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6 motivos porque Kalil é um político da direita e não uma alternativa ao bolsonarismo em BH

Há pouco tempo das eleições, vale lembrar àqueles que dizem que Kalil fez uma “gestão meia boca”, ou mesmo aos que o consideram de centro esquerda, que o prefeito do PSD é um político da direita e não uma alternativa ao bolsonarismo.

MaréProfessora designada na rede estadual de MG

quinta-feira 12 de novembro de 2020 | Edição do dia

Há pouco tempo das eleições municipais de 2020, Alexandre Kalil, prefeito de BH pelo Partido Social Democrático (PSD), tem largas chances de vencer o pleito no primeiro turno. Isso mostra o que já foi explorado por jornais da mídia tradicional: apesar de odiado pelos bolsonaristas, Kalil é uma figura reivindicada por um amplo espectro, desde os apoiadores da tradicional direita PSDBista de Aécio Neves, passando pela base eleitoral “de centro” do PDT, PCdoB e PT, e, infelizmente, chegando até a esquerda, com setores do PSOL reivindicando sua condução da pandemia.

Nessa nota, queremos mostrar que Kalil não é uma figura progressista, mas um político de direita, a principal aposta do seu partido (PSD), que é base bolsonarista no Congresso e parte fundamental da sustentação desse regime golpista. Isso nos leva a debater porque é um erro a esquerda reivindicar parcialmente a gestão do empresário.

1. O partido de Kalil é o mesmo de Flordelis, do candidato com dinheiro na cueca, e faz parte do famoso centrão, sempre ávido em aprovar ataques

O Partido Social Democrático, de democrático não tem nada. Para começo de conversa, a bancada do PSD no congresso sequer respeitou um sufrágio universal por duas vezes nos últimos cinco anos. Foram a favor do golpe institucional de 2016 que destituiu Dilma com o único objetivo de aprofundar os ataques que o PT já fazia. Depois, seus deputados fizeram parte de encenações em apoio à prisão arbitrária de Lula, que tinha como único objetivo deixar para o judiciário, e não por conta do voto da população, a decisão das eleições presidenciais que elegeram Bolsonaro.

Kalil diz que se orgulha de não ter nenhum escândalo contra si na prefeitura de Belo Horizonte, mas nunca falou que se orgulha também de Edilvan Messias dos Santos, o candidato a vereador que, recentemente, relançou a moda de esconder montantes de dinheiro ilegal nas nádegas. Também nunca contou que se orgulha de Flordelis, que continua no PSD, inclusive participando e intervindo nas reuniões.

Há quem acredite que Kalil está em oposição a Bolsonaro. Impossível! Seu partido, desde abril, se mudou de mala e cuia para o apoio ao presidente, que oferecia cargos e comprava deputados para se safar de um possível impeachment.

O PSD, é claro, foi base da aprovação de todas as reformas contra os direitos feitas até aqui e apoia com entusiasmo a Reforma Administrativa, sem nem a vergonha de assumir. O senador (infelizmente) conhecido do povo mineiro, Antônio Anastasia, do mesmo partido, comemorou efusivamente o envio do texto da reforma.

Saiba mais: Da troca de cargos pra apoiar Bolsonaro a Flordelis: 10 escândalos do PSD de Kalil em 2020

2. Diferente da demagogia que faz, Kalil é parte da política tradicional e suas práticas

Alguém poderia argumentar que Kalil é diferente de seu partido. Mas não é. Mesmo o seu partido anterior, o PHS, não tem nada de progressista: foi investigado por corrupção envolvendo Vittorio Medioli, o prefeito mais rico do país, de Betim.

Basta ver quem apoia o prefeito para a reeleição, que tem desde golpistas como o MDB de Michel Temer, apoiadores das reformas como o PDT do “coronel” Ciro Gomes, os que votaram pela reforma da previdência de Zema como o Avante, chegando a crias da ditadura militar brasileira como o PP. Só gente boa da nova política - [contém sarcasmo]!

Durante a pandemia, Kalil deu uma grande prova de seu fisiologismo próprio do centrão: afirmou que “não tem nada a reclamar” de Bolsonaro, uma bela passada de pano para supostamente conseguir benefícios do governo federal para o município. Alguém disse “toma lá, dá cá”?

3. O mito da abertura da caixa preta da BHTrans e a política contra as ocupações urbanas ilustram: o governo Kalil sempre serviu a grandes empresários como ele

Aliás, parte da demagogia de Kalil sobre ser diferente é dizer que BH não precisa de promessas. Mas nem um “a” sobre as promessas feitas.

Ele não abriu nem vai abrir a tal caixa preta da BHTrans. BH tem hoje uma das passagens mais caras do país, e os aumentos não foram só herdados dos governos anteriores. Nem precisa dizer que não houve nem sinal de diminuição de preço. A prefeitura tampouco interviu na ingerência das empresas do transporte na demissão dos cobradores e consequente sobrecarga dos motoristas.

Outro exemplo é a política da prefeitura com relação às ocupações. Kalil disse durante a atual campanha eleitoral ser de fato contra as ocupações urbanas e a favor dos despejos, favorecendo ainda mais os empresários mafiosos da especulação imobiliária, que mantém tantos imóveis no Centro de BH completamente inutilizados, enquanto a população de rua aumenta em plena pandemia.

A justiça nem esperou a Covid-19 amenizar seus efeitos para declarar o despejo da Ocupação Fábio Alves, e Kalil sequer pensou na possibilidade de ficar do lado das famílias, que acamparam em frente à prefeitura e foram ignoradas.

Na verdade, pouco se fala, mas o próprio prefeito é um empresário riquíssimo, e ainda assim não paga o IPTU de suas mansões.

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4. Não adianta se esquivar: Kalil também é culpado pelas enchentes e suas drásticas consequências, sobretudo para a população negra, pobre e periférica

Todos os anos o povo belorizontino sofre com as chuvas, que causam enchentes e alagamentos. Neste ano foram 13 mortos e milhares de desabrigados na cidade. E as alegações de Kalil sobre o tema são, digamos, ecléticas. Primeiro, ele diz que a culpa é realmente da quantidade maior de chuvas, e que qualquer cidade “preparada” sofreria os mesmos efeitos. Depois assume que é um problema estrutural de BH, mas se livra da culpa porque ’50 anos não se resolvem em 2’. E, para lembrar que, além de tudo, Kalil é machista, assume a relação com a lógica urbana de canalização dos rios e asfaltamento exagerado do solo com uma comparação ridícula: ’natureza é igual mulher. Você faz qualquer coisa, ela vem depois e lhe vinga’.

Kalil fez demagogia dizendo que a classe média alta apenas se preocupa com o problema quando ele chega nos bairros nobres. Que aliás, é um dos bairros onde ele vive. Mas é incapaz de assumir que Belo Horizonte tem o racismo no seu nascimento enquanto cidade planejada. Assim como os rios e solo são reprimidos, o povo negro é historicamente levado à cidade para fazê-la funcionar, e ao fim do dia empurrado para as vilas, favelas, ocupações urbanas e outras cidades da região metropolitana. São essas pessoas que veem suas casas desabar em meio às chuvas e perdem suas vidas entre os escombros. Kalil não é defensor delas, e sim da especulação imobiliária.

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5. Não existe “boa gestão” da pandemia sem testes massivos, proibição das demissões e condições dignas de trabalho para as trabalhadoras da saúde

Kalil ficou nacionalmente conhecido como um “bom gestor da pandemia”. Mas não é o que dizem as técnicas em enfermagem das UPAs e outros hospitais em Belo Horizonte. Por exemplo, segundo denúncias anônimas recebidas pelo Esquerda Diário, os trabalhadores do grupo de risco não foram afastados de forma totalmente remunerada e com todos os direitos garantidos, e com a insalubridade recebida pela prefeitura “não compra nem uma caixa de comprimido se a gente tiver problema de saúde.

O “fica em casa” de Kalil, desde o início, se deu sem nenhuma medida para impedir as demissões e garantir licenças remuneradas para os trabalhadores de serviços não essenciais, obrigando assim uma escolha cruel entre ficar em casa ao lado da fome ou sair à rua para trabalhar sob risco de contaminação.

Sem condições para que as pessoas fiquem em casa, esse mantra se transformou num grande lavar de mãos por parte de Kalil, para depois poder dizer “eu avisei” para as mortes pela Covid-19. É assim que ele aprova uma multa para quem não usasse máscara, uma absurda medida repressiva que contou com o apoio do PT e do PSOL na câmara. Basta sair às ruas para ver que essa medida pouco ou nada se preocupou em educação e divulgação científica, para que as pessoas não só escolham usar máscara, mas também saibam usá-la.

Quando Kalil reabre o comércio de BH, o faz sem testagem massiva e gratuita da população, para saber quem está doente e precisa de tratamento e isolamento. Tampouco reorganiza o sistema de transportes (o que ainda não foi feito, estando os ônibus sempre lotados) ou prepara o sistema de saúde, que chegou à lotação.

O prefeito não foi “a voz da ciência”, não deixou de obedecer aos empresários, mas foi sim um político capitalista como todos os outros, que escolheu não fazer o mínimo pela saúde da população, o que certamente passaria por atacar os lucros de grandes empresas. O fato de o número de mortes ter sido menor em Belo Horizonte do que em outras cidades não deveria causar alívio, pois cada uma das mortes seria evitável, e a maior parte das vidas perdidas têm cor e classe.

6. Não, Kalil não foi “politicamente correto” com mulheres e LGBTs nem de longe!

Parte da demagogia de Kalil foi ter investido na parada LGBT e no carnaval. É possível ouvir de algumas pessoas que o prefeito não foi opressor com as minorias. Mentira. Como empresário que é, Kalil só quer transformar a luta dos oprimidos em nicho de mercado.

Sua verdadeira cara é a de quem assinou um decreto contra políticas públicas de educação sexual e de gênero nas escolas, antecipando o Escola Sem Partido, aprovado em primeira instância na Câmara Municipal. Também foi parte do ataque ao carnaval de rua esse ano feito pelo judiciário.

Não existe defesa dos oprimidos atacando os trabalhadores da saúde e da educação, que são em sua maioria mulheres negras. Quem não se lembra precisa retomar na memória a repressão com gás de pimenta e fortíssimos jatos de água contra as trabalhadoras da educação infantil em greve, que sabem muito bem que Kalil não foi um bom prefeito.

Esse ano os trabalhadores da educação municipal também fizeram uma greve junto aos terceirizados da educação, os trabalhadores mais precarizados, sendo a maioria negros, também tiveram que se opor a milhares de demissões por parte da prefeitura.

A esquerda não deveria abdicar do combate à Kalil

Esses pontos explicam porque Alexandre Kalil não deve ser taxado de progressista, e nada em seu governo deve ser reivindicado. A lógica que faz com que ele seja visto dessa forma é a lógica do “menos pior”, própria das eleições burguesas, tão usada e fomentada pelo PT, e que nesse caso ganha o contorno de “não tão ruim”. A miséria do possível é dramática quando o possível é tão miserável.

Essas eleições decidem quem é o próximo gestor do Estado capitalista, que não é neutro, mas um instrumento de dominação para a classe dominante. Gerir esse Estado significa também gerir uma crise, que existe em todo o mundo, e no Brasil significa gerir um regime golpista, impulsionador do bolsonarismo a partir do golpe de 2016 e da prisão arbitrária de Lula, e defendido por Bolsonaro, Mourão, o Congresso, o Senado, o STF e todos os governadores, mesmo os do PT e PCdoB.

Foi nesse Estado e sob esse regime que foram aprovados ataques e reformas que significam um nível de precarização inédito, embora os governos do PT já tivessem “rezado parte dessa missa” antes mesmo do golpe. A PEC do teto de gastos, a reforma do ensino médio, a reforma trabalhista, a lei da terceirização irrestrita, a reforma da previdência e, proposta nos próximos planos, a reforma administrativa (que já tinha uma versão belorizontina na metade do mandato de Kalil), vieram para aprofundar os efeitos da crise sob a classe trabalhadora e o povo pobre.

Kalil não é “um governo meia boca”, como disse a candidata à prefeita do PSOL, em coligação com UP e PCB, Áurea Carolina. Ele é a sustentação desse regime e o apoio irrestrito a esses ataques. A esquerda belorizontina, que já teceu elogios até maiores ao prefeito, não deveria abdicar do combate a um político demagogo da direita, menos ainda quando ele representa o famigerado centrão, a política tradicional mais nefasta, fisiológica, que fica do lado de quem paga mais.

Na verdade, a esquerda não deveria abdicar de combater o conjunto do regime golpista nessas eleições. Mas, do contrário, a maior parte dela está alimentando ilusões municipalistas, como se, vivendo sob o regime que assassinou Marielle Franco, seja possível fazer uma “gestão humana” de uma prefeitura. Vendem uma ideia de que é possível reduzir as desigualdades, mas não se propõem sequer a romper com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que concretamente estrangula o orçamento dos municípios e seria o mínimo para ser consequente com as promessas de aumentar o investimento público em áreas sociais.

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Ao dizer “esquerda” não incluo o PT e o PCdoB, que são partidos de conciliação de classes. Menos ainda o PSB, PDT, REDE e inclusive outros partidos burgueses com os quais o PSOL fez coligações nessas eleições em diversas cidades. O caminho das alianças sem princípios, do eleitoralismo a qualquer custo, de suprimir um programa de verdadeiro enfrentamento com a direita, extrema direita, os patrões e imperialistas, é o mesmo caminho que trilhou o PT. Esse partido reformista que administrou o capitalismo brasileiro por mais de 10 anos precisa ser superado pela esquerda, sob pena de nunca avançarmos de forma robusta em nenhuma das pautas dos trabalhadores, mulheres, negros, LGBTs, indígenas, jovens, moradores das vilas, favelas e ocupações urbanas, etc.

A falta de combate ou o apoio crítico a Kalil, então, nem se fala: deveria ser imediatamente abolido das fileiras de qualquer grupo que se pretende comprometido com uma perspectiva dos trabalhadores e da população explorada e oprimida.




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