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INTERNACIONAL
Podemos: fracasso de estratégia e tambores de guerra interna
Diego Lotito
Madri | @diegolotito
Josefina L. Martínez
Madrid | @josefinamar14

Os decepcionantes resultados do 26J para as expectativas criadas por Unidos Podemos dão início a um áspero debate interno sobre as razões do fracasso, sua incapacidade de superar o PSOE e por que perderam mais de um milhão de votos desde o 20D.

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Juan Carlos Monedero foi um dos que atiraram a primeira pedra. A partir da sua posição como uma espécie de conselheiro “outsider” da direção – ou de “bobo da corte”, como se autoproclamou algumas vezes e ao rol de intelectuais em geral-, saiu rapidamente a questionar a orientação da campanha eleitoral, algo que não pode deixar de ser entendido como uma validação da posição da ala de Iñigo Errejón.

“Podemos tem sido refém do infantilismo e da crença nas pesquisas” que lhe garantiam o segundo posto, disse Monedero. Por isso um “resultado que é objetivamente espetacular”, afirma, “semeia a ideia de fracasso”.

Monedero questiona - atrasado, devemos dizer - uma campanha que buscou copiar os gestos e simbologia do PSOE de 82, apelando mais aos “sorrisos” que ao debate de programas, construindo “uma espécie de PSOE dois ponto zero”. Ideias “brilhantes” como fazer um catálogo de IKEA (sic), mas sem mostrar “os dentes aos culpados concretos das dores concretas”.

“Ao Podemos lhe falta rua. Falta-lhe mobilização popular, identificar-se nos problemas sociais, estar nos protestos dos trabalhadores”, assegura. Um balanço crítico que, sem dúvida, desvia do fundamental: ao Podemos não só lhe falta rua, mas toda sua estratégia se construiu em torno de tornar-se um partido midiático, assimilado ao regime político e aos poderes reais, conciliando com grandes empresários, banqueiros e militares. Não é questão de “ introduzir ativismo” ao Podemos, senão de questionar toda sua estratégia reformista, algo que Monedero não fez nunca.

Da derrota do 26J à guerra aberta?

“Um de cada cinco eleitores que estavam disposto a optar por Unidos Podemos (UP) decidiu ficar em casa ou se dedicar a outras atividades. A formação não foi derrotada por ninguém menos do que ela mesma e o terremoto do domingo pode desencadear novos sismo”. A análise, de Emmanuel Rodríguez, aponta às crises internas que já se abrem no Podemos.

O fracasso eleitoral dá mais voz ao “errejonismo”. Já se podia ver na cara de Errejón domingo à noite, assim como em suas declarações, que começou a guerra interna pelo balanço eleitoral, na qual Errejón e os seus já estão aproveitando o fiasco para reafirmar sua “hipótese populista” e prestar contas. Longe de se aliar com a Izquierda Unida (IU), dizem, o que se havia de fazer era desligar os dirigentes que bancaram a formação no território “entorpecido” da esquerda, começando pela confluência com a Izquierda Unida, porque eram votos perdidos.

Um membro do setor juvenil da ala errejonista, Iago Moreno, afirma sem papas na língua em sua conta de Facebook: “Não. O povo não é tonto. O povo foi muito claro, mais claro do que foram muitos e muitas nos seus dias. Este não é o caminho a seguir. Nos equivocamos no caminho a seguir (alguns e algumas já nos avisavam a tempos). Esse classismo esnobe, essa soberba ilustrada, é repugnante. Assumir que o povo tomou a palavra e disse que não se sentem identificados com esse projeto frentista e identitario, com essa sopa de siglas mal forjada. Com essa articulação ortopédica, míope e auto referencial. ”

“Perdemos um milhão e pouco de votos”, prossegue o membro de Jovenes em Pie (Jovens de Pé) – um agrupamento interno de estudantes de Podemos ligados a Errejon – “deixemos de choramingar e insultar nosso país e nos coloquemos a refletirr por que isso ocorreu. Escutemos. Coloquemos no centro as paixões, as esperanças e as ilusões de nossa gente, estendamos nossas mãos, e escutemos o que têm a dizer”. E conclui quase por pedir a cabeça de Iglesias: “Que demita quem tem que demitir.”

Nessa lógica, levada até o final, então foi mesmo uma opção negociar com o PSOE o apoio a sua investidura nos meses que seguiram ao 20D, como alguns sugeriam que se conversava entre bambalinas em Madrid ente errejonistas e socialistas.

Até agora nenhuma figura autorizada pediu a cabeça de ninguém, mas o enfrentamento entre os partidário de Iglesias e os de Errejón, ainda que estritamente oral, esse foi o máximo responsável da campanha eleitoral. Mas, ainda que por enquanto não tenha se desencadeado, a guerra interna dentro do Podemos já está fazendo rufar os tambores.

Da moderação à bipolaridade

No 26J Unidos Podemos obteve um milhão e cem mil votos a menos do que representava a soma do Podemos, das confluências e da Izquierda Unida no 20D. Com esse resultado, Unidos Podemos não só esteve longe da maioria de deputados, mas também em votos – uma hipótese contraria à que averiguavam todas as pesquisas. Mas, em especial, esses votos não foram para outras formações, pois optaram pela massiva abstenção.

A consolidação da formação gestada nos últimos dois anos é sem dúvida o pai desta “apatia do voto ao Podemos”, como a chama Emmanuel Rodriguez. Muito já recorreu à direita o Podemos, e em muito pouco tempo: desde o imaginário que pretendia ser continuidade do 15M, até as promessas de “pátria, lei e ordem” de Pablo Iglesias.

Uma espantosa postura de moderação programática e discursiva, que na última campanha adquiriu momentos de bipolaridades, como as insólitas referências cruzadas de Pablo Iglesias em seu discurso de encerramento da campanha, reivindicando por igual seus “avós e avôs socialistas”, os “militares progressistas como Riego ou como Torrijos” e os liberais e democratas da “Gloriosa”, junto à classe trabalhadora, Dolores Ibarruri e o Partido Comunista. Tudo santificado pela reivindicação de ser “a força política da lei e ordem” cujo objetivo era governar com os sociais liberais do PSOE como se este fosse um exercício de progressismo.

Os votos que perderam Carmena e Colau

A moderação não foi o único elemento atuante no blefe de domingo. A ilusão do Podemos deveu-se em igual medida à sua “presença institucional” no último ano, como parte de candidaturas cidadãs à chefia de governos municipais de importantes cidades como Madrid, Barcelona, Zaragoza ou La Coruña.

No 26J Unidos Podemos perdeu votos em todos os lados, inclusive nas cidades onde governam os desiludidos “ajuntamentos pela mudança”. 100.000 votos a menos em Madrid, 80.000 na Catalunha, 60.000 na Galicia. Toda uma demonstração de que as experiências municipalistas que tanto reivindicam em seus discursos Iglesias e os principais candidatos a campanha despertam muito menos ilusões que há um ano.

Governos da “mudança” que assumiram “graças” ao apoio do PSOE- que agora os mantêm diretamente, como no caso de Ada Colau em Barcelona- aceitando a limitação de suas opções de mudança como norma, enquanto renunciavam às medidas mais elementais de seu, já por si, limitado programa, deixando no caminho a reivindicação da remunicipalização dos serviços privatizados, o pagamento das dívidas, o problema de moradia.

Que esse municipalismo de gestão não tenha angariado a simpatia e os corações de centenas de milhares que lhes ofereceram a um ano não deveria surpreender a ninguém.

O conformismo como estratégia política

Em um artigo prévio às eleições que chamava a votar por Unidos Podemos, o filósofo Santiago Alba Rico escrevia: “Não me engano. Sei muito bem que coisas não vão fazer Unidos Podemos se ganhar as eleições: não vão acabar com o capitalismo, nem vão abrir as fronteiras, nem nacionalizar os bancos, nem nos retirar da OTAN, nem estabelecer a Republica, tampouco vão poder reformar a Constituição, convocar imediatamente um referendo para Catalunha, aprovar renda básica, opor-se a troika europeia; nem sequer poderão proibir os touros ou limitar significativamente a contaminação atmosférica...”

Talvez nessas palavras, escritas a alguns dias antes do 26J, se encontra de forma contrária as intenções de seu autor, uma das chaves do fracasso do Podemos. Tanta desvalorização do programa, tanta desvalorização das ilusões na mudança, tanto marketing sem contenção, terminaram desvalorizando suas ações eleitorais nas urnas.

As crises internas de Podemos- que recém começam a sobressair, mas recrudescerão mais rápido que canta o galo-, expressam as misérias próprias de uma organização tributária da vídeopolitica e sem nenhuma inserção orgânica na classe trabalhadora e nos setores populares.

É de se esperar que os partidos do regime busquem aproveitar a situação para fazer sangrar o Podemos, mas nesse processo estamos a ver que dentro do Podemos (como também da Izquierda Unida, que não abordamos nesse artigo, mas cuja crise é tão ou mais profunda) tendem a surgir setores que busquem uma alternativa política a sua esquerda. O que dependerá, como sempre, da luta de classes.

Tradução: Yuri Marcolino

 
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