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TEORIA
Marxismo e Dialética
Juan Dal Maso

Uma passagem por alguns debates sobre o marxismo e seus fundamentos filosóficos. Na imagem: Hegel, Marx e Feuerbach.

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Se repararmos na atual situação do marxismo, a dialética é um de seus componentes mais desprestigiados. Durante os anos posteriores a Segunda Guerra Mundial, foi colada no centro dos holofotes a oposição entre marxistas hegelianos e estruturalistas até o ascenso da luta de classes dos anos 70 e sua posterior derrota. Logo veio uma maré “antidialética” que acompanhou a reação intelectual das décadas de retrocesso e restauração burguesa.

Alguns da esquerda (que como dizia um personagem do romance O Pêndulo de Foucault, terminou citando Nietzsche e Céline) buscaram um pensamento sem mediações (partido, soviets, Estado de transição) para conciliar o radicalismo intelectual com as condições da derrota. Por outro lado, para os direitistas, o repúdio a Hegel e a sua dialética foi uma maneira elegante de bater em Marx sem serem tachados como anticomunistas reacionários e dar por superada a polêmica com o marxismo.

Entretanto, falar do marxismo é falar também da dialética. Palavra complicada que muitas vezes tentamos explicar com um gesto dos dedos indicador e polegar, com a oposição de um sim e um não com a fórmula que introduziram os discípulos de Hegel (não muito em sintonia com o mestre): Tese, Antítese, Síntese. Se fala também de uma “lógica das contradições” ou de um pensamento do concreto.

Há muitos ângulos desde onde se pode considerar a relação do marxismo com a dialética. Repassaremos alguns.

O primeiro aspecto que explica a dialética é que há uma diferença entre essência (verdade das relações de exploração) e aparência (forma em que se manifestam as relações) que molda todo o sistema capitalista, no qual se expressa no caráter de aparência “livre” das relações de exploração econômicas. Nesse sentido, o marxista checo Kerel Kosik iniciava a muitas décadas sua grande obra Dialética do Concreto afirmando que a dialética trata da “mesma coisa”, mas que para chegar até ela é preciso um rodeio, destruindo o mundo da “pseudoconcretude”, toda uma série de práticas que escondem a essência das relações sociais capitalistas, apresentando como transparentes suas aparências imediatas, sacralizadas pelo sentimento comum.

Deste ponto de vista, a dialética no marxismo não se limita a um método de exposição progressivo dos elementos contidos, no qual os conceitos se vão completando e reordenando à medida que se chega em uma composição crescente de uma totalidade. Para poder fazer isto é necessário um ponto de partida dialético para a investigação (diferença entre essência e aparência, da qual se deriva a necessidade da ciência) e, por sua vez, uma concepção sobre as relações entre a teoria científica e a prática revolucionária, na qual a centralidade deste conceito filosófico-político molda os demais.

A respeito do lugar da dialética dentro do próprio corpo teórico do marxismo, o peso é imenso, as discussões que negam sua importância são relativamente limitadas e os detratores do foco dialético se veem obrigados a retroceder até Spinoza, Kant ou Galileu, que “em sua justa medida e harmoniosamente” podem ser resgatados através do próprio marxismo.

Não obstante, há muito mais debate quanto às possibilidades de estabelecer a dialética materialista como base para uma concepção (laica) do mundo. O marxista italiano Antonio Labriola, seguido nisto por outro Antonio, Gramsci, defendia no final do séc. XIX que “a filosofia da práxis” era uma concepção independente de correntes como as do positivismo e o darwinismo social, ao mesmo tempo que via o marxismo como uma teoria que “naturalizava” a história, assim como, em outros âmbitos, as ciências haviam estabelecido explicações materialistas e racionais de processos que antes se consideravam originados por causas externas (divinas). Desta forma, o marxismo (dialética incluída) ficava localizado como parte de um processo de secularização, modernização e progresso das ciências.

Durante o séc. XX, com o desenvolvimento de correntes tão distintas como as fenomenológicas e estruturalistas, se multiplicaram as posições a favor e contra a dialética.

Neste marco, movimentos diversos surgiram dentro do próprio marxismo: ora em direção a Marx, ora a Hegel, ora a Kant, entre outros e se desenvolveram dentro e fora do marxismo distintas posições sobre a questão da dialética que o marxista crítico Mihailo Markovic resumia do seguinte modo em sua obra Dialética da Práxis (1968).

“Existem três concepções da dialética que, em minha opinião, devem ser descartadas:

  • A) A dialética como doutrina ontológica acrítica das leis universais da natureza, da sociedade e do pensamento humano.
  • B) O outro extremo: total ceticismo sobre as possibilidades de existência de qualquer princípio metodológico geral ou pressupostos teóricos sobre o mundo humano como um todo.
  • C) Uma especificação da dialética tão estreita que a reduz em uma teoria e métodos especiais relativos unicamente à história humana, e que nega a possibilidade de aplicação à natureza e às ciências naturais.”

A “concepção A” corresponde ao stalinismo e seus “manuais” de filosofia. A “concepção B” abarca um amplo espectro de posições, cientistas profissionais (Markovic pensava neles principalmente), correntes irracionalistas, post e também academicistas que, permeados pelo “giro linguístico” se restringem aos discursos e perdem sua relação com a realidade como fundamento de fazer algum tipo de ciência. A “concepção C” a posições como a de Lukács e Sartre (em certa forma a de Gramsci se localiza em um espectro parecido, mas sua posição se parece mais com a de Markovic do que com a de Lukács).

Possivelmente hoje prima o ponto de vista englobado na “concepção B”. De fato, em certas universidades o que se ensina nos departamentos de filosofia é que a ciência é um discurso similar ao da religião e tem muitíssimo peso o enfoque “linguístico” do que é a verdade científica, entendendo este como um discurso sem relação com a realidade.

Contra este ponto de vista predominante, um marxismo dialético se embasa na crítica ao fetichismo e a “pseudoconcretude” da sociedade burguesa, na centralidade da práxis como subversão da velha concepção do que é a filosofia (entendida esta como uma atividade meramente contemplativa), em um método de exposição e progressão dos conceitos e conteúdo que pretende reconstruir uma totalidade por cima do foco dado as particularidades e partes unilaterais. Todos eles, fundamentos de uma concepção laica de mundo.

Para construir este enfoque, Marx se valeu da crítica da filosofia de Hegel e da de Feuerbach, assim como de outras correntes filosóficas relacionadas, em um movimento duplo. Apoiava-se na tradição do idealismo alemão enquanto defendia o papel ativo do sujeito, como na tradição materialista, ao reivindicar objetos reais e não ideais.

Mas esse será tema para os próximos artigos.

 
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