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CRISE POLÍTICA
Lula, o “Partido Judiciário” e os impasses da crise política
Daniel Matos
São Paulo | @DanielMatos1917

Atualizado às 12:00. Uma análise das perspectivas estratégicas da crise no Brasil em 10 pontos.

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1. As manifestações desse domingo foram menores do que se esperava e do que foi noticiado pela PM e pela imprensa, mas foram capazes de mudar a relação de forças. Assentaram um duro golpe em Dilma, promoveram o “Partido Judiciário” como árbitro da crise e expressaram que a esta atinge o conjunto da “política tradicional” (ou seja, não somente o governo, mas também os principais referentes da oposição). A ascensão de Lula como “super-ministro”, que tenta salvar (ou dar sobrevida) ao governo, está longe de significar uma amenização da crise, pode vir a agravá-la.

2. Diante da crise econômica internacional e suas repercussões nacionais, com um país à beira da depressão, todos os setores dominantes concordam que os ataques implementados até agora sob o governo Dilma são insuficientes para recompor as taxas de lucro e investimento empresariais. Entrega do Pré-Sal negociada entre Dilma, Serra e Renan; privatização de Petrobrás, cortes orçamentários nas áreas sociais, aumento de tarifas públicas, desvalorização dos salários pela inflação, mais de 1,5 milhão de postos de trabalho eliminados, reforma da previdência; tudo isso que o atual governo está fazendo é insuficiente. Precisam cortar mais gastos sociais, privatizar mais, acabar com férias remuneradas e 13º e entregar mais recursos nacionais ao capital financeiro internacional (imperialismo).

3. A crise econômica e o desgaste dos partidos dominantes dificulta a implementação de mais ataques e soluções acordadas entre os atores tradicionais da política. Nesse marco, o “Partido Judiciário” emerge instrumentalizando a corrupção para “lavar” a imagem do sistema político e atribuir maior legitimidade aos ataques às condições de vida das massas e aos recursos nacionais; assim como arbitrar um desdobramento das disputas entre os distintos setores dominantes que seja funcional a esse objetivo, seja com o governo atual ou com um novo governo.

4. De um lado, o governo Dilma tentar implementar o máximo de ataques que a relação de forças lhe permite. Como o PT chegou ao poder como um governo de colaboração de classes, e como Lula se fez um presidente popular em base a um ciclo de crescimento econômico excepcional que permitiu essa colaboração de classes, Dilma só poderia romper esse equilíbrio pela direita enfrentando-se cada vez mais com os bases sociais que a levaram ao poder. Esgotou-se a “divisão de tarefas” que vigorou ao longo de 2015, na qual Lula e o PT dos sindicatos e movimentos sociais criticavam as medidas mais reacionárias de Dilma para poder impedir a explosão de lutas de resistência e defender seu governo frente aos ataques da direita desde de fora, preservando-se para as eleições de 2016 e 2018. Essa divisão de tarefas só seria possível de se manter se a crise econômica não se agravasse e se a combinação entre o a ação do “Partido Judiciário” e a ação do “Partido Midiático” não fossem capazes de colocar Dilma em xeque pela direita. Por mais que os petistas justifiquem sua assimilação dos métodos corruptos próprios do capitalismo contrapondo o uso que fazem desses métodos ao uso da direita, o giro ajustador de Dilma debilita o culto ao “mal menor”, que não impede a desmoralização das bases sociais do PT pela lama de corrupção que precisam tolerar.

5. De outro lado, o “Partido Judiciário”, o “Partido Midiático” e a oposição de direita encabeçada pelo PSDB e os movimentos direitistas que surgiram nas redes sociais veem atuando em comum para criar uma opinião pública favorável à destituição de Dilma. Para alguns integrantes desse bloco, tal campanha tem como objetivo de fato derrubar Dilma e colocar em seu lugar um governo mais à direita. Para outros, essa solução, ainda que nunca descartada, pelos riscos que envolve, poderia ser “trocada” por um governo Dilma ainda mais à direita do que está atualmente. Nesse caso, o objetivo seria “sangrar” seu capital político do PT como implementador dos ataques, inviabilizando a Lula como candidato em 2018. As manifestações do domingo mostraram uma fissura interna a essa grande “coalizão” de direita. Alckmin e Aécio foram rechaçados por manifestantes na Avenida Paulista; as pesquisas do Datafolha indicaram uma redução de 37% para 21% na popularidade do PSDB entre os presentes nas manifestações pelo impeachment entre março de 2015 e 2016; e o segundo principal referente do Movimento Brasil Livre disse que Aécio Neves é um “péssimo opositor”, que Alckmin é um “incompetente” e que se Michel Temer assumir “continua a pressão”. Esses indicadores mostram que mesmo as bases sociais da direita não acreditam que a corrupção seja um privilégio do PT, indicando contradições para uma saída que atinja somente esse partido e o substitua por uma coalizão entre os líderes mais conhecidos da oposição.

6. Ao assumir como "super-ministro", Lula tenta dar sobrevida ao governo, que se veria pelo menos no imediato recomposto pelo capital político do ex-presidente. Entretanto, essa alternativa que tem muitos riscos e contradições. Em primeiro lugar, pode levar o país a uma maior polarização. Por mais que a oposição de direita possa ver com bons olhos que Lula queime seu capital político mais rápido como uma espécie de “1º ministro”, as bases sociais das manifestações do domingo ficarão indignadas e seguirão sendo um ator tendente a colocar o governo em xeque pela direita. O “Partido Judicial” não poderá parar sob risco de desmoralizar-se; e o “Partido Midiático” gritará mais alto junto às redes sociais da direita. Em segundo lugar, não está dado que Lula conseguirá implementar uma nova política econômica algo menos ajustadora e com um pouco mais de estímulo sobre a economia, mesmo que para atrair a confiança do mercado financeiro se proponha a fazer alguma reforma neoliberal, com retirada de direitos previdenciários e trabalhistas. Por melhor que seja seu capital político em relação ao de Dilma, será o suficiente para manter a maior parte do PMDB no governo? Conseguirá evitar a chantagem do capital financeiro com fugas de capitais e de empresários nativos e estrangeiros negando-se a investir? Por outro lado, se Lula não “assumisse o poder”, Dilma, impossibilitada de governar, poderia se ver obrigada a renunciar. Lula preservaria seu capital político para o futuro e o PT buscaria se recompor como uma oposição que foi vítima de um cerco da direita, mas ao custo de deixar naufragar o governo Dilma. Esses são os cálculos que Lula fez; ao contrário do que alardeia toda a imprensa de que o ex-presidente teria um enorme medo de ser preso por Sérgio Moro e estaria cogitando assumir o ministério para ter foro privilegiado. Lula avalia a possibilidade de ser preso como um “Mandela” com a frieza de quem sabe que caso não consigam provar seu direto em corrupção terminarão transformando-o em um herói que foi vítima de injustiças da direita.

7. Os tucanos não se veem frente a disjuntivas mais fáceis que os petistas. Se empurram o impeachment por crime de irresponsabilidade administrativa em função do não cumprimento das metas fiscais votadas pelo Congresso, apesar de que têm a vantagem de ganhar Michel Temer e sua ala do PMDB como aliado, têm como desvantagem que destituíram Dilma por um motivo que justificaria depor a maioria dos governos estaduais e municipais do país nos últimos tempos, questionando a legitimidade do processo. Se escolhem empurrar a cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral comprovando financiamento da campanha presidencial de 2014, precisam ainda encontrar as provas e jogam Temer no colo de Dilma. No caso de um governo Temer-PSDB, o “Partido Judicial” seria desmoralizado se interrompesse seu acionar; e o PT dos sindicatos e dos movimentos sociais seria um incômodo opositor à implementação dos ajustes para catapultar a candidatura de Lula ou outro petista “limpo” em 2018. No caso de uma anulação das eleições de 2014 e uma convocação de eleições gerais em 90 dias, os tucanos correm o risco de perderem para demagogos populistas de todo tipo. Afinal de contas, têm seus próprios escândalos de corrupção para cuidar, como nas propinas de Aécio Neves em Furnas ou no roubo de merendas escolares de Alckmin. A aliança com o PMDB não lhes ajuda nesse sentido, já que pouca gente acredita que Renan, Sarney e Temer são modelos de honestidade. Sem falar nas disputas não menos fratricidas entre Alckmin, Aécio e Serra pela candidatura a presidenciável do PSDB.

8. O “Partido Judiciário” tampouco tem alternativas fáceis. Se segue atuando de forma parcial, atacando privilegiadamente o PT e protegendo a oposição, pode se desmoralizar frente à opinião pública. Por outro lado, se passa a atacar os dois lados para se legitimar e ir mais até o final na “limpeza” do sistema político, fazendo voar pelos ares os partidos e referentes públicos hoje dominantes para criar um novo sistema como foi feito na Itália da Operação Mãos Limpas dos anos 90, vai agravar ainda mais a crise política e econômica. Na Operação Mãos Limpas, o Partido Comunista Italiano (PCI), que sempre tinha sido um partido de oposição, não estava no centro das denúncias judiciais, encabeçou as investigações no parlamento e como parte desse processo se transformou em um novo partido reformado que passou a cumprir um papel chave nos governos neoliberais posteriores. O poder do PCI junto ao movimento operário foi chave para que a “explosão” do sistema político anterior e a criação de um novo regime se desse sem maiores crises junto aos sindicatos e proporcionando um “consenso nacional” que permitisse uma nova governabilidade. No caso do Brasil, a contraposição entre o “Partido Judiciário” e o PT no centro da Lava Jato impede que surja um grande “consenso nacional” por fora dos partidos dominantes. Consequentemente, dificulta a estabilidade de qualquer governo que surja dessa crise. As acusações a Aécio Neves na mesma delação premiada em que Delcídio Amaral acusa Dilma e Lula seriam um indício de que o “Partido Judiciário” estaria disposto a atacar ambos lados? Isso indicaria uma tentativa desse partido de frear as alas mais “jacobinas” da oposição para forçar um acordão ou significaria que que estaria disposto a ir mais longe na criação de um novo sistema político com novos referentes?

9. Essa dificuldade dos distintos atores é que abre um cenário de negociações de possíveis pactos para colocar panos quentes na crise. Talvez, o que Lula esperava para poder assumir o ministério fosse uma sinalização do “Partido Judiciário” e dos "aliados" que pulavam do barco (e porque não de setores da oposição?) de que dariam uma “trégua” para que ele tente governar. Como vimos acima, um pacto que pode dar sobrevida ao governo do PT, mas terá muitos riscos e contradições para ambos lados. Se Lula conta com a sorte de ventos favoráveis na economia, o que não parece provável, poderá resultar em um mal negócio para a oposição. Se Lula enfrenta uma situação mais depressiva, resultará em um mal negócio para si mesmo, ainda que terá buscado “salvar a honra” de seu partido. Outro pacto possível é o que se discute no Senado de uma mudança na constituição para instituir um regime semi-parlamentarista que retire poderes de Dilma e os transfira para o Congresso. Saída que tampouco está isenta de riscos e contradições, já que 100 dos 513 deputados estão envolvidos na Lava-Jato e estaríamos falando dessa mesma casta política implementar os ajustes com o PT dos sindicatos e movimentos sociais na oposição.

10. A conclusão é que se configura no país um cenário de impasse estratégico onde que nenhuma das forças políticas é capaz de constituir um governo minimamente estável. A ausência de intervenção do movimento de massas como um ator independente na crise coloca a possibilidade concreta de que sujam governos mais à direita. Entratanto, esses governos terão dificuldade para se estabilizar para implementar os ajustes que a burguesia necessita. Estarão atravessados por crises políticas e econômicas de todos tipo. Apesar dessa dinâmica à direita da situação, não parece que as classes dominantes poderão evitar a explosão de processos de luta de classes (como hoje se vê no Rio de Janeiro) e inclusive à intervenção independente de setores de massas por fora da política de contenção da luta de classes do PT (como vimos nos secundaristas de São Paulo no final do ano passado, em junho de 2013 e em distintas greves como dos garis, rodoviários e da construção civil nos últimos anos).

Leia também do mesmo autor: “Os trabalhadores e a juventude precisam dar uma saída pela esquerda à crise”.

 
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