu livro para sustentar a tese de que estava bloqueada a possibilidade de um caminho alternativo que poderia ter levado a melhores relações entre os Estados Unidos e a Rússia (maior “multilateralismo”). Sarotte defende a existência da OTAN e também sua expansão. É o que ela diz em uma entrevista recente, mas mantém a ilusão de que outra política por parte dos Estados Unidos teria evitado o que ele descreve como uma alienação russa da ordem internacional ocidental. E que teria até impedido Putin de ser o único a tomar as decisões. Ela considera que havia “um amplo leque de possibilidades” e que poderia ter sido alcançada uma “relação mais sustentável e menos violenta”. Sua análise se baseia, em última análise, na ilusão de que os Estados Unidos poderiam manter sua presença hegemônica no mundo enquanto moderavam seu intervencionismo militarista. Algum tipo de ordem geopolítica onde prevalecesse o “consenso” e não a força.

Esses tipos de posições são compartilhados por setores da intelectualidade socialdemocrata ou reformista europeia, que aspiram a uma ordem internacional mais multipolar e ainda maior independência político-militar da UE em relação aos Estados Unidos. No entanto, partem de uma total incompreensão do caráter imperialista das principais potências que compõem a OTAN, bem como da relação indissolúvel entre a dinâmica militar, política e econômica do capitalismo.

A OTAN, uma máquina imperialista de guerra e o expansionismo dos EUA

Em um discurso junto com o presidente da Finlândia e o primeiro-ministro sueco no dia 19 de maio, Biden apresentou a OTAN como uma aliança “defensiva”, que “nunca foi uma ameaça a ninguém” e só é acionada contra possíveis agressões. A associação da OTAN com a defesa da liberdade e da democracia é, sem dúvida, uma brilhante expressão do marketing político militar. O imperialismo norte-americano criou uma escola extraordinária neste campo.

Evidentemente, há uma função “defensiva” da OTAN, que é preservar os interesses do imperialismo norte-americano e, secundariamente, de seus aliados europeus. Seu surgimento, em 1949, baseou-se no enfrentamento ao avanço soviético por meio de um sistema de “defesa coletiva”, pelo qual os Estados membros do Tratado concordavam em defender qualquer um de seus membros caso fosse atacado por uma potência estrangeira. E isso ocorreu apesar do fato de que a chave da política da burocracia stalinista foi a “coexistência pacífica” com o imperialismo, depois de ter desempenhado um papel fundamental na derrota das revoluções do pós-guerra e colaborado com a recomposição do estado burguês nos países imperialistas como a Itália ou a França. Ainda em 1954, a União Soviética propôs a adesão à OTAN com o objetivo de manter a “paz na Europa”, mas os aliados rejeitaram a proposta. Isso, juntamente com a adesão da Alemanha Ocidental à OTAN em 9 de maio de 1955, teve como consequência imediata a criação do Pacto de Varsóvia, assinado em 14 de maio de 1955 pela União Soviética e seus aliados [7].

Com este quadro estratégico, a expansão da OTAN foi sustentada ao longo do tempo. Como explicamos antes, o salto qualitativo veio após a dissolução da URSS. Desde então, o avanço da OTAN foi esmagador. E ao mesmo tempo em que se estabeleceu um verdadeiro cerco à Rússia, a OTAN interveio em dezenas de conflitos militares, semeando morte e destruição com o objetivo de estender e sustentar os interesses do imperialismo norte-americano em diferentes regiões. Este tem sido e continua a ser o verdadeiro papel “ofensivo” da OTAN. As intervenções militares mais relevantes da OTAN foram a guerra no Kosovo em 1999, a invasão do Afeganistão em 2001 e a intervenção na Líbia em 2011.

No quadro da desintegração da ex-Iugoslávia e das sucessivas guerras de independência na região entre 1991 e 2001, teve lugar a primeira operação conjunta de ataque da OTAN na sua história, a incursão em 1995 na República da Bósnia-Herzegovina contra as forças da Sérvia. Mas foi em 1999, durante a guerra de Kosovo, que a OTAN mostrou seu poder: 600 aviões de 13 países bombardearam Kosovo, Sérvia e Montenegro, deixando entre 2,5 mil e 5,7 mil civis mortos, milhares de feridos e imensos danos materiais e ambientais, tendo em vista o uso de bombas de urânio. A justificativa para a intervenção da OTAN foi parar a limpeza étnica realizada pelas forças sérvias no Kosovo, que cometeram crimes hediondos contra a população civil. No entanto, seu objetivo não era defender o legítimo direito à autodeterminação dos albaneses kosovares, mas fundamentalmente instalar um governo pró-americano que expandisse os contornos da OTAN sobre a área de influência da Rússia nos Bálcãs.

Este tipo de conflito armado justificado por razões “humanitárias” tornou-se doutrina no estabelecimento do Partido Democrata Norte-Americano. É o que se chamou de “intervencionismo liberal”, inaugurado por Bill Clinton. E a incursão da OTAN no Kosovo foi talvez o exemplo mais paradigmático. Como afirma Claudia Cinatti, “os Estados Unidos não tinham interesses nacionais, mas tinham dois objetivos geopolíticos: o primeiro, mostrar-se como a “nação indispensável” diante da impotência dos aliados europeus para conter o desmembramento dos países balcânicos. A segunda, e talvez mais importante, é estender a OTAN às fronteiras da Rússia como parte de uma política de hostilidade aberta” [8].

A única vez até agora que um país membro da OTAN invocou o artigo 5 do tratado alegando ajuda em sua defesa foi os Estados Unidos em 2001, após o ataque às Torres Gêmeas. Como parte do início da chamada “Guerra ao Terror” nascida das potências neoconservadoras, os Estados Unidos alistaram todos os membros da OTAN na invasão do Afeganistão por meio da operação “Liberdade Duradoura”.

A justificativa para a invasão foi a busca e captura de Osama Bin Laden. Essa foi a desculpa perfeita para uma operação imperialista cujo objetivo não era outro que tentar contornar o declínio do imperialismo norte-americano, cuja vulnerabilidade havia sido exposta aos olhos do mundo, através de uma estratégia baseada em seu poder militar e da OTAN.

A operação teve grande legitimidade no início e forte apoio na população gerada pela aberração dos ataques. Mas após a queda do Talibã em outubro de 2001, a extensão da ocupação do Afeganistão por anos para implantar uma política de “construção da nação” e a generalização da “guerra preventiva” como método, isso mudou. A guerra do Iraque em 2003 foi a continuação dessa política intervencionista. E contou com o apoio de alguns aliados incondicionais como o Reino Unido e o Estado espanhol [9]. A justificativa de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa acabou sendo, como todos sabiam, verdadeiras notícias falsas. Importantes movimentos contra a guerra se desenvolveram em países como Alemanha, França, Estado espanhol, Itália e Estados Unidos.

Após duas décadas de ocupação, centenas de milhares de mortos e território devastado, a guerra no Afeganistão culminou com uma humilhante retirada das tropas da OTAN e o estabelecimento de um governo Talibã, enquanto um governo aliado do Irã foi instalado no Iraque. Um resultado inesperado para a estratégia neoconservadora de “redesenhar o mapa do Oriente Médio”.

Por último, a intervenção da OTAN na Líbia decorreu no quadro das insurreições e processos revolucionários abertos no Médio Oriente e Norte de África, popularmente conhecidos como “Primavera Árabe”. Sob a égide da ONU, cujo Conselho de Segurança deu luz verde a um ataque aéreo militar em território líbio para “proteger civis”, a OTAN bombardeou e interveio militarmente na Líbia durante cinco meses. O verdadeiro objetivo da intervenção militar não era a “ajuda humanitária”, mas sim abortar o desenvolvimento do levante popular armado e impedir que a queda de Kadafi levasse ao surgimento de um regime que questionasse os interesses e negócios do imperialismo norte-americano e Europeu. Especialmente da França, do Reino Unido e da Itália, cujas petrolíferas tinham fortes interesses ali comprometidos. A intervenção imperialista resultou em uma onda de destruição, morte e milhões de pessoas deslocadas [10].

Progressismo imperialista?

No final de 2019, o presidente francês Emmanuel Macron afirmou que a política de Trump estava causando a “morte cerebral” da OTAN, sugerindo que era hora de a Europa repensar seu projeto geopolítico e sua própria estratégia de defesa. Ao mesmo tempo, muitos analistas referiam-se à “desorientação estratégica” da OTAN. Embora os estrategistas norte-americanos estivessem se concentrando nos desafios estratégicos colocados pelo surgimento da China, o futuro que a aliança atlântica teria não estava claro.

É claro que a abordagem de Macron naquela época não tinha um pingo de esquerdismo. Seu questionamento da OTAN, em uma espécie de gaulismo ultra degradado, pretendia somente zelar pelos interesses do imperialismo francês e europeu – até mesmo ter seu próprio jogo nas relações com a Rússia ou a China. E o imperialismo francês não tem nada a invejar ao norte-americano quando se trata de uma história de brutais intervenções colonialistas, crimes racistas e pilhagem de povos.

A invasão russa da Ucrânia revitalizou a OTAN, projetando a hegemonia dos EUA sobre a Europa. No entanto, se esta guerra continuar ao longo do tempo, como a Casa Branca parece querer, as fissuras vão ressurgir. Com uma guerra a decorrer em solo europeu, as suas consequências económicas já se fazem sentir na UE. A Europa pode realizar seu plano de reconversão de energia para se tornar autônoma do gás russo antes do próximo inverno? Como a guerra continuará impactando a inflação e o aumento dos preços dos alimentos nos países europeus? Até quando se manterá esse alinhamento aparentemente unânime da burguesia europeia com as definições estratégicas dos Estados Unidos em relação à Rússia? Estas são algumas questões em aberto.

Entre a esquerda reformista, também se ouviram críticas à OTAN, como as expressas por Pablo Iglesias ou Jean-Luc Mélenchon, mas sem tirar os pés do prato da política imperialista. O programa da coligação eleitoral (NUPES) liderada por Mélenchon para as eleições legislativas em França juntamente com o PS, Verdes e Comunistas, não inclui a proposta de saída da OTAN. Nas palavras de Mélenchon, propor tal ponto “impediria que a união ocorresse”. No caso de Mélenchon, quando flertou com essa ideia, o fez para propor um sistema de defesa europeu como alternativa ou para priorizar a defesa dos interesses imperialistas da França. O mesmo acontece no caso de Pablo Iglesias, uma vez que, enquanto ele questiona o papel da OTAN em seu podcast, o Podemos e o Partido Comunista fazem parte do governo que presidirá a cúpula de Madri e que avança no rearmamento imperialista. Em vários artigos deste suplemento também discutimos com outras posições da esquerda que embelezam o papel das intervenções da OTAN em conflitos como na Líbia ou na guerra na Ucrânia.

Desde 2014, paralelamente à anexação russa da Crimeia e ao início da guerra civil na Ucrânia, os países que compõem a OTAN aumentaram significativamente seus gastos militares (em 24,9% entre 2014 e 2021). Mas desde a invasão russa da Ucrânia em fevereiro, todos os estados anunciaram saltos qualitativos nesses orçamentos. Neste quadro, é fundamental promover mobilizações contra a guerra, contra a invasão russa e também contra o rearmamento imperialista dos governos da OTAN.

O dia de mobilização contra a guerra, promovido pelo sindicalismo de base na Itália, é um bom exemplo nesse sentido. Lá, vários sindicatos convocaram uma greve contra a guerra na Ucrânia, mas também contra o acúmulo de armas de seu próprio governo e contra o aumento do custo de vida. Em dezenas de cidades houve manifestações com o lema “abaixar as armas, aumentar os salários”. No dia 26 de junho, será realizada em Madri uma mobilização massiva contra a cúpula da OTAN, onde a batalha também é fundamental para que uma política anti-imperialista e independente se expresse na mobilização.

A guerra em território europeu está acelerando as tendências para maiores confrontos políticos, comerciais e militares entre as potências. A definição leninista de que vivemos em tempos de guerras, crises e revoluções se atualiza e anuncia cenários convulsivos para o século XXI. Neste cenário, é urgente uma política independente, internacionalista e anti-imperialista.

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Este artigo foi originalmente publicado aqui em espanhol.


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FOOTNOTES

[1o último conceito estratégico da OTAN foi definido em 2010.

[2Os membros fundadores foram Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Holanda, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos. A estes juntaram-se a Grécia e a Turquia (1952), a República Federal Alemã (1955), a Espanha (1982), a antiga República Democrática Alemã passou a fazer parte da OTAN com a reunificação (1990), a Hungria, a Polônia e a República Checa (1999), Bulgária, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia e Roménia (2004), Albânia e Croácia (2009), Montenegro (2017), Macedónia do Norte (2020).

[3A primazia dos interesses norte-americanos na aliança atlântica e as tensões com seus aliados europeus se evidenciaram em diferentes momentos. Um dos mais proeminentes foi o questionamento do presidente francês Charles de Gaulle sobre o papel hegemônico dos Estados Unidos na Organização em 1958. De Gaulle exigiu uma liderança tripartite – junto com o Reino Unido – e a extensão das operações da OTAN às áreas de influência do imperialismo francês, especialmente da Argélia, onde estava em curso um processo de insurgência operária e popular. O resultado foi a retirada da França da estrutura militar da aliança entre 1966 e 2009, ao mesmo tempo em que criava seu próprio sistema de defesa independente e seu próprio arsenal nuclear. A França testou sua primeira bomba nuclear em 13 de fevereiro de 1960 no deserto do Saara. Outro grande desacordo dentro da OTAN foi o produto da invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, inicialmente rejeitada pela Alemanha e pela França.

[4M. E. Sarotte, Not One Inch, America, Russia, and the Making of Post-Cold War Stalemate, Yale University Press, nov. 2021

[5Angel Ferrero, “Veinte años de la retirada de las tropas rusas de Alemania”, 31 de agosto de 2014, El Diario.es

[6Desde a fundação da OTAN, este artigo estabelece que qualquer agressão contra um estado membro será respondida por todos os estados que compõem a OTAN como um todo.

[7Para um maior aprofundamento neste tema, ver: Albamonte, Emilio e Maiello, Matías; “Guerra fria e a grande estratégia”, em Estratégia socialista e arte militar, Edições Iskra.

[8Claudia Cinatti, “Estados Unidos: de la guerra contra el terrorismo al conflicto entre potencias”, Ideas de Izquierda, 11 set. 2021.

[9A Alemanha e a França se opuseram no início, criando uma lacuna significativa na OTAN, embora acabem, posteriormente, endossando a intervenção.

[10A queda de Kadafi, assassinado por uma multidão de opositores em 11 de outubro de 2011, deu lugar a uma guerra civil interna que ainda está em andamento.
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