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MÚSICA
Breve História do Jazz Soviético
Nicolás Torino

O Jazz dos anos 20 chega a jovem URSS e rapidamente se fusiona com os ritmos populares russos alcançando uma grande popularidade nos centros urbanos.

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Jazz Cósmico

Há poucos estilos musicais mais universais do que o jazz. Talvez o rock seja mais famoso, talvez os Beatles sejam maiores que Jesus. Talvez o pop venda mais do que todos os demais gêneros juntos. Talvez o hip hop canaliza a voz de milhões em todos os continentes. Mas antes de todos eles existiu o jazz, o primeiro gênero musical verdadeiramente mundial, que impulsionou revoluções na América, Ásia e Europa.

É importante definirmos primeiro algo: jazz se diz de muitas maneiras. Hoje em dia, geralmente usamos a palavra jazz para falar do Bebop e suas sucessões (free jazz, latin jazz, jazz rock, etc.). Mas esse uso comum mancha um pouco o fenômeno mundial que foi o jazz nos anos 20. Isto se nota, por exemplo, ao ler textos de Adorno sobre o jazz, que pareciam descrever uma música distinta da qual se relaciona normalmente com o estilo. Então, ao dizer que o jazz foi um fenômeno mundial, nos referimos mais ao estilo dos anos 20 que o dos 50.

É esta música a que chega a jovem URSS, deformada pelos cabarés europeus, e rapidamente é fusionada com os ritmos populares russos alcançando uma grande popularidade nos centros urbanos. Seu consumo se encontrava relacionado com o ambiente noturno, sobretudo como acompanhamento musical em cabarés. Era, por suposto, um momento de forte efervescência política, na qual a ideia de uma nova cultura proletária gerou fortes discussões especialmente sobre o recém-chegado estilo musical que ocupava lugar central nos debates.

Música de Canibais

É possível diferenciar quatro grandes etapas na história do jazz na União Soviética, conforme as distintas políticas que se deram a favor ou de encontro ao estilo musical, dado que não houve uma postura definitiva que abarcava todo o período. Esta classificação segue a realizada por Frederick Starr em seu clássico Red and Hot: The Fate of Jazz in the Soviet Union, que apesar de seu olhar liberal é a máxima autoridade sobre o assunto.

Em primeiro lugar, se pode distinguir a etapa 1917-1926, quer dizer desde a Revolução de Outubro até o momento em que o stalinismo começa a consolidar-se no poder. Esta época vai se caracterizar por uma posição eclética, no qual existiam críticos e defensores do novo estilo musical, mas não existirá uma posição estatal sobre a questão. Autores como Starr ou Brianna Van Kan associaram o fechamento de cabarés clandestinos na época prévia a NEP (Nova Política Econômica) como um ato de censura, dado que eram os lugares desde onde soava este tipo de música, mas este tipo de ação aparenta mais com as medidas tomadas pelas campanhas para frear o consumo de álcool e da vida noturna em tempo de comunismo de guerra.

O ano de 1926 se converteu em um ponto de inflexão. Uma apresentação do The Chocolate Kiddies (abaixo pode se ver um vídeo de uma apresentação sua em 1933) causou escândalo, devido ao suposto desafio da música ante aos valores morais e familiares que o stalinismo começara a estimular. O reconhecido dramaturgo Máximo Gorki escreveria anos depois que o jazz provocava “a imaginação involuntária de que (a música, NdR) é tocada por uma orquestra de maníacos sexuais, conduzida por algum tipo de garanhão manejando um falo gigante” (citado em Blues Notes from the Underground: Jazz in the URSS, Brianna Van Kan).

Apesar do que escreveu Gorki ser o mais conhecido, não seria o único, o coro de vozes contra o jazz alcançaria um ponto alto com a criação em 1929 da Associação Russa de Músicos Proletários, que tomaria o controle da produção musical na URSS, bloqueando financeiramente o desenvolvimento do jazz autônomo.

O pós-guerra

O período da Segunda Guerra se encontrou marcado por uma ligeira relação das políticas repressivas contra o jazz e a confraternização com as tropas norte-americanas, permitindo uma atualização do repertório musical que se encontrava atrasado depois de tantos anos de isolamento frente ao Ocidente. No entanto, este breve intervalo seria substituído uma vez finalizada a guerra pela terceira etapa das quatro que haviam sido definidas inicialmente.

A política de Stalin e de seus sucessores imediatos ficarão marcadas nestes anos (1945-1962) por uma forte proibição do jazz em todas as suas expressões, desde impedir a distribuição dos discos ou a detenção dos chamados stilyagi (jovens que eram parte de uma subcultura alternativa na qual a música ocidental tinha lugar central), até medidas mais extremas como a proibição de certas notas, ritmos ou sons associados ao gênero.

Em 1949, por exemplo, todos os donos de saxofone deviam apresentar suas composições e documentos ante a agência estatal que tinha como tarefa o controle da produção musical e, em todos os casos, os instrumentos foram confiscados pelas autoridades. Este exaustivo controle por parte do Estado foi mais forte na Rússia que em outras repúblicas, nas quais era possível mais liberdade dado que não existia um interesse estatal tão profundo em fazer valer tais tipos de regulamentações.

A explosão

É somente nos anos 60 que a política da URSS começa se abrir para a produção musical e em 1962 o selo da produtora estatal Melodiya lança seu primeiro disco de jazz. Este vai marcar o inicio da quarta e última etapa, que se estende até o final da União Soviética. Com o fim das restrições que previamente existiam na produção musical, o jazz por fim vai ter possibilidade de desenvolver-se. Isto provocou uma verdadeira explosão, com bandas e orquestras de jazz surgindo em todos os lados. Os músicos da época em geral mostravam um grande ecletismo, mesclando distintos tipos de jazz e de funk com ritmos folclóricos, gerando estranhas combinações. Em muitos casos mostram um grande profissionalismo e atenção pelo detalhe, algo muito importante para este tipo de música. Por sorte, muitos destes grupos deixaram registros e é possível hoje encontrá-los em vários sites da internet dedicados ao assunto, ou mesmo em canais do YouTube que se concentram na produção musical do Leste Europeu.

Tradução de Daniel Avec

 
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