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ASCENSO OPERÁRIO NO ABC
O 1968 operário no Brasil: a greve dos operários da Cobrasma
Alessandro de Moura
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As reflexões que apresentamos aqui são sínteses desenvolvidas na minha tese de doutorado defendida pela Unesp-Marília em agosto de 2015: Movimento operário e sindicalismo em Osasco, São Paulo e ABC paulista: rupturas e continuidades. Foi realizada com base em entrevistas coletadas com alguns dos principais operários que organizaram as greves em Osasco em 1968, com operários que construíram a Oposição Sindical Metalúrgica em São Paulo durante a década de 1970 e com operários que aturam nas greves no ABC no ascenso operário de 1978-1980. As entrevistas estão disponíveis no endereço: http://memoriasoperarias.blogspot.com.br/

Introdução

Em 1968 assistiu-se o início da ruptura com o equilíbrio derivado do acordo de Yalta que definia a divisão do mundo em zonas de influência, uma hegemonizada pelos EUA e outra hegemonizada pela URSS. Chegou-se ao fim do ciclo econômico do pós-segunda guerra, com o início de uma crise de acumulação capitalista em uma fase de depressão da economia mundial. O esgotamento do crescimento econômico internacional está na raiz do ascenso que começa em 1968 como uma ruptura inaugural com o equilíbrio de Yalta. Assim, o maio francês abre um novo ciclo político, foi um ensaio geral inicial que detonou a crise dessa ordem de domínio bipolar. Desdobrava-se uma nova fase de um ascenso revolucionário mundial que durou até 1981.

A comemoração do Primeiro de maio de 1968 na França mobilizou 100.000 manifestantes. No dia 10 de maio estudantes constroem 60 barricadas no Bairro Latino, foi "A noite das barricadas". As mobilizações operárias obrigaram as centrais sindicais da França à convocação de uma greve geral de 24h no dia 13 de maio que paralisa 450 mil manifestantes. Essa greve geral será a detonadora de uma série de outras greves com ocupações de fábrica que envolverá milhões de operários. Uma onda de greves, por fora dos sindicatos, varreu a França.

No dia seguinte, 14, operários ocupam a Sud-Aviation e sequestram a gerência como refém. No dia 15, os operários da Renaul em Cléon também ocupam a fábrica. Conflitos militarem são registrados na fábrica Lockeed de Beauvais. No dia 16, operários de outras fábricas da Renaul francesa também deflagram greve com ocupação (localizadas nas cidades de Flins, Bellancourt, Snadouville e Le Man). No dia 17, já se contabilizava 175 mil grevistas. No dia 18 centenas de empresas privadas estão ocupadas. As ocupações continuam expandindo-se. A onda grevista atinge todo o país até o dia 20 de maio. Durante essa semana chega-se a estimar cerca de dez milhões de grevistas. No dia 24 tem-se uma nova "noite das barricadas" com o saldo de 500 feridos e uma morte. Em síntese, a greve geral do dia 13 de maio de 1968 funcionou como detonadora da rebeldia operária. O Maio Francês contribui diretamente para fortalecer as mobilizações contra a Guerra do Vietnã (lembremos que em janeiro de 1967 o governo dos EUA havia enviado 486.000 soldados para o Vietnã).

Fortes mobilizações estudantis e operárias agitam o Japão no "assalto a Tókio" em outubro de 1968, milhares de estudantes e operários atacam o Parlamento, a Embaixada Americana e a estação de Shinjuku, a agitação operária e estudantil atinge mais de 300 locais da ilha. No segundo semestre de 1968 desdobrou-se a Primavera de Praga e em 1969 o Inverno Quente italiano, nas principais fábricas na Itália operários organizam-se contra as burocracias sindicais (agentes da dominação de classe), e as determinações sindicais e partidárias do Partido Comunista Italiano e contra a CGIL - Confederazione Generale Italiana del Lavoro. Nos Estados Unidos ganha força o protagonismo dos Panteras Negras. No México, o presidente Gustavo Dias Ordaz Bolaños ordena o massacre contra estudantes da Universidad Autonoma del México (UNAM), mais de 500 são assassinados.

Na Argentina inicia-se um ascenso operário a partir do Cordobazo em 1969, uma onda grevista em Córdoba que contou com enfrentamentos armados entre operários e a força repressiva pública. O movimento operário argentino faz-se sujeito principal de um processo revolucionário que se estende até 1976. No Chile o operariado inicia uma fase pré-revolucionária que expressará grande vigor com os Cordões industriais até 1973. Também irrompia à cena política a Assembléia Popular boliviana, a revolução portuguesa, a derrota norte-americana no Vietnã e a revolução polonesa de 1980-81.

Especificidade do ascenso do processo brasileiro

A partir da primeira metade da década de 1940 inicia-se uma nova fase de acumulo de forças e de mobilização da classe trabalhadora no campo e nas cidades brasileiras, exemplo disso foram as centenas de comissões de fábricas independentes que surgiram na greve dos 300 mil em 1953, bem como as dezenas de piquetes móveis independentes organizados por trabalhadores durante a greve dos 400 mil em 1954 e auto-organização no campo por meio das Ligas Camponesas e as mobilizações massivas nos primeiros anos de 1960. O ponto mais alto desse processo será a crise pré-revolucionária aberta em 1962 e que será sufocada pelo golpe militar burguês em abril de 1964. No entanto, o golpe não conseguiu extinguir a chama do movimento operário que se reorganizará desafiando o regime militar em 1968 por meio das greves operárias em Contagem e Osasco.

Duas comissões organizadas pela base

Os trabalhadores de Osasco participaram da greve dos 300 mil em 1953, também da greve dos 400 mil em 1954 e da greve dos 700 mil em 1963. Esses processos combinaram-se com a luta autonomista osasquense para separar-se de São Paulo e tornar-se cidade autônoma. Assim iniciou-se o Movimento emancipacionista que realizou plebiscitos em 1953, 1958 e 1962. O movimento estudantil secundarista da cidade envolveu-se nessas mobilizações e politizou-se, tanto pelas mobilizações na cidade quanto pela conjuntura do país. Ainda, muitos dos estudantes que compunham e dirigiam esse movimento estudantil, como José Ibrahim, Zequinha Barreto, Roque Aparecido da Silva e Roberto Espinosa, eram também operários na Cobrasma, fábrica com 4.000 operários que admitia jovens operários a partir dos 14 anos. Dessa forma, as lutas operárias e estudantis se interligavam em Osasco.
Na conjuntura do ascenso das lutas operárias e camponesas no início da década de 1960, forma-se na Cobrasma duas comissões de fábrica, uma clandestina composta por operários de esquerda independentes e a Comissão dos 10, organizada por militantes católicos da ACO e JOC que impulsionavam a FNT (Força Nacional do Trabalho), entidade que tinha como orientação a busca acordos entre capital e trabalho numa via de atuação marcadamente anti-comunista.

Os militantes de esquerda, onde se destacaram José Ibrahim, na comissão clandestina na Cobrasma, buscaram aproximar-se da comissão dos católicos que tinha aceitação da patronal e formaram uma comissão unificada. Essa comissão foi eleita pelos operários da fábrica e tornou-se uma comissão legalizada em 1965. No entanto, na segunda eleição para essa recém criada comissão, em 1966, o grupo de esquerda se fortalece dentro da fábrica e conquista a maioria dos cargos da comissão, ultrapassando a influência da FNT.

Da comissão à direção do Sindicato

O trabalho interno feito pela comissão de fábrica, a partir de 1965, encontrou grande aceitação pelo operariado da Cobrasma, com isso, esses operários calcularam que tinham chances de vencer as eleições sindicais para a gestão do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco em 1967. Formou-se então a Chapa Verde, composta por membros da FNT e do grupo de esquerda.

A Chapa Verde vence o pleito eleitoral, tendo recebido 90% dos votos dos operários da Cobrasma. Esta fábrica era a maior e mais importante de Osasco, cidade que contavam com cerca de 200 mil habitantes e com aproximadamente 16 mil operários trabalhando na indústria local. Ou seja, o trabalho realizado desde o inicio da década de 1960 produziu frutos consideráveis. Conquistou uma comissão interna e checou à gestão do Sindicato. Agora, na gestão, podiam atuar diretamente na criação de comissões em outras fábricas.

A gestão do Sindicato passou a ser feita com participação direta dos operários da região por meio de assembléias abertas e com igualdade entre titulares e suplentes nas decisões. Ainda, o grupo de esquerda passou a oferecer cursos de formação política aos operários, tendo como base o marxismo, passou-se a convidar militantes de diversas organizações da esquerda (POLOP, AP e Trotskistas) para ministrar cursos de formação diária com base nos textos: Salário, preço e Lucro, Teoria da mais valia e História da riqueza do homem etc. Com isso, uma ampla camada de operários passou a orbitar em torno do Sindicato. Essa camada era chamada de Vanguarda de Fábrica, estima-se que chegou a organizar cerca de 1000 operários.

MIA - Movimento Intersindical Anti-arrocho

Com o crescimento descontentamento no chão de fábrica, sobretudo contra do arrocho salarial e a ditadura militar, as direções sindicais empossadas como apoio da ditadura, os pelegos, viram-se obrigados a dar alguma resposta às bases para poder controlá-las. Assim, em setembro de 1967, surgiu o MIA, que foi um organismo sindical hegemonizado pelos dirigentes pelegos para reivindicar reajustes junto ao governo. O Sindicato Metalúrgico de Osasco adentra esse movimento com intenção pressioná-lo à esquerda. A direção do MIA programa 5 assembléias nos principais centros operários do Estado: a primeira foi realizada em São Paulo, sob a direção de Joaquinzão pelego, a segunda em Santo André, a terceira em Osasco, a quarta em Campinas e a última em Guarulhos.

Foram todas assembléias lotadas com centenas de operários. Em cada uma delas expressava-se a tensão entre os pelegos e os combativos liderados por Osasco. A última assembleia realizada em Guarulhos, já em 1968, foi implodida por causa do antagonismo entre as duas tendências do movimento operário. Assim o MIA foi dissolvido, dando lugar a uma comissão para organizar o Primeiro de maio na Praça da Sé naquele 1968. Mesmo sendo dirigido pelos pelegos, durante os 6 meses de vida do MIA com suas 5 assembleias, criou-se um importante espaço que possibilitou a constituição de laços entre os operários que compunham as oposições sindicais no Estado de São Paulo e alimentou uma nova vanguarda operária fabril que se formava.

Greve em Contagem - 16 abril de 1968

Nesse entretempo, é deflagrada uma greve em contagem que envolve todo operariado do parque industrial da cidade no mês de abril de 1968. Já em 1967 registraram-se greves na Mannesman, no mineiros de Ibirité, na CIA Siderúrgica Nacional de São João del Rei e Usinas Metalúrgicas de Barão dos cocais. A motivação central das greves era o atraso nos salários e demissão de centenas de operários. Em fevereiro de 1968 entram em greve 3.500 operários da ACESITA. No dia 16 de abril de 1968, 1200 operários da Belco-Mineira decidem por uma greve com ocupação da fábrica. Essa greve marca o início de uma onda de rebeldia operária em Minas Gerais. Aderem à greve 4.500 trabalhadores da Mannesman, também operários da RCA Vitor, Demissa e Industam. Esses são seguidos por operários da SIMEL, Metalúrgica Triângulo, Pollig-Haakel, Minas-Ferro e Mafersa, somando 15.000 grevistas. O movimento dura 10 dias e conquista um reajuste parcial.

Minas é exemplo de luta!

A vitória dos operários mineiros impacta diretamente sobre o operariado de Osasco e alimenta o ânimo do operariado da Cobrasma, Ibrahim, presidente do Sindicado de Osasco vai até Minas buscando apropriar-se dos elementos organizativos daquele movimento.

Na semana seguinte, no Primeiro de maio de 1968, cerca de 1000 operários de Osasco comparecem ao ato na Praça da Sé, levavam bandeiras com a inscrição "Minas é exemplo de luta" e "Só a greve derruba o arrocho". O Sindicato de Osasco fretou vários ônibus para garantir a participação naquele ato, esses foram armados com paus, barras de ferro e pedras para impedir que o governador biônico Abreu Sodré utilizasse a tribuna. Os pelegos do MIA planejaram um ato que reafirmava o compromisso entre as direções sindicais e os representantes da ditadura, os operários de Osasco, por sua vez, planejaram acabar com a farsa orquestrada pelo peleguismo e a ditadura. Abreu Sobre foi recebido com pedradas e ovos podres. O governador e sua "caravana" tiveram que "sair de gatinho", engatinhando para se refugiar dentro da Catedral da Sé.

Os operários expulsam os agentes da ditadura, tomam o palanque fazem discursos contra o regime, colocam fogo no palanque e saem em ato pelo centro da cidade.

A greve na Cobrasma - 16 de julho

Nessa crescente de mobilizações, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco decidiu adiantar-se em relação à data base da categoria metalúrgica que seria em novembro. Decidiu deflagrar uma greve com ocupação de fábrica no dia 16 de julho de 1968. Nesse dia ocuparam a Cobrasma e a Lonaflex, aderiram à greve operários da Barreto Keller, Granada Fábrica de Fósforos e Osram. A estratégia da greve foi influenciada pelo foquismo, assim essas greves deveriam funcionar como elemento catalizador que provocaria uma onda de greves no eixo industrial da grande São Paulo (de Osasco para São Paulo e ABC Paulista). Conforme nos relatou Espinosa, ex-operário da Cobrasma e dirigente da VPR em 1968:

No primeiro dia foi certinho, às 8:15 da manhã, 8:20, tocou o apito, começou na limpeza e acabamento, foi tomado o refeitório, foi organizado, o Barreto assumiu a liderança, foi para a porta, montamos guardas na portaria. Eu estava do lado de fora, aí eu já estava na VPR, a VPR alugou dois aparelhos: um aparelho aqui na Vila Iara, um quilômetro acima daqui [região próxima ao centro de Osasco], onde funcionaria a imprensa, tinha lá mimeógrafo, enfim... A imprensa. Três aparelhos foram alugados... (Entrevista - Roberto Espinosa).

No entanto, a ditadura agiu rapidamente em defesa da patronal. Conforme relatou Toninho, que na ocasião era operário na Braseixos:

Daí a pouco, aparecia muita senhora chorando na beira da cerca, porque a televisão começou a dizer que as tropas estavam vindo para cá e ia ser um massacre... Aí as mães, as mulheres dos trabalhadores ficavam muito apavoradas e elas vinham chorando na beira da cerca... Aí a gente dizia: ‘Não, podem ficar sossegadas, está tudo sossegado’, aí elas voltavam um pouco mais confortáveis. E alguns que queriam sair nós não deixávamos também, porque tinha uns que queriam pular a cerca e ir embora, nós não deixávamos. (Entrevista - Toninho três oitavos).

Não permitiu que Osasco colhesse outro triunfo como o do Primeiro de maio na Praça da Sé. Aquela vitória na Praça da Sé ainda estava entalada na garganta dos militares e da patronal. Assim decide-se intervir exemplarmente na Cobrasma, desocupar a fábrica, prender e torturar os operários que lideraram a ação. A ditadura militar-burguesa atuou para impor uma derrota exemplar ao operariado de Osasco pois esse era o setor combativo mais organizado naquele momento. Conforme relatou João Joaquim que era operário da Cobrasma e membro da comissão de fábrica:

É, com mais gente. Foi aí que realmente, cavalaria veio também, e aí apareceram também... Apareceu o confronto, e como o pessoal, os trabalhadores, conheciam bem as seções, os esconderijos, onde tinha máquinas e tal, jogavam pedaço de ferro dentro, os cavalos pisavam e caiam, foi realmente... E alguns companheiros... Só que aí, houve alguns, para achar todo mundo, era muito grande a empresa, muitos se esconderam também, e eles tomaram conta também... E muitos companheiros conheciam muitos pontos estratégicos, porque apesar de ser alto o muro, companheiros usaram aquelas escadas de colocar lâmpada, que usam para fazer alguma manutenção, eles colocaram escada e pularam o muro, e o Zequinha sai, apareceu, saiu junto com o pessoal pela frente, aí, o chefe da guarda, estavam os policiais... Reconheceram ele, muitos... E o pessoal... Saíram todos né, tem um que saiu uma foto histórica, que é o Paraná, ele saiu com a mão na cabeça e os outros atrás. Ele era da comissão, era metalúrgico de manutenção, então, aquela foto é histórica. (Entrevista - João Joaquim).

Mesmo com a violenta repressão militar, no dia seguinte operários de outras fábricas de Osasco, da Braseixos, Brown Boveri, Cimaf e Eternit entram em greve em solidariedade aos operários da Cobrasma. De acordo com relato de Joaquim Miranda que era operário na Braseixos e militante do POC em 1968:

(...) na Braseixos, eu posso garantir, tinha mais de 800 trabalhadores, uma das empresas super importantes, ali do ladinho, não tinha nenhuma preparação para a greve... Aí começou, vai um e diz: ‘E nós?’, e um segundo: ‘E nós?’. E um terceiro... Quando chegou lá pelo décimo, eu falei, está acontecendo alguma coisa!’. Aí eu comecei a dizer: ‘Então vamos para o sindicato hoje à noite às 19:00’. A gente saía às cinco e pouco, seis horas do serviço, ‘vamos para o sindicato e vamos decidir’. (...). E não é que assim, com tudo meio nas coxas, apareceu umas setenta e poucas pessoas no sindicato. Quer dizer, dez por cento (10%) dos trabalhadores, e lá nós decidimos. No outro dia, no dia 17 [de junho] nós decidimos: ‘Vamos parar também, e vamos ocupar a fábrica também’. (...). E eu lembro que eu dizia: ‘Hoje não tem conversa’. Porque era uma greve unicamente, na Braseixos, de solidariedade à Cobrasma, principalmente porque na noite anterior tinha havido toda aquela violência da cavalaria entrar na Cobrasma né... (Entrevista – João Joaquim).
Na Brown Boveri, Octaviano, conhecido como "Tigrão" foi um dos organizadores da greve em solidariedade aos operários da Cobrasma que estavam presos e sob tortura. De acordo com seu relato:

Primeiro dia de greve na Cobrasma, fez o que fez, deu o reboliço que deu, tudo aquilo lá, e aí a repressão tomou conta. Aí que fim deu, no dia que já estava em greve, estava o pau comendo lá, eu chamei alguns companheiros da Brown Boveri para a gente se reunir a noite no sindicato e discutir para paralisar para o outro dia a Brown Boveri em apoio aos companheiros que estavam sendo massacrados. Aí convidamos os companheiros, à noite fizemos uma reunião com aquele grupinho e combinamos de no outro dia nós pararmos a Brown Boveri. (...) subi em uma bancada e gritei alto: “a partir de agora nós estamos em greve, nossos companheiros da Cobrasma estão sendo massacrados na Cobrasma. Nós vamos entrar em greve em solidariedade a nossos companheiros da Cobrasma. (Entrevista - Octaviano)

No entanto, as desocupações e prisões feriram de morte aquele movimento que começa a refluir no dia 18. Os momentos finais da greve ficaram imersos em grandes dificuldades, o movimento estava em um beco sem saída. A cidade estava sitiada pelo exército, cerca de 50 militantes e dirigentes presos. Ibrahim conseguiu fugir, mas é obrigado a viver na clandestinidade até que é preso em fevereiro de 1969. Zequinha Barreto foi preso na ocupação e permaneceu sob tortura durante 180 dias.

Por que as greves de 1968 em Osasco não foram totalmente vitoriosas?

As greves em Osasco impuseram-se com o maior desafio operário à ditadura até aquele momento. Mas o movimento foi organizado com base na estratégia guerrilheira foquista, que expressou como uma forma de "foquismo sindical". Conforme admitiu Ibrahim: "O Governo está em crise, ele não tem saída e o problema é aguçar o conflito, transformar a crise política em crise militar. Daí vinha nossa concepção insurrecional de greve: levar a massa através de uma radicalização crescente a um confronto com as forças de repressão. Era a visão militarista aplicada ao movimento de massas". (José Ibrahim, 1972, p. 222). Conforme balanço, publicado em 1971, pelos trotskistas da Organização Comunista 1º de Maio, que participou daquelas mobilizações:

(...) em Osasco, a direção da greve não pôde prever a reação do governo contra o movimento. Não estava preparada para enfrentar a situação criada com a ocupação do sindicato e das fábricas pela polícia, ficando num sem-saber-o-que-fazer, permitindo que aquela tremenda disposição dos operários que os conduziu à greve fosse canalizada totalmente para os fins propostos, fazendo com que a greve fosse se desmantelando-se, diante da repressão e desbaratamento de sua direção. (...) a imaturidade da formação dessa liderança não lhes permitira a preparação para todas as fases da luta. Mas a greve saíra, como um marco no movimento de massas nacional. (Organização Comunista 1º de Maio, 1971, p. 401).

Ibrahim e Barreto, membros da VPR e dirigentes da greve, na avaliação publicada em 1968, intitulada “Manifesto de balanço da greve de julho", apontam que a principal debilidade daquela mobilização foi: "A falta de clareza teórica causada pela falta de discussão política levou a vanguarda a não se preocupar em organizar uma estrutura clandestina paralela ao sindicato para dar continuidade à luta na clandestinidade". Em outro balanço publicado em 1972, Ibrahim complementa essa análise: "não criamos uma coordenação inter-comitês independente da máquina sindical. Por isso, quando o Sindicato sofreu intervenção e a liderança de esquerda se viu impossibilitada de circular por Osasco a greve entrou em refluxo". (IBRAHIM, 1972). Os principais dirigentes da greve, vinculados à VPR - Vanguarda Popular Revolucionária, acreditavam que criando um foco de resistência na Cobrasma, estimulariam outras greves no eixo industrial. Por isso não prepararam o "entorno da greve", uma base que pudesse lhe dar apoio e garantir seu desenvolvimento. Acreditou no "efeito demonstração" e construiu a greve na Cobrasma sem articular-se efetivamente para além de Osasco. A ocupação das duas fábricas no eixo industrial da grande São Paulo, soou como motivo central da rápida e dura intervenção militar. A repressão ditatorial não deixou espaço para o "efeito demonstração".

De acordo com o citado balanço de 1968, a greve iniciada na Cobrasma ganhou "um caráter insurrecional" que não era planejado pelos dirigentes. Como não era planejado, não havia nenhuma infraestrutura preparada para isso. A Diretoria do Sindicato e os principais dirigentes do processo foram surpreendidos pela situação que criou o movimento. Surpreendidos pela intransigência da ditadura, com duas fábricas ocupadas em poder dos operários, sem ter um plano de como proceder daí em diante, viram-se em um beco sem saída.

Pela positiva, no Manifesto de balanço da greve considera-se ainda que as greves de Osasco mostraram que o operariado tem disposição de luta para enfrentar-se contra os patrões e o governo. Convoca ainda os militantes combativos para, a partir de cada fábrica, prepararem as condições subjetivas de organização para novas greves, com “a formação dos comitês de greves por secção, por fábricas e por municípios. Não devemos nos iludir nesta etapa com uma greve geral”. Tiram com conclusão daquela greve, que o caminho é a auto-organização nos locais de trabalho: "A paralisação de cada fábrica deve apoiar-se na organização dos Comandos Clandestinos internos".

Em um terceiro balanço, publicado por Ibrahim em 1978, apontou-se como erro: “Jamais nos preocupamos a sério em montar, nos bairros, uma infraestrutura independente do sindicato”. E por fim, o erro principal seria ter feito uma greve com perspectiva foquista “existe o problema da visão política (nessa época bem militarista), que influiu na decisão de antecipar a greve, bem como a forma de encaminhá-la”. (IBRAHIM, 1978, p. 15).

Com a repressão, aquela vanguarda operária combativa, que se formou durante a década de 1960 na cidade, acabou migrando para outras cidades do Estado. Ainda, parte expressiva desses operários que protagonizaram as greves incorporou-se as fileiras da luta armada, onde destaca-se a VPR - Vanguarda Popular Revolucionária. Com isso, importantes quadros formados ali em Osasco ao longo da década de 1960, aderiram à luta armada e desligaram-se do movimento operário de massas.
Importantes "quadros" dirigentes se apartam do movimento operário
O desvio estratégico de parte significativa da nova camada dirigente que emergia em 1968, levou-a a se sacrificar nas fileiras da luta armada foquista. Ibrahim assume essa crítica em 1972: "o que destruiu mesmo a organização interna nas fábricas de Osasco foi a política das organizações armadas - principalmente no caso da VPR e depois da VAR-Palmares - de tirar os melhores elementos do trabalho no movimento de massas consumindo-os na dinâmica interna da organização". (IBRAHIM, 1972, p. 239). Com a opção pela guerrilha, abortou-se precocemente o desenvolvimento dessa camada de dirigentes operários de massa. Esses não puderam fundir-se com as novas camadas combativas que emergiram do chão das fábricas durante a década de 1970. Por outro lado, pela positiva, um setor de operários grevistas de Osasco optou por manter-se dentro das fábricas. Assim, após a onda repressiva, mudam-se da cidade, mas mantém-se no eixo industrial da Grande São Paulo.
A auto-organização de Osasco como exemplo ao movimento operário brasileiro
A experiência de Osasco demonstrou que sem estruturar-se por cada seção de cada fábrica e nos bairros, a greve não poderia sustentar-se, e muito menos converter-se em um levante operário geral e coordenado. Explicitou que uma ocupação de fábrica coloca em xeque quem é que manda na fábrica, e que para ocupar é necessário preparar o "entorno da greve" e uma rede de solidariedade em favor da ocupação. Assim, conforme observamos nos materiais e nas entrevistas com os operários que militaram na década de 1970 e que construíram a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, o balanço da greve de Osasco fornecerá elementos fundamentais para a atuação dos principais processos de organização do operariado industrial paulistano durante toda a década de 1970.

Conforme no relatou Waldemar Rossi, que foi um dos principais dirigentes da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo: "É isso que eu conto para você, a partir da experiência da Cobrasma, onde a gente passava, levava essa reflexão e algumas experiências iam acontecendo". Pergunto também a Cloves de Castro, que também foi operário em São Paulo e dirigente da Oposição se as greves de Osasco tiveram influência em São Paulo ele responde: "Teve, teve sim. Claro, entende... Nos métodos de organização, teve sim. Muita". Também Anízio Batista, dirigente histórico da Oposição aponta: "A greve de Osasco, ela tem uma influência não só em São Paulo, como na Grande São Paulo, mas no Brasil". E deu um ânimo também para o pessoal, independente da repressão, também se organizar né... Entendeu, isso foi positivo. Então foi muito bom".

Inspirando-se nos exemplos de Osasco, a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo organizará dezenas de comissões de fábricas clandestinas durante a década de 1970, combatendo frontalmente o peleguismo e a burocracia sindical que atuava como correia de transmissão dos interesses de da patronal e da ditadura. Essa forma de organização pela base com comissões independentes se contrapôs tanto aos pelegos como à linha dos Autênticos de São Bernardo que praticavam, durante toda a década de 1970, uma forma de sindicalismo apartado do controle operário e atacavam os organismos de auto-organização pela base, centrando fogo no combate às comissões e organização de grupos de fábrica clandestinos. O próprio Lula disse durante as greves do ABC

Fomos procurados por vários grupos de trabalhadores aqui no sindicato para tomar uma orientação de como deveriam agir. A partir daí nós inclusive fomos contra a criação de comissões e em algumas empresas em que elas surgiram nós procuramos acabar com elas. E por quê? Porque o problema era de todos e não era de meia dúzia (...). Quase todas as empresas tentaram criar comissões e não foram criadas porque o sindicato não quis. (LULA, 1978, Cara a Cara. Ano I. Nº 2. 1978, pp. 58-59).

O Sindicato de São Bernardo optava por um sindicalismo centrado na força do aparato e não da auto-organização dos operários no chão de fábrica. Mesmo não sendo idênticos a pelegos como Joaquinzão, os autênticos do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo atuaram como intermediários entre o operariado radicalizado e os interesses da ditadura e do patronato durante o ascenso de 1978-1980, buscando apaziguar os conflitos entre capital e trabalho e assegurando a transição pactuada da ditadura milita burguesa. Com isso, venceu o poder do aparato e da conciliação em contraposição à organização operária pela base, sufocando a experiência de sindicalismo pela base que tinha raízes em Osasco e ganhava volume em São Paulo durante a década de 1970.

 
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