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SÍRIA
A geopolítica da guerra civil na Síria
Claudia Cinatti
Buenos Aires | @ClaudiaCinatti

As alianças instáveis e a sobreposição de múltiplos conflitos (étnicos, religiosos, geopolíticos e sociais) que caracterizam a guerra civil na Síria parecem desafiar uma premissa fundamental de toda guerra, que começa pela distinção “amigo-inimigo”. Suficiente com uma breve revisão dos lados que se enfrentam.

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Por um lado está o regime despótico de Bashar al Assad, apoiado pela Rússia, Irã, o Hezbollah libanês e milícias xiitas do Iraque.

Por outro, os chamados “rebeldes”, um conjunto de várias dezenas de grupos – laicos, islamitas moderados e salafistas - que na maioria das vezes competem entre si pelo controle territorial. Dentro da oposição a Assad, as principais forças são o Exército Livre Sírio (apoiado inicialmente por Turquia e Estados Unidos), o Exército da Conquista ( onde está a frente Al Nusra, que há pouco tempo era uma filial da AL Qaeda, apoiado pela Arábia Saudita e Qatar) e o Estado Islâmico, o ISIS, que desfez a fronteira entre Iraque e Síria e fundou um califado.

O terceiro componente da disputa é a minoria Kurda, dirigida majoritariamente pelo Partido União Democrática, ligado ao Partido dos Trabalhadores do Kurdistão da Turquia. A posição da minoria Kurda é ambígua: foi duramente perseguida e oprimida sob o regime do partido Baaz. Porém, neste conflito, Bashas al Assad decidiu resignar o controle de Rojava ( o Kurdistão sírio ao norte do país na fronteira com a Turquia) para concentrar suas forças em combater os opositores árabes. E os Kurdos se concentraram em combater aos agentes da Turquia e ao Estado Islãmico, ajustando suas alianças táticas à estes objetivos, o que incluiu em várias oportunidades, a colaboração objetiva com o Exército Sírio.

Desde agosto de 2014, o conflito está sobredeterminado pela guerra contra o Estado Islãmico, dirigida por uma coalizão sob mando dos Estados Unidos, travada tanto no Iraque como na Síria.

Nos documentos, tanto Rússia como Turquia combatem o EI, ainda que em lados distintos da guerra civil.

Na realidade, a Rússia tem utilizado a “guerra contra o terrorismo” para fortalecer a posição do regime de Assad, bombardeando aos opositores inclusos nos grupos que apóiam os EUA.

Turquia tem mantido uma política de tolerância com o El porque isso lhe era funcional ao seu principal objetivo que é evitar que surja uma entidade kurda autônoma em sua fronteira. Por trás destes entrecruzamentos se somam conflitos estruturais: a guerra fria entre Irã e Arábia Saudita e a disputa estratégica entre Estados Unidos e Rússia.

Empate Catastrófico

O resultado é um atoleiro militar e diplomático. Assad não pode ganhar a guerra porém conseguiu sobreviver, e graças à ajuda da Rússia e Irã tem se firmado em Damasco e seus bastiões costeiros, desde onde tenta avançar sobre zonas sob o controla de oposição.

Talvez nada ilustre melhor esta situação do que o “sítio gêmeo“ sob o qual se encontra Alepo, uma cidade com valor estratégico e simbólico, que em grande medida pode determinar o resultado da guerra civil.

Ainda que se tenha incorporado tardiamente o levantamento contra Assad, Alepo se transformou em um dos centros da oposição ao regime. Desde 2012, está dividida: o oeste está controlado pelo governo, e o oeste por opositores que incluem frações rivais principalmente o Exército livre Sírio, e a Frente Al Nusra ( o Estado islâmico teve uma breve incursão aproveitando a divisão dos “rebeldes” porem não pode estabilizar uma zona de controle. Para complicar ainda mais o panorama, as milícias kurdas da Unidade de proteção Popular, sob o guarda-chuvas das Forças Democráticas da Síria (cujo principal aliado são os EUA) disputam o controle de bolsões ao norte da cidade, com o objetivo de dar unidade à cidades e províncias que formam o Kurdistão Sírio.

Neste complexo jogo de xadrez, foi a coalizão Pró Assad a que decidiu romper o empate catastrófico, ainda que sem exército. No fim de Julho, o exército sírio, apoiado pela aviação Russa e por milícias xiitas provenientes do Irã, Iraque e Líbano, lançou uma ofensiva militar sem precedentes, deixando ilhados os bastiões opositores de seus centros de reaprovisionamento e pôs sob cerco em torno de 300.000 civis que ficaram presos nesta zona de guerra.

No início de agosto os “rebeldes” anunciaram que haviam destruído o cerco oficial e conseguido fechar as vias de abastecimento do exército sírio. Segundo informes da imprensa internacional, a força decisiva para conseguir quebrar a ofensiva oficialista foi o chamado Frente para a Conquista do Levante (Jabhat Fatah al-Sham, ex Al Nusra, ex Al Qaeda) que se fez amplamente popular.

Uma situação similar ocorre em Hasaka, ao nordeste do país, onde se tem destruído o status quo entre as milícias kurdas e o exército sírio que durante anos se dividiam no controle da cidade.. Pela primeira vez no curso da guerra o exército sírio bombardeou grupos kurdos. Este enfrentamento é potencialmente perigoso porque pode, inclusive de maneira acidental, envolver aos Estados Unidos e Rússia, o que mudaria o caráter da guerra.

O provável ataque do Exército Livre Sírio na cidade de Jarabulus, um dos últimos bastiões do Estado Islãmico na Síria, próximo à fronteira com a Turquia, parece responder ao duplo objetivo de Erdogan: combater ao El e limitar a expansão kurda, o que mostra mais uma vez as contradições das alianças dos EUA.

Alianças móveis. A foto e o filme.

A guerra civil na Síria está antecipando transformações e realinhamentos geopolíticos, que se bem ainda são instáveis, poderiam tender a consolidar novas alianças diante da debilidade da liderança estadunidense.

Descartada a intervenção militar direta, a exceção dos bombardeios aéreos, a política do governo de Obama é buscar um asaída diplomática. Isso é o que tem tentado John Kerry com as falidas cúpulas de Genebra e com as intenções de coordenar ações militares com a Rússia, apesar da oposição do pentágono, o que mostra a divisão no interior do próprio governo do Partido Democrata Estadunidense. O problema que tem esta solução para os EUA é de que a Rússia, mais por debilidade norteamericana do que por força própria, tem a chave de qualquer eventual negociação e considera que o tempo e o prolongamento do conflito jogam a seu favor. Em síntese, Estados Unidos não podem entregar o triunfo a Putin porém tampouco têm com que dissimular o feito de que ao haver iniciado na intervenção militar, salvo grandes modificações nas condições, Rússia de certa maneira já ganhou.

Outro evento preocupante para os EUA é a colaboração entre Rússia e Irã, que permitiu que aviões russos utilizassem uma base militar em seu território, algo inédito para um país estrangeiro desde a revolução de 1979, ainda que nos últimos dias Irã tenha declarado que este apoio não continuaria. A aproximação entre estes dois países parece exceder o conflito sírio. Em meados de Agosto se realizou um encontro entre Rússia, Irã e Azerbaijão, onde se voltou a discutir o desenvolvimento de um corredor comercial que una aos três países. Além disso, no Oriente Médio seus interesses são divergentes, e a Rússia não está disposta a ser parte do enfrentamento xiitas-sunitas alinhada com Irã, se aspiraria incorporar a este país à Organização de Cooperação de Xangai, um fórum de países não ocidentais que dirige junto coma china.

Turquia que foi a principal sustentadora dos opositores a Assad, decidiu revisar sua política na Síria, que vista desde os resultados foi um fracasso: Um saldo de 2,5 milhões de refugiados e um custo de 20.000 milhões de dólares. Alguns analistas comparam a posição da Turquia com a do Paquistão, no que se refere ao conflito no Afeganistão, com isso querem dizer que o Estado Islãmico têm se transformado em uma problema interno da Turquia e que agora buscará lhe fazer pagar caro o abandono da política de tolerância. A isso responde a sequência de atentados terroristas em solo turco.

Por hora, o presidente Erdogan está fortalecido e utilizando o golpe falido para consolidar seu giro para um regime autoritário, liquidar aos opositores e submeter a minoria kurda. Segundo os meios locais sua popularidade por haver derrotado aos golpistas subiu aos 67%, o que lhe dá mais margem para seguir com o expurgo sem precedentes ao exército, o estado. Os meios de comunicação e as universidades.
O plano externo, com a reaproximação de Moscou ao Irã, Erdogan tenta superar a situação de isolamento internacional em que havia ficado o país, por trás do incidente com o avião russo em novembro do ano passado.

As relações entre Turquia e Estados Unidos estão em um momento crítico. Erdogan crê que os EUA estão envolvidos em alguma medida no intento falido do golpe de estado de 15 de julho passado, ao menos foi o que deixou escapar Fethullah Gulen, ex clérigo exilado na Pensilvânia, acusado de ser o promotor do golpe militar. Nas vésperas de sua viagem a Moscou ensaiou uma retórica com fortes tons antinorteamericanos. Tem a seu favor o atraso de três horas dos EUA para respaldá-lo na noite do Golpe.

No entanto, podemos aguardar que Erdogan será capaz de manobrar entre Rússia e Estados Unidos ou se ficará afogado entre estes dois gigantes. Além do mais, o expurgo por trás deste golpe está debilitando ao exército , que se pode encontrar incompreendido se continua com a tarefa de combater a existência kurda e frear a ameaça do Estado Islâmico. Em princípio, nada indica que esteja revisando sua aliança estratégica com estados Unidos nem menos ainda seu pertencimento à OTAN. A visita do vicepresidente norteamericano Joe Biden parece ter a intenção de recompor laços.

As próximas eleições norteamericanas agregam um a importante cota de indecisão. É quase impossível imaginar qual seria a política exterior de Donald Trump se chegar a ser eleito, o que parece muito pouco provável. O homem tem se dedicado a elogiar Putin e perguntado porque os EUA não poderiam utilizar seu armamento nuclear para varrer do mapa o EI. Pouco sério.

Se a próxima presidenta for Hillary Clinton, o que é altamente provável, deve anunciar uma política mais intervencionista que a de Obama. Não por a acaso ela é considerada parte da ala dos Falcões do establishment.

As guerras civis reacionárias como da Síria ou Yemên, as intervenções imperialistas, a restauração de regimes ditatoriais como no Egito, o surgimento de fenômenos assustadores como Estado Islãmico, são produto da derrota dos levantamentos da Primavera Árabe, com exceção parcial do processo em Túnez. Porém, não são um problema do Oriente Médio. Suas conseqüências , recentemente têm se instalado no coração do ocidente, sobretudo em países com grandes comunidades de origem muçulmana. A crise dos refugiados na União Européia, a sucessão de atentados terroristas e atrozes na França, Bélgica e outros países tem importantes efeitos no mapa político, justificando giros autoritários de governos, como o de Hollande na França diante a imponente luta contra a reforma trabalhista, ou fortalecendo variantes da extrema direita, que manipulam os meios de amplos setores da população a favor de suas políticas racistas e xenofóbicas.

Estes são sintomas de que estamos em uma nova etapa de convulsões sociais e políticas, nas quais se espera as saídas “cesaristas” burguesas, as guerras, mas também as revoluções.

Tradução: Zuca Falcão

 
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