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DEBATE COM OS "LIBERAIS"
Vai ter Marx sim! Nada de Mi-Mi-Mises!
Flávia Toledo
São Paulo
Kenji Ozawa

Em meio a uma situação de crise política no país, a direita liberal defende um impeachment reacionário e a privatização e terceirização nas universidades públicas, enquanto ataca militantes da esquerda como Jéssica Antunes, diretora do Centro Acadêmico de Letras da USP e membra da chapa Meu Canto de Guerra para o DCE.

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Foto: Hayek e Mises

Na próxima terça-feira, dia 12, serão abertas as urnas da eleição do DCE da Universidade de São Paulo (USP). Essas eleições acontecerão num momento ímpar da história da América Latina: o fim do ciclo dos governos “pós-neoliberais”, governos de conciliação de classes que desviaram o ascenso da luta contra o neoliberalismo na década de 1990, “surfando” no boom das commodities (ferro, milho, soja, etc.) causado pelo crescimento chinês, até a crise econômica mundial.

O impeachment e a tentativa do juiz Sérgio Moro de se alçar como o salvador da pátria, acima do bem e do mal, tudo isso faz parte de um giro superestrutural à direita de todo o continente latino-americano e que, no Brasil, dividiu a esquerda entre aqueles que capitulam ao PT dos ajustes, traidor, e aqueles que capitulam ao golpismo institucional do judiciário, PSDB, PMDB e a Rede de Marina Silva. Há um processo de reorganização política da vanguarda operária e, especialmente, da juventude; por isso, são 10 chapas concorrendo ao DCE da USP. Uma delas é da juventude do PT. Uma é do Levante Popular da Juventude. Além da chapa composta por estudantes militantes da Faísca – Anticapitalista e Revolucionária, a Meu Canto de Guerra, outras seis são de organizações da esquerda (PSTU, PSOL, POR, MNN, etc.). Uma é da direita, que não participa do movimento estudantil e só aparece para disputar o DCE.

Será coincidência que, nessa semana – justamente nessa semana importantíssima de debate eleitoral, em que o movimento estudantil da USP decide o seu futuro –, tenham aparecido por toda a USP pichações escrito “menos Marx, mais Mises”?

Quem é Ludwig von Mises?

Ludwig Heinrich Edler von Mises (1881-1973) é o nome mais famoso da ultraliberal “Escola Austríaca” de economia. Um nome muito querido não só pelo jovem Kim Kataguiri, que dispensa apresentações, mas também por outra ilustríssima figura da direita, velha conhecida de todos nós: o ex-colunista da Veja, Rodrigo Constantino, presidente do Instituto Liberal de São Paulo – o mesmo Instituto que, na última sexta-feira (08/04), organizou uma enxurrada de comentários direitosos, com ódio de classe, e, inclusive, misóginos e LGBTfóbicos contra Jéssica Antunes, dirigente do centro acadêmico de Letras da USP (Caell), no vídeo da abertura da atividade de lançamento da Faísca – Juventude Anticapitalista e Revolucionária!
Descendente de uma família de nobres do Império Austríaco (por isso o nome pomposo, “von”), Ludwig von Mises se formou na Universidade de Viena, onde também deu aula, entre 1913 e 1934. Lá, von Mises assistiu as palestras de Eugen Bohm von Bawerk, de quem já falamos aqui. Assim como esse último, von Mises fez todas as suas “contribuições” (se é que podemos chamar essa salada de “contribuição”) à teoria econômica burguesa criticando o socialismo. Sua vida, segundo seus fãs, teria sido uma cruzada permanente em defesa da liberdade, contra o crescente poder do Estado que a ameaça (como se educação, saúde, transporte, etc., público fossem uma ameaça à liberdade) e contra as doutrinas totalitárias, “socialistas”, que, na cabeça de von Mises, vai desde os keynesianos até o nacional-socialismo. Sim, o nazismo! Na cabeça de von Mises, o keynesianismo, o nazismo e (aquilo que ele equivocadamente acha que é) o marxismo, tudo isso é “farinha do mesmo saco”.

Já dissemos, quando tratamos de Bohm-Bawerk, que, quando se fala que von Mises é um “liberal” e que a Escola Austríaca é “ultraliberal”, a maioria das pessoas imediatamente o associa a Adam Smith e suas “mãos invisíveis” do mercado. Mas Adam Smith foi o precursor da teoria do valor-trabalho, e foi criticando a Economia Política clássica de Smith e David Ricardo que Marx escreveu seus trabalhos “econômicos”. A Escola Austríaca, por sua vez, foi quem criou a teoria subjetiva do valor, ou utilidade marginal, pela qual o mainstream econômico burguês substituiu a teoria do valor-trabalho depois de Marx ter exposto seu ponto fraco: que o lucro dos capitalistas é produzido pela exploração dos trabalhadores. Em outras palavras, von Mises não é um liberal do mesmo tipo que Adam Smith. Mas von Mises também não é um liberal do mesmo tipo que Milton Friedman, o grande nome do neoliberalismo.

Mises é tão liberal, mas tão liberal, que seus fãs dizem que “neoliberalismo” não existe, é tudo uma invenção desses esquerdopatas, e que Thatcher, Reagan, o Consenso de Washington e a Escola de Chicago de Milton Friedman são (pasmem!) “neointervencionistas”. Dizem ainda que a culpa das crises econômicas é dos bancos centrais que fixam taxas de juro (supostamente) da mesma maneira que se fixavam os preços do pão e do leite na União Soviética; ironicamente, é por causa dessas taxas soviéticas de juro que o governo (comunista, segundo Kim Kataguiri e cia. ltda.) do PT gasta mais de 40% do orçamento federal não com saúde, não com educação, muito menos com Bolsa Família, mas sim com os banqueiros credores da dívida pública! O cúmulo de toda essa bizarrice é o estadunidense Murray Rothbard (1926-1995), fundador do anarcocapitalismo – sim, anarco de “anarquismo” – que luta pela substituição da polícia e do exército governamentais, oficiais pela concorrência entre várias empresas de segurança privadas.

Do liberalismo utópico ao liberalismo científico

Milton Friedman é considerado o grande nome do neoliberalismo porque foram suas teorias as que foram incorporadas ao mainstream econômico burguês, porque é Milton Friedman que se estuda na maioria das faculdades de economia, onde se formam os “quadros” da burguesia, que trabalham nas grandes empresas e bancos, nas secretarias e ministérios do governo, etc.; a práxis neoliberal é Milton Friedman. Afinal, nem a própria burguesia leva a sério a maluquice dos austríacos. Qualquer governo burguês que tentasse seguir à risca a cartilha austríaca tão vorazmente quanto quer o MBL cometeria suicídio. Mas, por mais que Milton Friedman fosse o protagonista, ele tinha um sidekick, um fiel ajudante, um escudeiro: o austríaco Friedrich Hayek, que, assim como Rothbard, foi aluno de von Mises.

De todos os economistas austríacos, Friedrich August von Hayek (1889-1992) foi, de longe, o que mais influenciou o mainstream, muito mais que o próprio Mises. Margaret Thatcher sempre levava às reuniões com os ministros um caderninho com citações de Hayek. Além disso, Hayek dividiu o Prêmio Nobel de economia com Gunnar Myrdal, mais um suposto esquerdista, em 1974. Mas os austríacos estão boladões até hoje porque foi o rival Keynes quem “levou a melhor” nos debates da London School of Economics (Escola de Economia de Londres), na década de 1930. Desde então – nas palavras do próprio Milton Friedman! –, “somos todos keynesianos”. Ou seja, a grande contribuição desse que foi o nome mais influente da Escola Austríaca NÃO foi econômica. Não. O liberalismo “científico” é o de Milton Friedman. Ao invés disso, a grande contribuição de Hayek foi tão somente o verniz ideológico do neoliberalismo. O “liberalismo utópico”.

Em 1944, Hayek publicou seu livro mais famoso, O caminho da servidão, que, segundo a Wikipédia, já vendeu mais de dois milhões de cópias desde a publicação original. Naquela época, o The New York Times elogiou o “rigor de raciocínio”, a “lógica impiedosa” e disse ainda que O caminho da servidão é “um dos mais importantes livros de nosso tempo”. Até hoje, o livro de Hayek é frequentemente mencionado por figuras conversadoras ou “libertárias” de direita notórias nos Estados Unidos, principalmente depois da crise de 2008, quando cai a máscara ideológica da restauração burguesa , do “fim da história”, do triunfo definitivo do capitalismo, e ideias perigosas como a de “revolução” e “socialismo” começam, pouco a pouco, a ressurgir no imaginário das pessoas. Por exemplo, num documentário em três partes a respeito da teoria das crises econômicas, produzido e exibido pela BBC em 2012 – Masters of Money (Mestres do Dinheiro) –, boa parte do tempo do episódio dedicado a Hayek trata d’O caminho da servidão, que, aliás, é o único de seus livros nominalmente citado.

Rigor de raciocínio e lógica impiedosa, só que não

Mas sobre o que é esse livro, afinal? Um ano depois da publicação, o dirigente trotskista Joseph Hansen (1910-1979) escreveu uma resenha do livro de Hayek que convém citar literalmente:

“Idealistas sinceros”, explica Hayek, buscaram o socialismo a fim de trazer mais liberdade. Mas, ao invés de trazer mais liberdade, “o socialismo significa escravidão.” Como prova, Hayek cita os pensadores políticos capitalistas da escola “liberal” do último século a qual ele reivindica adesão, e cita, como confirmação de suas advertências [dos pensadores liberais] contra os perigos do socialismo, os exemplos da Alemanha nazista e da Itália fascista, sem esquecer, é claro, de apontar seu dedo, da mesma maneira, para o regime stalinista na União Soviética.

“Mas o fascismo e o socialismo são polares opostos!”, poderia exclamar o leitor, surpreso. “Isso não significa de nenhuma maneira que o que é verdadeiro em relação ao fascismo ou ao stalinismo degenerado é igualmente verdadeiro em relação ao socialismo.”

O lógico professor de economia burguesa [Hayek] imperturbavelmente responde:

É provavelmente preferível descrever os métodos que podem ser usados para uma grande variedade de fins como coletivismo e considerar o socialismo como uma espécie desse gênero. Ainda assim, por mais que, para a maioria dos socialistas, apenas uma espécie de coletivismo representa o verdadeiro socialismo, deve-se sempre lembrar que o socialismo é uma espécie de coletivismo e que, portanto, tudo que é verdadeiro em relação ao coletivismo como tal também se aplica ao socialismo.

Isto é o que o New York Times admira como “rigor de raciocínio” e “lógica impiedosa”. Podemos concordar que é uma lógica sem igual – a lógica característica do pensamento burguês no seu período de absoluta decadência. O quão bem essa lógica reflete a realidade pode ser visto por qualquer um capaz de ler os jornais. Fascistas e Nazistas caçam socialistas a fim de assassiná-los. [...] Na lógica de Hayek, entretanto, movimentos em absoluta contradição um com o outro são amalgamados e proclamados uma única coisa.

Leon Trotsky: o terceiro excluído

A tese central d’O caminho da servidão é que toda e qualquer intervenção estatal na economia tende a um “socialismo” vagamente definido, e que esse “socialismo” tende ao totalitarismo, à ditadura burocrática de um líder carismático. No documentário mencionado, o diretor do Institute of Economic Affairs (Instituto de Assuntos Econômicos) britânico, Philip Booth resume assim (de uma maneira muito mais favorável que Hansen) o livro de Hayek:

Quando nós damos mais e mais poder ao estado, gradualmente, há uma erosão, primeiro, da liberdade política e, em seguida, da liberdade econômica. Essa erosão da liberdade política, então, leva as pessoas a exigirem um homem forte, um ditador, que dê um jeito em tudo, que faça os trens chegarem pontualmente e tudo o mais, e isso leva inexoravelmente ao totalitarismo.

O que mais chama atenção nessa tese é o que está ausente nela: Leon Trotsky.

Hayek simplesmente ignora que, dentro dessa mal definida categoria “socialismo” (ou “coletivismo”), existe um homem e uma corrente de pensamento, uma tradição, uma tendência revolucionária do movimento operário que foram mais perseguidos pelos espiões soviéticos do que qualquer partido burguês, do que qualquer pretenso defensor da liberdade, porque seus nomes se converteram em sinônimo da revolução política antiburocrática dos trabalhadores contra o stalinismo, pela democracia operária. Que esse homem e os partidários dessa tendência tiveram sua liberdade (repito: LIBERDADE!!!) e, quase sempre, suas vidas tomadas pelas mãos tanto da burguesia autoproclamada “liberal” e “democrata” quanto pelos capangas dos dois campos “coletivistas”: o fascista e o stalinista! Que foi com medo desse homem, e da revolução que esse nome, representa que Stalin ordenou o assassinato dos “velhos bolcheviques” e a prisão de mais da metade dos delegados do 17º Congresso do Partido Comunista e o assassinato de 98 dos 139 membros do Comitê Central!

Que pena, Kim, que pena, Constantino, que não foi nenhum liberal, mas sim esse homem, chamado Leon Trotsky, quem previu pela primeira vez que, sem uma revolução antiburocrática, seriam os temíveis conspiradores do Kremlin, os funcionários do Partido Comunista, que restaurariam o capitalismo. Uma previsão a frente de qualquer coisa que a “sovietologia” ocidental já produziu! E que lhe custou sua vida e de praticamente toda a sua família, que o stalinismo assassinou um por um. Mas, como diz o velho ditado, à noite, todos os gatos são pardos; a revolução proletária e a contrarrevolução burguesa são a mesma coisa, o marxismo e o nazismo são duas espécies de um mesmo gênero. Tudo farinha do mesmo saco.

E o que o DCE da USP tem a ver com tudo isso?

Nessa situação em que todas as referências teóricas vêm à tona para tentar apresentar uma solução, com a esquerda se reorganizando para poder dar uma resposta, uma coisa é impossível de se negar: a juventude vai ser a ponta de lança de quaisquer mudanças que vierem a acontecer. Não à toa a direita, o governo e a esquerda estão disputando a juventude, por exemplo no processo eleitoral com 10 chapas para o DCE da USP, a principal entidade estudantil do país, historicamente uma referência política.

Ao pixar por toda a USP a frase “Menos Marx, Mais Mises” esses liberais querem fazer com que a juventude desacredite da necessidade de se organizar para alterar radicalmente a realidade, propondo uma “mudança” que nada faria a não ser manter a ordem das coisas e piorar a nossa situação, fazendo passar mais ataques, flexibilizando os direitos trabalhistas (concretamente, retirando direitos) e elitizando ainda mais a universidade. Isso não tem nada de novo: é a velha ladainha capitalista de meritocracia vazia, onde quem trabalha segue se prejudicando e quem não, se apropriando de tudo que é produzido.

Mas a juventude tem, sim, outra opção. Ela pode e deve levar a frente uma saída realmente independente e a nosso favor. Mas não pode cair nem para o lado da direita nem para a defesa do governo petista que nos ataca. Hoje no processo eleitoral do DCE só existe um programa que dê conta dessa resposta. E a direita, que de boba não tem nada, sabe qual é o programa que pode desestabilizar esse regime e por isso ataca fortemente quem levanta esse programa, como está fazendo com Jéssica Antunes.

A chapa Meu Canto de Guerra, composta por militantes da Faísca, como Jéssica, e estudantes independentes, levanta um programa que diz claramente que é preciso refundar o DCE para dar respostas não apenas à questão da educação e da universidade, mas ao país. Levanta um plano de lutas contra o impeachment dessa direita reacionária, contra os ataques do PT que traiu a classe trabalhadora e a juventude, em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. E para além do programa correto, traz na sua atuação prática a reivindicação dos nossos métodos, aqueles que nos levaram a vitórias e nos impediram de sofrer graves derrotas ao longo desses anos.

É a chapa que luta ao lado dos trabalhadores e que coloca a necessidade de cada estudante ser um sujeito político na defesa da universidade, contra a terceirização, a privatização, por cotas raciais e permanência, rumo ao fim do vestibular e a estatização das universidades privadas, porque educação não pode ser mercadoria. Que sabe que para conquistar qualquer uma das nossas demandas, é preciso se enfrentar frontalmente com a estrutura de poder autoritária da USP, onde estudantes e funcionários não têm voz mas a FIESP tem. Que os burocratas paguem o pato! Os estudantes e trabalhadores juntos podem gerir muito melhor a universidade e colocá-la a serviço da população – como demonstraram muito bem os secundaristas que geriram exemplarmente as escolas que ocuparam em 2015.

Meu Canto de Guerra quer ver a universidade ferver, gritando em uma só voz que a juventude não acredita mais nesse capitalismo falido, que nos tira nossas perspectivas e atrasa nossas vidas. Defendemos a educação pública, gratuita e de qualidade para todos, coisa que os direitosos liberais jamais defenderão, pois querem apenas os mesmos poucos comandando tudo. Defendemos os nossos métodos históricos de luta, coisa que a esquerda rotineira como PSOL e PSTU não leva a frente porque não acredita até o final na capacidade de luta da juventude aliada aos trabalhadores. Defendemos ferozmente uma alternativa real da juventude e da classe trabalhadora, sem capitular para a direita ao defender o impeachment, como faz o Movimento Negação da Negação, ou para o governo dos ataques, como faz a Juventude do PT e o Levante Popular da Juventude. Defendemos uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, imposta pela força da mobilização, botando na mesa todas as demandas que nos são mais sensíveis nos campos político, econômico e social, como os privilégios dos políticos, a reforma agrária, a legalização do aborto, educação, saúde e moradia.

Por isso chamamos a todas e todos os estudantes da USP a votarem e apoiarem a Meu Canto de Guerra, por um DCE vivo, combativo e aliado aos trabalhadores. Basta de ficarmos para trás da realidade! Sejamos sujeitos das mudanças!

Vai ter Marx sim!... E, se reclamar, vai ter Trotsky também!

 
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