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OPINIÃO | A GUERRA NÃO DECLARADA

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

terça-feira 18 de agosto de 2015 | 00:00

"Que fique claro, os nossos campos de batalhas não são os mais férteis só porque são camuflados e clandestinos, são os mais férteis por serem os mais produtivos e também por reunirem todas as modalidades de horror dentro de um só palco. Quando se trata de esquartejar a paz no sentido figurado ou literal, os opressores nacionais são os maiores especialistas do planeta no tema." A guerra não declarada na visão de um favelado pg 55.

Na noite mais sangrenta do ano, cerca de 20 pessoas foram executadas e várias dezenas foram baleadas na Zona Oeste da Grande SP, principalmente em Osasco, onde 15 foram assassinados, sendo que 10 estavam em um bar, na zona periférica do município. Tais execuções ocorrem após 1 semana do assassinato de um integrante da ROTA, seria mera coincidência ou uma vingança para-estatal da polícia? As investigações já comprovaram que a munição usada é a mesma que a da PM, os vídeos deixam claro o conhecido procedimento usado pela polícia, em que os suspeitos são ordenados a se enfileirar e colar a mão na cabeça, e a já citada morte do PM em Osasco uma semana antes da chacina (vingança), deixam claro quem foi que promoveu esse show de horrores, restam dúvidas somente para o Governador Alckimin, para seu secretário da Segurança Pública e para polícia.

Lapas (PT), prefeito de Osasco afirmou que as vítimas desse extermínio podem ter sido pessoas com antecedentes criminais. "Alguns vídeos que temos visto mostram que eles entraram encapuzados, perguntaram se as pessoas tinham antecedentes criminais então atiravam nas que tinham". Ora, então para muitos da corja "bandido bom é bandido morto" essa operação não oficial teve um ótimo sucesso! Já que de acordo com Lapas os executados foram bandidos, vagabundos, viciados, ou seja, todos que possam ter antecedentes criminais.

Bom, perguntemos as famílias das vítimas se seus entes executados eram criminosos impiedosos. De acordo com Angela Maria de Souza, esposa da vítima Jonas dos Santos Soares, o marido trabalhava como operador de máquinas e estava de folga na quinta e foi ao bar que ficava próximo de sua casa, decidiu ficar mais tarde para conversar com seu amigo. "Era umas 7 da noite quando eu ouvi os tiros. Minha amiga falou que era com o Jonas e eu não pude acreditar. Ele não tinha nenhum motivo para ser escolhido." O relato de Zilda Maria de Paula, mãe do pintor Fernando Luiz de Paula, executado no mesmo local que Jonas, foi de que "ele desceu para tomar uma água e cortar o cabelo. Ali só tinha gente chegando do trabalhado pra tomar uma cerveja."
Jonas e Fernando eram trabalhadores que moravam na periferia, esse foi o motivo da escolha, nenhuma chacina operacional ocorreria no Alpha Ville, Morumbi ou Jardins, porque esses monstros executores parecem ter um alvo, e ele não é rico e branco, caso alguém morra nesses bairros e regiões, o corpo não fica apodrecendo na vala, enquanto que os familiares são torturados pela visão do corpo de seu filho, marido ou amigo caído morto no chão por 10 horas. E para completar, quando o IML chega ao local, os cadáveres das vítimas são amontoados um em cima do outro na caçamba, por falta de espaço, mostrando que não apenas a educação, saúde, transporte são precários para os trabalhadores, mas até seus mortos são tratados com desrespeito.

Só podemos ter como resposta que não, na verdade os executados a sangue frio com tiro na nuca não eram criminosos e os executores não estavam interessados em antecedentes criminais, eram trabalhadores, negros e pobres e perderam suas vidas para profissionais interessados e treinados para o extermínio do favelado, os mortos tornaram-se apenas um número a mais na estatística que aumenta todo dia. Na verdade, para alguns não existe diferença entre criminoso e preto, entre bandido e pobre, ambos fazem parte de um mesmo setor que pela custa de seu sangue garante o lucro dos empresários com a guerra camuflada e clandestina em nossas cidades. Por exemplo os empresários do setor da segurança privada, para eles quanto maior a violência maior a demanda, consequentemente maior o lucro, maior a precarização do trabalho com a terceirização de porteiros e vigias, ou mesmo os empresários da fabricação de armamentos, como a Taurus, que tem a periferia como campo de concentração, onde grande parte das armas são usadas para desmiolar e reprimir o favelado, que aqui se caracteriza como trabalhador e o jovem, que muitas vezes sem oportunidade vê no tráfico e no crime o modo de ascensão social e melhoria de vida, por fim, mais cedo ou mais tarde acaba desaparecido ou morto em alguma operação policial.

Hoje fica ainda mais escancarada a guerra não declarada, o conflito civil em que vive o Brasil, como Eduardo Taddeo, rapper ex-facção central diz. "Que fique claro, os nossos campos de batalhas não são os mais férteis só porque são camuflados e clandestinos, são os mais férteis por serem os mais produtivos e também por reunirem todas as modalidades de horror dentro de um só palco. Quando se trata de esquartejar a paz no sentido figurado ou literal, os opressores nacionais são os maiores especialistas do planeta no tema." E ontem tivemos mais um exemplo dessa guerra, que não aparenta acabar cedo.




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