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AMAZÔNIA | A Amazônia sob o fogo de diferentes projetos capitalistas

Uma espessa nuvem cobre o céu do país e ela não é só a nuvem das queimadas. O crime foi realizado pelo agronegócio, incentivado por Bolsonaro e Salles. Mas o imperialismo lucra e muito com o agronegócio brasileiro. A defesa do meio-ambiente por Macron é hipócrita. Nem ele nem Bolsonaro, nem Merkel ou Trump dão à mínima para os povos originários, para os camponeses, para meio-ambiente. Há uma disputa de projetos para a Amazônia, para o Brasil e em certo sentido para a América do Sul em meio à tendência recessiva mundial e como diferentes imperialismos e potências se preparam para usar a região a seu favor em meio a crescente Guerra Comercial.

terça-feira 27 de agosto de 2019 | Edição do dia

O arrogante colonialismo de Macron só encontra rival no reacionarismo de Bolsonaro. Sua preocupação com o meio-ambiente é hipócrita. A francesa Dreyfuss comercializa boa parte da soja brasileira, e boa parte dos agrotóxicos no país são europeus: Monsanto e BayerCropscience.

A inédita agressividade entre governos brasileiros e franceses ilustra que muito está em jogo na disputa. O dedo em riste de Markel contra Macron também. O capitão do Brexit, Boris Johnson, ilustrou bem as tendências opostas atravessando imperialismos. Fez um primeiro tweet alarmado com os incêndios e retweetou Macron, fica claro como a direita europeia atua para não deixar nas mãos da esquerda, da centro-esquerda e de alas do “globalismo neoliberal” a bandeira do meio-ambiente. Depois, por outro lado, fez outro tweet oferecendo ajuda a Bolsonaro. Uma cópia de Trump.

No G7, clube reacionário dos maiores imperialismos, Johnson junto de Merkel que não atendeu ao chamado dos maiores jornais de seu país em promover sanções contra o Brasil. Esses dois países mais o Estado Espanhol atuaram para isolar Macron e manter vivo o acordo EU-Mercosul. Setores patronais franceses lucram com o acordo, mas outros, como sua agricultura perdem. Já os negócios ingleses, espanhóis, alemães só tem a lucrar com o entreguismo sem freio de Bolsonaro.

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Para além de interesses com o acordo com o Mercosul, há uma disputa em curso sobre projetos para a Amazônia, e como diferentes potências se preparam para usar os vastos recursos da região a seu favor.

A Amazônia em meio a dois projetos de saque dos recursos do país

Grosso modo há dois grandes projetos capitalistas para a Amazônia: um de manejo de suas riquezas biológicas em prol de um capitalismo verde, que perpassa a produção de madeira certificada, produtos da região, controle (não-eliminação) de desmatamento, remuneração de créditos de carbono, turismo ecológico, algum nível de autonomia aos povos indígenas e em meio a tudo isso gigantescas fortunas em patentes para a indústria farmacêutica e de cosméticos. Esse projeto toma de barato algum nível importante de desmatamento, desde que seu ritmo seja lento, acordado e submetido a pareceres internacionais. É um projeto que aceita expansão do agronegócio sobre a região mas exige limites e negociações, garantindo extensas reservas indígenas e naturais.

Há um outro projeto de mais qualitativo avanço do agronegócio, de extração de riquezas minerais e hidráulicas da região às custas dessa conservação ambiental e direitos dos povos originários e de populações tradicionais.

O segundo projeto é mais claramente associado a Bolsonaro e os militares. Nenhum dos dois projetos é um tipo-ideal, há intersecções, mas fica claro como o lulismo esteve atravessado por ambos, com certo predomínio do segundo, como se vê nas catástrofes ambientais promovidas com as mega hidrelétricas. Mas era uma tentativa de solução de compromisso, de equilibrar ambos projetos, localizando-os de forma diferenciada espacialmente. Enquanto no sul amazônico, em Rondônia, Mato Grosso a política predominante era essa “tipo Bolsonaro”, em Roraraima e na estratégica região da “Cabeça de Cachorro” havia relativo predomínio da outra política.

O que é menos claro é como há interesses imperialistas distintos que se avolumam em cada um dos projetos. Diferentes empresas e frações imperialistas se preparam para lucrar nos dois lados da moeda. É assim que se entende que a França é um dos grandes atores mundiais do agronegocio com o banco Credit Agricole e a gigante Dreyfuyss, que a Alemanha e a Noruega que são campeãs retóricas do “capitalismo verde” são campeãs em vendas em agrotóxicos e fertilizantes. O que também é verdade é o que capitalismo europeu tem um predomínio mundial no mercado de fármacos e cosméticos (Roche, Bayer, GlaxoSmithSkline, Novartis, L’Oreal, Unilever, para nomear algumas). Para estas gigantes o manejo de uma Amazônia relativamente verde é a garantia de patentes, de lucros intermináveis.

Por outro lado, Trump é um ativo porta-voz de interesses do petróleo americano. E uma das grandes riquezas da Amazônia a desbravar, custando vidas humanas e o meio-ambiente é essa. A riqueza desconhecida da Amazônia que também vincula-se a este projeto são as “terras raras”.

Em tempos de disputa comercial entre imperialismos a renovada importância do controle das matérias primas

Lênin remarcava que uma das principais tendências do imperialismo passava pelo domínio de matérias primas. Tendência essa que parecia menos relevante quando predominava nas relações internacionais a ofensiva neoliberal e a abertura das fronteiras para as mercadorias e capitais. Isso começa a estar em questão.

O revolucionário russo afirmava: “A particularidade fundamental do capitalismo moderno consiste na dominação exercida pelas associações monopolistas dos grandes patrões. Estes monopólios adquirem a máxima solidez quando reúnem nas suas mãos todas as fontes de matérias-primas, e já vimos com que ardor as associações internacionais de capitalistas se esforçam por retirar ao adversário toda a possibilidade de concorrência, por adquirir, por exemplo, as terras que contêm minério de ferro, os jazigos de petróleo, etc. A posse de colônias é a única coisa que garante de maneira completa o êxito do monopólio contra todas as contingências da luta com o adversário, mesmo quando este procura defender-se mediante uma lei que implante o monopólio do Estado. Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se toma a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias.”

Em meio à guerra comercial não é um tema nada irrelevante nas preocupações imperialistas e das potências o domínio de matérias primas. O continente sul-americano é particularmente rico nelas e torna-lo sua esfera de influência exclusiva pode ser decisivo lá na frente, daí que estamos diante de movimentos preparatórios. Aqui não abordaremos riquezas minerais e biológicas de outros países mas colocamos como esse marco comum, e a particularidade em diferentes graus os países do continente exibirem uma dupla dependência da China e dos EUA, e uma menor possibilidade para que avance a uma “tripla dependência” envolvendo a União Europeia (os limites para isso são que a União Europeia como nota-se nessa mesma crise amazônica não atuam em uníssono, a Alemanha que é quem mais tem potencial de assumir o lugar predominante ainda não desponta – na região – acima da França ou da Espanha, dificultando a realização imediata dessa subordinação e dependência).

O Brasil é comercialmente dependente da China, mas o oposto também é verdadeiro relativamente. Alguma ação norteamericana – em um exercício hipotético e não de nenhuma conjuntura imediata – levaria a fome no leste asiático, não havendo nenhum substituto de curto prazo ao volume de frangos, porcos e sobretudo soja que o Brasil produz e vende à China. Não à toa há preocupação chinesa em expandir o agronegócio na Rússia, Ucrânia e África como parte de sua Rota da Seda.

É conhecida a reflexão da penetração imperialista no setor de petróleo e os particulares interesses no Pré-Sal, na exploração do minério nacional, também há extensa literatura sobre a importância do Aquífero Guarani, focaremos aqui na parte menos conhecida desses interesses: a Amazônia.

A China tem hoje um predomínio mundial na exportação de terras raras e seus compostos, são minerais cruciais para novas tecnologias, inclusive de armas. Essa é uma arma chinesa na guerra comercial com os EUA. Não à toa há medidas de Trump para aumentar a produção nos EUA, o Japão se prepara para aumentar sua produção desses minerais extraídos da profundezas dos Oceanos, e a Austrália também toma medidas para ofertar aos EUA.

Bolsonaro fala muito do nióbio, e não é à toa, 98% das reservas mundiais desse mineral raro importante para produzir “super-aço” para satélites e foguetes localizam-se no Brasil, e particularmente na região da Amazônia conhecida como “Cabeça de Cachorro” e no adjacente Pico da Neblina, atravessando as Fronteiras de Brasil, Colômbia e Venezuela. Ocorre que essas terras no Estado do Amazonas como de Roraima são Terras Indígenas e fonte da gritaria bolsonarista e do Exército, pois não podem ser lavradas. O Exército Brasileiro tem um de seus maiores contingentes no município onde o nióbio se concentra: São Gabriel da Cachoeira. Há estudos de que a Amazônia e essa região teriam as ainda mais cobiçadas terras raras.
São Gabriel da Cachoeira além de terreno de operação da importante 2ª Brigada de Infantaria de Selva é palco de disputas de ONG’s pró preservação e pró cultura indígena, e por outro lado ações missionárias evangélicas brasileiras e americanas.

Diversos antropólogos relatam as diferentes ações e políticas de diferentes grupos indígenas e suas reivindicações em meio a esse confronto, incluindo aqueles que buscam maior “aculturação”. Trata-se de tema chave em cada posicionamento Bolsonarista sobre terras e direitos indígenas.
Por outro lado, um pouco antes do golpe Dilma havia firmado um acordo com a Alemanha para mineração de terras raras no Brasil.

Tanto pela origem social de sua oficialidade, pequeno-burguesia rural, como pelo seu peso objetivo em toda a Amazônia os interesses militares na região dizem respeito não a uma suposta defesa da soberania, o que é mais evidentemente falso quando assinam embaixo de todas privatizações, promovem a inédita cooperação militar com os EUA, apoiam a entrega de território nacional em Alcântara, mas sim em se associar a burgueses ou diretamente se transformar em proprietários de terras na região. Buscam promover garimpos, ser sócios de empresas junto ao imperialismo, e no flanco sul da Amazônia em ser parte da ofensiva de desmatamento para o agronegócio. Ali trata-se de enriquecimento e formação de novos burgueses, novos latifundiários fundindo em muitas localidades os interesses fundiários, do oficialato e dos caciques políticos locais.

O lugar onde houve o chamado ao “dia do fogo” é justamente na BR-163 que está sendo asfaltada pelo Exército para escoar a produção de Mato Grosso pelo Pará. Essa região é a fronteira norte da soja mato-grossense.

Em todo o norte do Amazonas brasileiro há pesados interesses de mineração, como também se vê no Amapá e no assassinato de liderança indígena pelo garimpo de ouro e nem falar na região de Carajás que é responsável por uma grande porcentagem de todo ferro do mundo.

No arco oeste da Amazônia, da fronteira com o Peru até Marajó, passando por Manaus, há estudos que mostram a possibilidade de conter algumas da principais reservas de shale gas do mundo, o que poderia ser obtido usando a monstruosamente poluente técnica de faturamento hidráulico (“fracking”) que gera rios inflamáveis nos EUA e na Austrália, e por outro lado levou a barateamento do custo energético no país de Trump. A ANP estima que essa produção, junto da Bacia de Parecis (entre Mato Grosso e Rondônia) e a do tight oil do Parnaíba poderiam fazer do Brasil o segundo maior produtor mundial de gás natural, chegando a 2050 com uma produção que de 156 trilhões de pés cúbicos de produção (ou 5x a produção americana em 2019).

No Sul e Leste Amazônicos aumenta a conhecida penetração do agronegócio com suas criminosas queimadas para abrir caminho a pastagens e à soja. Os incêndios na Amazônia revelaram uma divisão no agronegócio que ainda não era visível. A oposição entre os interesses dos monopólios da logística, processamento e comercialização (os “traders”) e por outro lado os latifundiários produtores. Representando os traders, Blairo Maggi, ex-governador e homem forte do Mato Grosso, proprietário da gigante Amaggi saiu atacando Bolsonaro por colocar em risco as exportações brasileiras. De outro lado a Aprosoja posicionou-se afirmando que os produtores rurais não produzem esses crimes e apoiando Bolsonaro. Antes disso a Aprosoja já tinha publicado uma “carta de Palmas” em resposta à Declaração de Roterdã, que é um compromisso de diversas multinacionais com o desmatamento zero no Cerrado. A “carta de Palmas” critica publicamente a americana Cargill, ocorre que a Cargill é a principal sócia da Amaggi em bilionária ferrovia em construção um recorde forte ao rei da Soja brasileiro.

O latifúndio defende o desmatamento legal, ou seja que uma porcentagem de cada latifúndio seja desmatado. Esse programa é publicamente defendido pelo ministro do meio-ambiente Salles e o mais brutal agente do latifúndio no Ministério da Agricultura, o ex-presidente da UDR Nabhan Garcia. A ministra da Agricultura, Teresa Cristina, tal como a entidade que ela presidia, a CNA, tenta costurar os agora divergentes interesses dos latifundiários produtores e dos monopólios. Até no agronegócio o imperialismo convulsiona relações e interesses.

Essa discussão sobre o desmatamento do Cerrado se cruza com a discussão amazônica, parte do foco é o MATOPIBA, região de transição entre o Cerrado e a Amazônia, e que no caso do Maranhão apresenta uma das mais altas produtividades de soja por hectare e ainda uma vantagem de estar ao lado do estratégico porto de Itaqui.

Voltando à Amazônia propriamente dita, próxima a Manaus, há reservas de potássio, que equivalem a 25% das reservas mundiais. O produto é crucial como fertilizante agrícola e o Brasil é um dos maiores importadores do mundo.

Esse panorama de algumas matérias primas na Amazônia Brasileira colocam outra luz aos posicionamentos dos diferentes imperialismos sobre a região e a crescente presença americana, seja nos exercícios militares conjuntos Brasil-Colômbia-Peru, como pelo alinhamento pró-americano da Colômbia, mas também do governo peruano depois da Lava Jato local. A inserção da China e da Rússia na Venezuela ganham luz não somente como algo para frear os EUA em geral mas como parte de localizar-se melhor diante dessas cruciais reservas de variadas matérias primas, que incluem a disputa com Guiana Inglesa pela enorme reserva de petróleo da Guiana Essequiba.

Diante de tão elevadas reservas de variados produtos biológicos e minerais há que se colocar nas reflexões sobre o futuro do Brasil e da ações dos diferentes imperialismos, impactando em todas classes sociais daqui, esses interesses que tornam o continente e particularmente a Amazônia palco de disputas.
Essa disputa entre diferentes imperialismos e potências, passa pela posse colonial Guiana pela França, pelas bases americanas na Colômbia e agora no Maranhão, e por outro lado pela base “aeroespacial” chinesa em Neuquén na Argentina como parte de toda uma movimentação econômica, mas crescentemente preparatória de cada potência em busca de matérias primas, influência política e como usar uma região (e países) a serviço de seu acumulo em um mundo onde a competição se faz mais intensa, e na Guerra Comercial cada imperialismo e potência se prepara mais fortemente para se localizar em detrimento de outras. O Brasil e a Amazônia são alvos de disputa onde o que menos importa é o meio-ambiente e os povos.

Uma resposta de fundo, que leve a um outro metabolismo dos seres humanos consigo mesmos, livrando-se da exploração, e dos seres humanos com a natureza, só pode só pode ser dada pela classe trabalhadora e um programa anticapitalista e antiimperialista.




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