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TEORIA
Dialética e marxismo: o jovem Hegel
Juan Dal Maso

Continuamos a série de marxismo e dialética com um discorrimento resumido pelas origens do pensamento de Hegel (1770/1831), figura central do idealismo alemão.

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O surgimento e potente desenvolvimento do idealismo alemão é inseparável da política do despotismo esclarecido da segunda metade do séc. XVIII. Nos referimos, em especial, a Frederico II da Prússia, que durante seu reinado (1740-1786) instituiu uma série de reformas a fim de modernizar o Estado, evitando desse modo o surgimento de um movimento iluminista radicalizado como o que dera sustentação ideológica a Revolução Francesa. Suas ideias, algumas delas bem expressas por Kant em seu conhecido texto “O que é o iluminismo? ”, poderiam ser resumidas em: educação do povo, liberdade de consciência contra o predomínio da igreja, redução dos abusos de autoridade, abolição da tortura, reconhecimento da igualdade ante a lei, entre outras.

Entre as reformas promovidas por Frederico II inclui-se a conformação de um sólido sistema educativo e o fomento das ciências e das artes. Esta política teve como resultado o desenvolvimento de amplas camadas da intelectualidade, com muito tempo para pensar e poucas coisas para fazer, dado o caráter “primitivo” do desenvolvimento capitalista alemão.

Entre essas camadas de intelectuais, no final do séc. XVIII, terminaram seus estudos no seminário de Tübingen três jovens que fariam história na filosofia e na literatura alemã: Schelling e Hegel, que seriam figuras destacadas do idealismo alemão e Hölderling, quem fora um grande poeta reconhecido até a atualidade. A cena filosófica alemã estava dominada por Kant, que havia tentado desenvolver uma filosofia crítica que superara os limites do racionalismo e do empirismo. Em 1794 havia-se publicado a Doutrina da Ciência de Fichte, que preconizava um idealismo subjetivo.

Na carta a Schelling, enviada em 16 de abril de 1795, Hegel confessava a seu amigo: “Do sistema de Kant e de seu último aperfeiçoamento espero uma revolução na Alemanha, baseada nos princípios que já estavam ali e somente necessitam ser elaborados universalmente e ser aplicados a todo o saber anterior. ” Perseguindo este ideal, Hegel daria lugar a um dos sistemas de pensamento mais complexos e formidáveis de toda a história da filosofia.

Seguindo a periodização proposta pelo marxista húngaro György Lukács em O jovem Hegel, o desenvolvimento do pensamento juvenil de Hegel pode sintetizar-se em quatro períodos: um primeiro período chamado “teológico” (Berna, 1793/96), um segundo período de crise de seus conceitos sociais e começo de seu “método dialético” (Frankfurt, 1797/1800), um terceiro período de fundamentação do “idealismo objetivo” (Jena 1801/1803) e um último período de ruptura com Schelling e publicação da Fenomenologia do Espírito (Jena 1803/1807), considerada a primeira obra de Hegel “maduro”.

O primeiro período (Berna 1793/1796) está caracterizado pela reflexão sobre alguns dos tópicos relacionados com o pensamento Iluminista, em chave teológica e histórico-politica, dentro de um marco republicano: a crítica do cristianismo como expressão da decadência da sociedade moderna, a reivindicação das velhas republicas porque não estavam afetadas pela divisão entre homem público e privado (cidadão e burguês). Nesta perspectiva, enquanto a religião da antiguidade era uma religião da liberdade que unia o indivíduo com a comunidade através de festas populares e outras instancias coletivas, o cristianismo era uma religião “positiva” (neste sentido de algo “posto” como objetivo e externo ao povo), própria do homem privado, o despotismo e a servidão. A própria evolução conservadora da Revolução Francesa e a desolada realidade alemã imporiam, em seguida, uma “reconciliação” de Hegel com o cristianismo, que contraditoriamente o levaria a chegar mais próximo de uma concepção dialética, como veremos.

Durante o segundo período (Frankfurt, 1797/1800), Hegel irá dar uma reviravolta desde as questões sociais e históricas até as mais especificamente filosóficas, mantendo como núcleo comum com o período anterior a questão da contradição entre indivíduo e comunidade própria da sociedade burguesa. Trata estes temas em diversos textos, dos que se conservaram apenas fragmentos. Assim mesmo, encara alguns problemas políticos da Alemanha de sua época. Em um texto sobre os conflitos constitucionais em Württemberg reformula a noção de “positividade”, que em seus textos de Berna caracterizava o cristianismo, para estendê-la a explicação de como um conjunto de normas – neste caso o ordenamento constitucional desse ducado – se tornam obsoletas mediante um processo histórico, de modo tal que uma instituição não é “positiva” (no sentido assinalado acima) por si mesma, senão esta poderá entrar em contradição com as mudanças que se dão na realidade.

Em A Constituição Alemã critica a divisão de seu país e questiona a soberania territorial dos principados e suas constituições como um triunfo do princípio feudal sobre o Estado. Hegel desenvolve também um estudo crítico da ética de Kant, a que coloca em questão por não levar em conta o homem “inteiro” e propor uma moral “positiva” para o homem vivo, ao absolutizar o conceito de dever. Hegel persegue a alternativa de uma adequação da lei moral com a vida, caracterizada pela coalizão de deveres como ponto de partida da análise e orienta sua reflexão sobre os problemas morais até os sociais, destacando a noção de vida, como expressão de uma unidade contraditória da sociedade burguesa. Este período, no qual Hegel realizará, também, um estudo do Uma Investigação sobre os Princípios da Economia Política de James Steuart, culmina com a obra O espirito do cristianismo e seu destino, a mais destacada do período de Frankfurt, na que analisa o cristianismo como uma unificação na consciência (mas não na vida) da contradição entre indivíduo e sociedade burguesa. Também escreve um Fragmento de sistema que adianta algumas questões que tratará em seus escritos de Jena.

Durante o período de fundamentação e defesa do idealismo objetivo (Jena 1801/1803), Hegel trabalha muito próximo de Schelling, que em 1801 havia publicado seu “Sistema do Idealismo Transcendental”. Nessa obra, Schelling tentava complementar e desenvolver os argumentos expostos por Fichte em Doutrina da Ciência, mas caminhando em direção a uma filosofia da natureza. Hegel trilhava num sentido similar ao de Schelling. Em Diferença entre os sistemas de filosofia de Fichte e Schelling, assim como na Revista de Filosofia – que conduziu com este – Hegel destacava a necessidade da passagem de um idealismo subjetivo – que supõe um mundo “posto” pelo sujeito – a um idealismo objetivo, que sem deixar de dar primazia ao espirito sobre a matéria, reconheça a objetividade como um momento necessário do conhecimento filosófico. Mesmo com esta coincidência inicial, Schelling e Hegel manteriam diferenças importantes. Para Schelling, o acesso ao conhecimento do “absoluto” (um conhecimento total que une os planos do particular e do universal) era um processo de tipo imediato, dado por uma “intuição intelectual” de inspiração estética, enquanto que para Hegel era necessária uma “terceira solução” que fora mais além da compreensão das determinações parciais e o conhecimento imediato do absoluto (a totalidade). Em lugar da “intuição intelectual” Hegel destacava a necessidade da reflexão filosófica que constrói uma ordem progressiva até o conhecimento do absoluto. Durante estes anos também formularia sua ideia de um Estado que expressa o interesse geral frente a uma sociedade dividida em estratos que representam interesses particulares, mantendo a correlação característica de seu pensamento entre questões filosóficas, políticas e sociais.

Durante o período seguinte (Jena, 1803/1807) as diferenças com Schelling o levariam a aprofundar sua própria concepção filosófica, da qual ofereceria uma primeira exposição brilhante e muito completa em sua obra Fenomenologia do Espírito, a qual seria posteriormente objeto de crítica por parte de Feuerbach e Marx. No Prólogo dessa obra realizaria uma crítica impiedosa ao pensamento de Schelling e uma exposição de seu próprio método dialético, apresentando em seguida uma viagem pela experiência da consciência, que resume a história da humanidade em uma espécie de “odisseia” que alguns autores compararam com o Fausto de Goethe ou O Capital de Marx.

A ela nos referiremos em um próximo artigo desta série.

 
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