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BREXIT
A nova decadência da Grã-Bretanha não terá contornos pacíficos
André Barbieri
São Paulo | @AcierAndy

O triunfo do “Leave” (sair da União Europeia) no referendo de 23 de junho na Grã-Bretanha representou um terremoto político na Europa com repercussões globais. É talvez a máxima expressão até o momento do estado de ânimo “anti-establishment” que sacode o panorama político nos países centrais.

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Se é certo que a Grã-Bretanha há já muito não é uma potência econômica e militar como foi durante a Segunda Guerra Mundial (menos ainda em comparação com seu papel hegemônico no século XIX), o Brexit significa uma aceleração na perda de influência britânica no mundo. Apesar de ser cada vez menos acionada diplomaticamente nos conflitos mundiais, seu pertencimento à União Europeia a fazia parte das políticas vocalizadas pela Alemanha e a França. Era também a principal ponte de influência dos Estados Unidos nos assuntos europeus.

Entretanto, a principal relação dentro da Aliança Ocidental já não aquela entre EUA-Grã-Bretanha, mas entre Estados Unidos e Alemanha (como ficou claro no conflito da Ucrânia, principal conflito europeu desde a década de 1940). A saída da Grã-Bretanha do bloco europeu diminuirá ainda mais a significação dos britânicos para o governo norteamericano, uma modificação inédita ao qual será obrigada a adaptar-se a antiquíssima classe dominante inglesa.

Ademais, o resultado do referendo reabriu as tendências à desagregação do Reino Unido. A Escócia, onde venceu o “Remain”, já anunciou que não está disposta a aceitar o resultado e que tratará de fazer todo o possível para seguir pertencendo à União Europeia. Isto poderia implicar um novo referendo para separar-se da Grã-Bretanha, que diferentemente de 2014 tem mais possibilidade de triunfar porque toca a manutenção de sua posição europeísta que 55% dos escoceses decidiram apoiar. A Irlanda do Norte, que também decidiu permanecer, pode seguir o mesmo caminho.

Quanto à política interna, o partido tory (conservador) se tornou um vespeiro. Deve encontrar um sucessor para David Cameron, que renunciou depois do triunfo do “Leave” (sair da UE), e que não será o chefe da fração pró-saída dentro do partido, Boris Johnson, que disse não querer assumir o cargo de primeiro ministro. Dificilmente essa disputa se fará sem que se aprofunde a fratura entre os partidários do “Leave” e do “Remain” (permanecer).

Já o Partido Trabalhista (Labour) se encontra numa guerra civil. A ala direita do partido está aproveitando a derrota no referendo para eliminar Jeremy Corbyn, eleito como “renovação pela esquerda” da liderança trabalhista em 2015. A brecha entre a burocracia partidária e a base (sobretudo os jovens que garantiram o triunfo de Corbyn) se ampliou. Nos dois partidos de entrevêem possibilidades de divisão.

Neste quadro impregnado de problemas, as finanças poderiam talvez servir de bóia salva vidas para a burguesia britânica? Somente na medida em que uma palha serve de suporte a uma mosca. Como dissemos na coluna de Paula Bach, apesar da Grã-Bretanha ser a quinta economia mundial, representa apenas 3,9% da produção mundial. Longe das marcas atingidas pela revolução industrial do século XVII, em que como dizia um publicista conservador em 1826, a Inglaterra “produzia 4 vezes mais artigos de consumo que todos os continentes juntos”, em base a sua superioridade industrial e a opressão dos povos coloniais. A produtividade do trabalho inglês não cresce desde 2007, algo inédito no período do pós-guerra, em que a produção capitalista inglesa se beneficiou principalmente da ofensiva neoliberal da década de 1980 comandada por Margaret Thatcher. A brecha com a produtividade da França e da Alemanha aumentou, portanto: o Reino Unido tem a segunda pior marca de produtividade no G7 dos países ocidentais.

Com a situação da economia “real” em frangalhos, os mercados financeiros terão menos margem de atuação. Grandes bancos que compõem a segunda maior praça financeira no mundo – a City de Londres – como Morgan Stanley, Bank of America, Nomura, Barclays, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, podem repatriar atividades nos países da zona do euro, eliminando postos de trabalho e parte do poderio financeiro britânico. A muito provável desvalorização da libra dificultará as condições para fazer frente ao enorme déficit de conta corrente da Grã-Bretanha, e tornará mais caros os empréstimos, deixando a Ilha vulnerável à recessão. O desespero é tão irreprimível que um banqueiro da City teria dito que “a superconcentração de serviços financeiros em Londres causa grandes danos sociais. E daí se a redistribuição em outras praças financeiras na Europa acabarem com 500 mil empregos aqui?”.

Essa resignação – cuja frustração soa como um punho golpeando a mesa – compõe em certa medida o quadro da decadência inglesa dentro da falência do “grande empreendimento” que foi a União Europeia, o mais ambicioso plano da burguesia no pós-guerra fria. Isto está longe de significar a passagem pacífica de um imperialismo central a terceiro plano, como mostra a própria história do país.

Sua hegemonia industrial sobre o restante da Europa no século XIX amplificou o caráter destrutivo e militarista de sua decadência no século XX. Sendo uma escola industrial para a América e a Europa entre 1850 e 1880, começa claramente a fraquejar diante da emergência de novas potências. A Alemanha, em primeiro lugar, desfere duros golpes na dominação comercial inglesa depois da unificação. A eliminação da Inglaterra de seu posto de domínio mundial se manifestou ainda com mais clareza com a ascensão dos Estados Unidos, cuja enorme superioridade econômica se desenvolveu plenamente durante a I Guerra Mundial. Assim como a colaboração dos EUA com a Inglaterra foi a maneira provisoriamente “pacífica” em que a brecha entre os dois aumentava, um século depois dos abalos da guerra a saída da União Europeia pode preparar novos abalos geopolíticos para decidir a questão deste novo grau de decadência que tem implicações mundiais.

Em seu momento, o processo de declínio britânico na época imperialista custou duas guerras mundiais para concluir-se. Assim como fermentações de caráter revolucionário na classe operária, nos anos de 1911-1913, e no pós I Guerra entre 1917-1920, quando somente a burocracia sindical foi capaz de derrotar o ascenso dos ferroviários, mineiros e transportistas, papel repetido na grande greve geral de 1926.

Por trás das quedas nas Bolsas internacionais e os alertas do capital financeiro, é chamativo como a Grã-Bretanha absorveu os maiores golpes da Grande Recessão de 2008, ainda que ocultados sob a aparência de força pelo pertencimento à União Europeia imperialista e o paraíso financeiro que é. A campanha reacionária anti-imigratória deste referendo, em que nem o “Remain” nem o “Leave” expressavam qualquer alternativa progressistas aos trabalhadores, sublinha a violência com que se dará este processo de declínio. Frente a semelhantes atritos geopolíticos o ressurgir do neo-harmonicismo ou a teoria do desenvolvimento pacífico parece haver sido só uma expressão do suposto sonho de uma globalização harmônica ou a mera ilusão dos primeiros momentos da crise condenados a ficar para trás.

Só a teoria e estratégia do marxismo na época imperialista pode preparar conscientemente os trabalhadores e o povo para os grandes abalos que se avizinham nos próximos anos.

A unidade européia sob o comando do capitalismo se mostrou catastrófica para os trabalhadores e uma utopia reacionária. Mais que nunca é preciso colocar no centro a luta por uma saída operária e socialista à crise na perspectiva dos Estados Unidos Socialistas da Europa que supere a dicotomia a União Europeia imperialista e o “retorno à Europa das Nações” da extrema direita.

 
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