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REFORMA EDUCATIVA CÓRDOBA | 100 anos da Reforma Universitária de Córdoba

domingo 17 de junho de 2018 | Edição do dia

Na quinta-feira, 14 de junho, realizou-se a Mesa-debate: "100 anos da Reforma Universitária de Córdoba e seu impacto na América Latina", na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), da qual participei desde Esquerda Diário junto com Danilla Aguiar da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Sendo que o dia 15 de junho é a data precisa da Reforma Universitária, apresento uma síntese de minha intervenção.

O movimento da Reforma Universitária de Córdoba de 1918, completa 100 anos, um movimento profundamente subversivo que foi expressão de um conjunto de contradições econômicas e sociais que vivenciava a Argentina em particular e América Latina em geral nesses anos, tendo sempre como objetivo tirar lições para uma melhor intervenção na luta de classes. Desde um ponto de vista marxista nos interessa realizar uma análise classista do conteúdo desse movimento no marco da formação econômico -social argentina do período num contexto marcado por guerras e revoluções no plano mundial. A Primeira Guerra Mundial e as Revoluções Mexicana (1910) e Russa (1917).

Em 1918 na Argentina existiam cinco universidades, a de Buenos Aires, La Plata, Santa Fé, Tucumán e Córdoba, esta última fundada em 1613 e fortemente clerical, expressando em Córdoba um conjunto de tensões da situação política mundial.

Do ponto de vista estrutural, os grandes fazendeiros, uma classe social moderna, que se beneficia com a renda diferencial da terra no mercado mundial capitalista, fortemente vinculada primeiro à Inglaterra e depois aos Estados Unidos, vai perdendo espaço político com a reforma política que significou no país a Lei Saenz Peña e a chegada ao governo do presidente Hipólito Yrigoyen pela União Cívica Radical (UCR). Mesmo assim ainda tem um peso político muito forte no ramo da educação, a Igreja, fundamentalmente nas universidades.

Justamente essa subordinação às grandes potencias eram rejeitadas pelas classes médias, e um conjunto de intelectuais tinham peso e influenciavam o movimento estudantil, como por exemplo José Ingenieros na Argentina e José Vasconcelos no México. Existia um sentimento anti-imperialista forte nas classes médias e na juventude que expressavam alguns destes intelectuais.

Argentina era um país semicolonial, por isso, assim como no resto da América Latina, não existia uma burguesia que realize as tarefas históricas da burguesia, e o movimento operário, se bem tinha certa força, ainda não era um ator político, por duas razões, a primeira que estava composto de uma massa relevante de imigrantes que não tinham direitos políticos, e a segunda que sua ideologia se dividia num Partido Socialista (PS) reformista, nas trilhas do socialista francês Jean Jaurés e ideologias antipolítica, como o anarquismo ou o sindicalismo revolucionário soreleano.

Trotsky afirma que quando a burguesia não resolve os problemas da sociedade burguesa e o proletariado ainda não consegue assumir essa tarefa, são os estudantes aqueles que ocupam a cena política.

Justamente a Reforma Universitária expressa a contradição entre o avanço da ciência, regime políticos mais flexíveis e certos avanços sociais com a decadência das “casas de altos estudos”. Existia uma contradição entre ciência e religião, sendo que nas universidades não era aceito Charles Darwin e se mantinham disciplinas de caráter medieval como “Direito para com os servos”. Estas contradições, não são só locais, se apresentam também de forma desigual e combinada em cada país.

Que foi o movimento pela Reforma Universitária?

Podemos diferenciar três etapas as quais expressam diferentes avanços na consciência do movimento estudantil.

A primeira etapa se inicia no final de 1917, onde os estudantes realizam um abaixo assinado dirigido ao Ministério de Instrução Pública reclamando uma democratização do sistema de cátedras, a liberdade de cátedra.

As demandas não são satisfeitas e em 1918 o movimento surge com mais força, se realizam assembleias de base, mobilizações de rua e surge uma forma organizativa muito relevante que será a criação do Comitê Pró-reforma no dia 10 de março de 1918, desde onde posteriormente se criará a Federação Universitária de Córdoba (FUC). Este comitê declara a greve geral até que sejam atendidas as demandas pelas autoridades correspondentes e tem um acatamento massivo por parte dos estudantes que não iniciam as aulas no dia 1 de abril de 1918. A greve tem como objetivo a intervenção do governo, coisa que o Presidente Hipólito Yrigoyen realiza já que os estudantes fazem parte de sua base social, sendo nomeado José Matienzo interventor.

A primeira etapa do movimento se fecha, se realiza a primeira reforma do estatuto que permitiu ampliar a base docente que intervinha nas eleições das autoridades universitárias. Os estudantes entendiam que se ingressavam professores mais jovens existia a possibilidade de escolher autoridades universitárias não católicas nos diferentes níveis, na perspectiva que professores sem privilégios seriam aliados.

A segunda parte do processo de luta se realiza no dia 15 de junho de 1918, que se reuniria a Assembleia Universitária para escolher ao novo reitor. Enquanto os estudantes defendiam um liberal, Enrique Martínez Paz, foi eleito Antonio Nores, candidato das oligarquias docentes , tendo até docentes liberais que votaram pelo candidato conservador e clerical, o que gerou uma ruptura dos estudantes com uma fração dos docentes.

Como caraterística da etapa temos a ação direta, a violência estudantil, quebra de janelas e móveis para impedir o funcionamento da assembleia universitária, enfrentamentos com a polícia e a elevação das reivindicações por parte dos estudantes, elaboração de projeto de lei por parte do Congresso dos estudantes, que incluía o governo tripartite e paritário e a docência livre (liberdade de cátedra).

A greve se inicia em Córdoba mas se nacionaliza, e o ponto mais alto deste período é a publicação do Manifesto Liminar de Córdoba escrito por Deodoro Roca, onde aparecem os elementos ideológicos da Reforma Universitária. Temos como caraterísticas o americanismo, internacionalismo, já que juventude de Córdoba se dirige aos homens livres de América do Sul, aparecendo como uma declaração romântica pela independência dos Estados latino-americanos. Um dos limites do movimento é que acreditavam na independência como uma questão nacional sem ter em consideração o caráter das burguesias latino-americanas, não consideram que as próprias burguesias são um empecilho à essa independência e que esta tarefa fica nas mãos da classe trabalhadora.

Outra caraterística relevante desta etapa é a adesão à luta da Federação Operária de Córdoba (FOC), máximo organismo sindical local, fato central.

A terceira etapa é a tentativa dos estudantes de virar o jogo em favor dos estudantes, mudando a metodologia de ação. Os estudantes tomam a universidade e a colocam sob seu controle, nomeiam professores, representantes, empregados, organizam as atividades curriculares e bancas de exames.

Se fecha o período com a vitória dos reformistas intervindo mais uma vez o Ministério de Instrução, o qual muda os estatutos da universidade e até 1921 foram mudados de todas as universidades.

A Reforma Universitária de Córdoba, uma verdadeira rebelião estudantil, teve um forte impacto na América Latina, centralmente no Peru e Cuba. No plano regional, a reforma expressa a luta da juventude contra a velha ordem. No Peru com a universidade Gonzalez Prada e em Cuba com a concepção socialista vinculada à classe trabalhadora numa perspectiva revolucionária.

A crítica a universidade fechada em si mesma tem como objetivo de ligar a universidade às problemáticas sociais da classe trabalhadora. Isto se expressa no apoio dos estudantes à relevante greve geral de 1919, conhecida como “A semana trágica” através da Federação de Santa Fé e a de Córdoba. Mesmo sendo uma minoria do movimento estudantil que participa ativamente deste apoio é qualitativamente importante. Tanto no Peru como em Cuba se propõem produzir conhecimento a serviço da classe trabalhadora. A Universidade Popular González Prada no Peru tem como objetivo intervir nos conflitos operários sob a base da “justiça social” e a José Marti em Cuba procura formar uma classe operária com uma mentalidade culta nova e revolucionária.

Em relação a vigência e atualidade da Reforma Universitária é central debater a necessidade de mudar a estrutura universitária. Um grupo de professores ainda tem privilégios, por isso é preciso democratizar a universidade, a qual não funciona em termos sequer de Revolução Francesa, uma pessoa um voto, senão de Ancien Regime, de forma aristocrática. Questões democráticas mínimas como co-governo com maioria estudantil, eliminar a figura do reitor e contratação dos terceirizados sem concurso público aparecem como necessidades urgentes. O objetivo de vincular a universidade aos problemas da sociedade também é relevante e atual, que se manifestava em termos de Deodoro Roca, não já de um Mariategui, abrir as portas da universidade ao povo e a classe trabalhadora ou a conclusão de Julio Antonio Mella, que tira uma conclusão socialista da reforma universitária com a necessidade de vincular a universidade à classe trabalhadora numa perspectiva revolucionária, anti-capitalista. A crítica ao conhecimento fragmentado da realidade também é atual a qual devemos opor uma visão científica e de totalidade.

Em síntese é preciso construir um novo movimento estudantil que tome como experiência a Reforma Universitária de 1918, mas que como o Maio Francês de 1968 ou no Cordobazo de 1969, se vincule a classe trabalhadora, e além de criticar a estrutura universitária critique a sociedade de classes desde uma perspectiva autônoma dos patrões, dos governos, do Estado e das reitorias, para assim pensar uma universidade pública gratuita e a serviço da classe trabalhadora e dos setores populares.




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