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ENTREVISTA
Gabriel Mascaro fala sobre seus filmes
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Entrevistamos Gabriel Mascaro, jovem cineasta de Pernambuco, diretor de “um lugar ao Sol” e “Doméstica” e, recentemente, estreou o longa “Ventos de Agosto”.

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Esquerda Diário: Como surgiu a idéia de gravar “Um lugar ao sol” como um retrato das contradições sociais do Brasil?

Gabriel Mascaro: Quando tive a idéia de fazer o filme Um Lugar ao Sol, queria poder acessar excertos do imaginário deste grupo social que pouco havia conhecido, por ter crescido numa família de classe média baixa e por pouco ter visto filmes sobre. Mas resolvi fechar este dispositivo elegendo potenciais personagens que morassem em valiosas coberturas de prédio. Um filtro natural que desdobraria ainda uma reflexão que transcenderia a idéia de grupo social (evitando o olhar sociologizante), e abriria a possibilidade no filme de pensar sobre o modelo de cidades verticais que estamos construindo. Todos os meus verbos estão no futuro do pretérito porque terminou que eu não consegui acessar com expressividade o grupo social preterido. Resultou que apenas 8 personagens me cederam entrevistas e o filme termina por evidenciar a minha própria inacessibilidade.

Um Lugar ao Sol pode ser ousado, mas não é pretensioso. O filme não arquiteta uma representação classista e não se propõe a tratar os personagens como um bloco de cimento homogêneo. Mas sim sobre o tipo de sedimento ideológico que estamos construindo. É surpreendente perceber quantas variáveis influenciam na escolha desse modelo arquitetônico vertical de um segmento da classe média/alta e elite brasileira em viver em elevados prédios.

Mas o que mais me interessa nessa questão é indagar sobre o momento que essa busca deixa de ser uma opção social protecionista e passa a ser o sonho, o desejo real e irrefutável, tendo a ‘cobertura’ como utopia e plenitude. As crianças nascem imbuídas do sonho do apartamento próprio, com grande vista para o entorno, tendo todas as opções de lazer dentro do condomínio e toda experiência comunitária dentro dos muros do prédio. E esse sonho é vendido diariamente pelas construtoras e pouco paramos para pensar sobre a cidade que queremos viver.

Esquerda Diário: Escancarar a hipocrisia dos que tem seu lugar ao sol garantidos em nosso país levou a muitas polêmicas em torno do método de gravação, assim como processos por parte dos próprios entrevistados. Como você encarou tudo isso?

GM: Eu não faço filmes necessariamente para agradar os personagens que eu filmo. É muito natural este desconforto pós lançamento.

Esquerda Diário: “Doméstica” foi lançado um pouco antes da grande repercussão da PEC das Domésticas. Como você vê a situação das trabalhadoras domésticas no Brasil e qual a ligação desta questão social mais ampla com o objetivo deste documentário?

GM: Eu me preocupei em adentrar na complexa relação de afeto e trabalho entre os jovens que assumiram a missão de registrar o cotidiano de suas empregadas. É a intimidade truncada das relações que me interessava como potência de olhar. Os jovens me entregaram as imagens brutas e a partir disso eu fiz um filme. É neste momento que eu deixo escapar a minha leitura subjetiva na “organização” das imagens.

O desafio da direção, neste filme, diferente do que gritar “ação” e “corta”, foi partilhar as subjetividades, agendar os encontros, elaborar os procedimentos de forma que este risco da imagem filmada pelo outro me trouxesse surpresas, inquietações… A idéia foi desafiar os jovens a uma inversão de olhar, neste caso, a observar por uma semana a pessoa que, em muitos casos, o observou pela vida inteira. E nesta semana de redescoberta do olhar, proporcionar uma re-negociação de papeis.

Esquerda Diário: Em “Doméstica” a última história parece ser a culminação, ou uma grande conclusão, das contradições de classe que convivem em todas as relações entre patroa e empregadas, mesmo quando estas personagens eram amigas de infância. Que papel você vê pra essa história e particularmente para a presença neste filme da mulher negra explorada?

GM: Em geral a agenda das empregadas domésticas se confunde com a agenda política da mulher negra no Brasil. Infelizmente cultivamos em nosso país esta relação de exploração da força de trabalho através dos laços afetivos e domésticos deste a escravocracia brasileira. Porém o que mais me interessa no filme é a capacidade de fabular sobre a negociação da imagem empreendida entre os jovens e as empregadas, cada um a seu modo. Se os jovens aproveitaram uma relação de poder dada para adentrar na intimidade da empregada, ou se as empregadas usaram este artifício audiovisual na relação para se auto-ficcionalizar, o que me deixa feliz é a potência dessa imprecisão que emana no filme do início ao fim.

O único contato que tive com as empregadas foi através das imagens brutas filmadas pelos jovens. A tensão do filme está neste descentramento das relações negociais da imagem. Mas as imagens foram usadas com bastante cuidado, critério e proposição. É na ressignificação dessas imagens que surge um novo olhar, neste caso, o meu encontro com os jovens e com as empregadas. E não tem como negar que o filme é também este meu encontro afetivo e político com o resultado dessas imagens brutas.

Esquerda Diário: Recife tem trazido muitas surpresas boas para o cinema nacional. Qual a sua opinião sobre o cinema atual em Recife e as raízes do mesmo?

GM: Acho que estamos vivenciando em Pernambuco um processo muito saudável que mistura projetos de filmes ousados e originais, que se somam a um investimento consistente por parte da política pública de cultura que tem valorizado a produção independente no âmbito estadual com o Funcultura.

Esquerda Diário: Como você enxerga os processos que sacudiram o país no ano passado, as chamadas jornadas de junho, e suas consequências também no âmbito da cultura e da arte?

GM: Mais do que uma contribuição política com resultados pragmáticos e diretos, acho que as jornadas marcaram radicalmente o imaginário da política brasileira. Elas atualizaram o espírito de participação política e aprontaram a crise representação política cristalizada no Brasil através de partidos políticos que estão em quase total descolamento da população. Estou com um trabalho na Bienal de SP que se chama “não é sobre sapatos” e aborda este tema.

 
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