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ESPECIAL 76 ANOS DE TROTSKY
Organizador coletivo contra a guerra imperialista: o periódico ‘Nashe Slovo’ de Trotsky
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy
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Viemos discutindo a importância do periódico militante “não apenas como propagandista coletivo ou agitador coletivo, mas como organizador coletivo”, para dar vida à rede internacional Esquerda Diário, inspirada de forma apaixonada na concepção leninista sobre o papel do jornal ligado à construção de um partido de vanguarda com influência de massas, nos termos e com os meios do século XXI.

Quanto mais se avança na história do movimento operário do século XX, mais claro fica que a iniciativa de Lênin com o Iskra, (e de maneira mais importante com o Pravda, que envolvia a concepção de um diário feito pela classe trabalhadora) de criar um periódico revolucionário que assentasse as bases para uma organização centralizada do marxismo russo, foi um exemplo que guiou táticas de construção semelhantes em distintos momentos da luta de classes. Clara como a luz do dia, também, é a constatação de que a esquerda atual, que fala tanto sobre o “Que Fazer?” de 1902, não entendeu a idéia de Lênin.

Dois anos depois da inauguração do Pravda russo, na França se começava a editar um periódico que teve como disparador a batalha contra um evento de importância histórico-mundial: a Primeira Guerra. Em tais circunstâncias, emigrados russos bastante pouco conhecidos fundaram um modesto periódico em língua russa, Goloss (A Voz), que para escapar da censura militar teve de modificar o nome para Nashe Slovo (Nossa Palavra). Sua tarefa: informar os milhares de proletários abandonados por suas direções socialistas acerca da guerra e ajudá-los a se orientar na batalha contra o militarismo burguês.

Seu editor era Leon Trotsky.

As causas profundas da guerra e da decadência da socialdemocracia

Durante todo o período prévio a 1914 se desenvolveu fortemente o movimento operário e socialista. A Segunda Internacional fundada por Friedrich Engels lutava contra o militarismo burguês, que nas décadas finais do século XIX promoveu majoritariamente guerras de conquista contra os povos coloniais da Ásia e da África, avançando a partilha do mundo pelas potências capitalistas. A ação dos socialdemocratas da II Internacional (antes de 1910) por vezes impediu que um conflito europeu detonasse entre as potências rivais. Isso porque a burguesia se encontrava em uma disjuntiva: por um lado, a guerra era uma necessidade sua, seja para manter ou melhorar a posição de seu próprio Estado nacional frente aos demais; mas por outro lado, poderia abrir uma caixa de Pandora, onde o internacionalismo e a agitação antimilitarista da classe operária pudessem terminar desencadeando a revolução.

Entretanto e ao mesmo tempo, a maior parte da atividade da Segunda Internacional (e de seus dirigentes mais destacados como Karl Kautsky, August Bebel e Eduard Bernstein) se desenvolveu durante o período de retrocesso que se seguiu à derrota da Comuna de Paris em 1871 até a primeira revolução russa em 1905. O capitalismo recuperava seu poder e as organizações operárias cresciam quase que automaticamente, e o “objetivo final a conquistar a qualquer custo”, ou seja, a revolução social e proletária, sustentava uma existência meramente acadêmica. A frase de Bernstein: “O movimento é tudo, o objetivo final é nada” caracterizou a mentalidade da socialdemocracia européia durante todo o quarto de século que antecedeu a guerra.

Isso possibilitou que a burguesia se ocupasse preparatoriamente de “embotar o fio” revolucionário e internacionalista dos partidos socialdemocratas. Mediante concessões, reformas e a corrupção de um setor dos dirigentes sindicais e partidários gerou uma aristocracia ou burocracia operária que se separava crescentemente das bases e atava seu destino e o destino das conquistas e recursos das organizações de trabalhadores à sorte de seu Estado capitalista nacional.

Como resultado disto, quando chegou o momento decisivo de opor-se à guerra mundial declarada, a maioria dos dirigentes dos partidos socialistas e dos sindicatos, muito pelo contrário, traiu suas promessas e apoiou o governo de seu respectivo Estado nacional, votando os créditos de guerra pedidos pelos políticos burgueses nos parlamentos, como aconteceu com notoriedade nos dois países com os partidos socialdemocratas mais importantes: a Alemanha (4 de agosto de 1914) e a França.

Semelhante traição deixou a classe operária momentaneamente estupefata, desorientada e sem dirigentes. O dirigente socialpatriota suíço, Greilich, afirmara então que “como eles são mais fortes que nós, a internacional deve deixar de existir”. O partido socialdemocrata austríaco, enlameado dos pés à cabeça pelo patriotismo burguês, estampava nos jornais que “os trabalhadores não se interessam em absoluto pelo internacionalismo”. Victor Adler, chefe da redação do Arbeiter Zeitung (jornal dos socialistas austríacos) definia tudo o que concernia à questão internacional como “a política do prestígio”, no seio de um partido dividido em dezenas de camarilhas nacionalistas.

Somente a ala esquerda do movimento socialista, minoritária, perseguida e isolada, continuou remando contra a corrente, mantendo de pé os princípios do marxismo revolucionário e do internacionalismo proletário. Vladimir Lenin, León Trotsky, Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht, Franz Mehring, entre outros, foram seus principais dirigentes. Submetidos durante a guerra ao cárcere, à repressão e ao exílio, tomaram a peito o lema “O inimigo principal está no próprio país!

Organizador coletivo contra a guerra e por uma nova Internacional

Nestas circunstâncias, o Nashe Slovo se esforçava em esclarecer os acontecimentos da guerra ao socialismo internacional e batalhava para desenvolver a solidariedade internacional dos trabalhadores, que o patriotismo imperialista e as burocracias socialdemocratas buscavam enterrar. Seus dois primeiros articuladores foram Antonov Ovseenko e Dmitri Manuilsky, responsáveis pelas crônicas diárias sobre a guerra e a tradução e interpretação dos telegramas enviados do front.

Qualquer pessoa, dotada de senso comum, poderia pensar que era impossível editar um periódico revolucionário cotidiano nas condições da guerra, na capital de um imperialismo central como a França, pelo chauvinismo raivoso e a censura militar. E de fato o periódico passava por dificuldades materiais e técnicas que cresciam sem cessar. Apesar de tudo, esta publicação teve o mérito de ter apenas breves interrupções, e continuou existindo até a revolução russa de 1917.

Organizavam-se concertos, espetáculos e festas em benefício do periódico e também buscavam-se fundos através da loteria. Antes da saída do primeiro número restava em caixa 30 francos. Uma vez por semana, segundo relatos do próprio Trotsky, parecia que o periódico não sobreviveria às exigências financeiras. No entanto, sempre aparecia uma solução. “Os tipógrafos ficavam sem comer, Antonov Ovseenko levava seus sapatos esburacados a penhor, e novamente o milagre se cumpria! O número seguinte saía”. O principal recurso provinha das festas organizadas pelo diário. Com o fim de acabar com a empreitada dos revolucionários, a prefeitura de Paris proibiu os festivais; as doações apenas aumentaram. Talvez a anedota mais curiosa seja a de um russo, Chakhov, simpatizante do Nashe Slovo, que enviou 1100 francos acompanhados da frase “contra a arbitrariedade”: a soma equivalia à maior arrecadação feita pelo periódico numa festa.

A batalha ideológica do periódico não se confinava ao repúdio à guerra. Era necessário reconstruir a ferramenta mundial da revolução socialista. Diante da bancarrota da II Internacional, a 1º de março de 1916 o Nashe Slovo se deu a tarefa de avançar na organização das bases de uma nova Internacional revolucionária no marco da luta revolucionária do proletariado de todos os países contra a guerra e o imperialismo (antecipando programaticamente o surgimento da III Internacional em 1919).

Para isso, a linha editorial promovida por Trotsky privilegiava um combate sem trégua ao socialpatriotismo (contra as tendências “socialistas de palavra, patriotas na ação”). Cumpre dizer que tanto Lênin quanto Trotsky eram ainda nesse momento parte da II Internacional como sua ala esquerda, organizada na Conferência de Zimmerwald em setembro de 1915. O Nashe Slovo, em consonância com as resoluções do encontro, exigia uma ruptura total com os estados maiores socialpatriotas e uma luta impiedosa contra eles, depurando as fileiras da socialdemocracia russa daqueles mais ardorosos na defesa da “pátria grã-Russa”. A primeira conseqüência se deu dentro da redação do próprio periódico, com a saída de Martov, que não estava convencido da quebra da II Internacional e esperava revivê-la ao fim da guerra.

Batalhando pela unidade internacionalista do movimento operário, o periódico conseguiu uma rede de correspondentes na Inglaterra, na Suíça, na Itália, nos Estados Unidos e na Austrália, assim como entre os trabalhadores russos emigrados em Paris, Londres e Zurique.

Esse desenvolvimento possibilitou a aproximação cada vez maior entre o Nashe Slovo e o periódico editado por Lênin em Genebra, o Sozial-Demokrat. O trabalho dos dois periódicos, de fato, foi o “laboratório” que aproximava cada vez mais as posições entre Lênin e Trotsky, mesmo antes do início da revolução russa em 1917.

Havia, ainda, dois pontos de desacordo entre eles. Estes dois pontos diziam respeito à política do derrotismo revolucionário, à luta pela paz e o caráter da revolução que se avizinhava na Rússia. Enquanto o periódico de Lênin propugnava o derrotismo revolucionário que significava que o proletariado, em sua luta contra seu próprio governo, não devia deter a luta de classes diante da eventualidade de uma derrota militar de seu próprio país, uma vez que uma derrota militar facilitaria o avanço da revolução. É a conseqüência da brilhante linha estratégica de “transformar a guerra imperialista em guerra civil”. O Nashe Slovo não aceitava esta consigna, e delineava uma política menos clara na luta pela paz, ainda que promovendo a luta revolucionária. Por outro lado, o Nashe Slovo defendia que o objetivo do partido russo era a tomada do poder pelo proletariado em nome da revolução socialista, enquanto a fórmula de Lênin, ainda então, era a imprecisa álgebra da “ditadura democrática de operários e camponeses”.

A revolução de fevereiro da Rússia varreu essas diferenças e uniu definitivamente os dois chefes da insurreição de Outubro, assim como da direção da III Internacional, a Internacional Comunista, em seus 5 primeiros anos (1919-1923).

Organizador coletivo nos nossos tempos

Este exemplo do papel do periódico revolucionário transcende as fronteiras históricas pela sua importância. Foi um dos núcleos para a formação dos militantes do partido bolchevique. Era a materialização audaz, em condições extremamente adversas, da batalha dos marxistas revolucionários em orientar a construção de um pólo político revolucionário e antiimperialista em meio à queda da II Internacional diante da guerra. Trotsky pronuncia-se pela luta irreconciliável das classes em tempos de guerra, contra a “paz social” que impunha o imperialismo, colocando acento em forjar uma corrente de trabalhadores que militasse contra a opinião pública patriótica e pela derrubada de seus governos capitalistas.

Aprendendo com os mestres, dirigimos nossos esforços na construção da Rede Internacional Esquerda Diário, convidando todos a que participem ativamente como correspondentes deste projeto que busca erguer, com os meios e recursos tecnológicos atuais, correntes revolucionárias no movimento operário, no movimento de mulheres, na juventude e na intelectualidade, como parte de construir partidos revolucionários a nível nacional e internacional, condição para um “trotskismo 2.0”.

 
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