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LAVA JATO
O que ainda há para se desvendar sobre a prisão de Marcelo Odebrecht?
Edison Urbano
São Paulo

Nos últimos dois dias, ganhou destaque na mídia a condenação do empresário Marcelo Odebrecht a mais de 19 anos de cadeia. A sentença foi dada pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro, já famoso pela Lava Jato. Alguns de seus subordinados também foram enquadrados, mas o destaque, é claro, é para o próprio Marcelo Odebrecht, neto e herdeiro de uma das famílias que dominam a economia brasileira há gerações, atravessando com êxito a era Vargas, os anos do “populismo”, a ditadura militar, o neoliberalismo FHC e as ilusões lulistas...

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Antes de entrar na breve análise que constitui o eixo deste artigo, a primeira constatação elementar a fazer é de que não, não se trata da “boa notícia” de que o Brasil, enfim, tivesse se tornado de repente um país onde os grandes empresários, exploradores do suor alheio, começassem a ser julgados e punidos pelos crimes grandes e pequenos que cometem a cada dia.

Outro elemento preliminar é notar que a condenação, aparentemente severa, e de fato com poucos correlatos em outros países, vincula-se diretamente a uma mudança de interpretação legal feita pelo STF em fevereiro passado. Desde então, passou a valer a regra de que, após uma condenação confirmada em segunda instância, a prisão assume valor real, e deixa de valer o velho recurso conhecido, que sempre permitiu aos poderosos desse país usar descaradamente o artifício de "recorrer em liberdade " por tempo indefinido, até assistirem suas penas caducarem.

O que se esconde por trás da condenação de Odebrecht?

A relação entre as duas coisas é direta: significa que agora Marcelo Odebrecht e companhia se encontram numa disjuntiva pouco confortável: a continuidade da prisão, ao menos até o julgamento definitivo, ou a famigerada delação premiada. Já não é novidade ver esse expediente usado pela Lava Jato para pressionar ao extremo grandes empresários ou operadores econômicos para obter acusações, ou provas, ou pistas, contra o governo do PT, seus principais aliados, e no último período seus membros mais importantes – não apenas Dilma, mas inclusive o ex-presidente Lula.

É difícil dizer de antemão, mas com a delação prometida pelo presidente da empreiteira OAS, com a já realizada pelo executivo da Andrade Gutierrez, e agora com a provável de Marcelo Odebrecht, entre outros, é cada vez mais provável que se possa reunir evidências contundentes contra Dilma e o PT... e contra o próprio Lula. Essa é uma questão que continuará governando a política brasileira no mínimo pelos próximos meses. Mas as consequências da Lava Jato, que muito se especulou se poderia ou não se tornar uma espécie de “operação Mãos Limpas” à brasileira, parecem já ser de todo incontornáveis para definir o futuro do sistema político no país.

O Esquerda Diário vem acompanhando e buscando oferecer uma análise independente ao longo de todo o processo. Comentando brevemente os fatos do dia, queremos aqui apenas lançar uma luz para outro aspecto talvez menos notado na análise dos fundamentos e prováveis desdobramentos da Lava Jato.

Afinal de contas, se o alvo é o PT, por que de repente passar à prisão de grandes figuras da burguesia nacional mais tradicional e, em certo sentido, “monopolista” até?

Poderia se tratar de uma tentativa de “dar uma lição” nesses setores burgueses, para que nunca mais se aliem aos agentes conciliadores? Isto é, seria uma espécie de vingança do regime capitalista, contra aqueles membros seus que, esquecendo sua “distinção”, aceitaram tratar com os “traidores dos de baixo” como se fossem seus iguais? Supremo sacrilégio! – Vista assim a tese quase parece convincente... Para quem acredita em contos de fadas.

Outra versão, talvez mais “sóbria”, ou melhor dizendo, de um grau maior de embriaguez republicana, poderia dizer: ora, se além dos petistas, também grandes empresários estão sendo punidos dessa vez, então a conclusão só pode ser de que... agora nas mãos de Sérgio Moro e da Lava Jato, a justiça no Brasil se tornou pela primeira vez isenta e imparcial!

O autor dessas linhas acredita que nem as crianças de oito anos, ou mesmo os “esquerdistas” que defendem uma espécie de “Lava Jato até o final”, seriam capazes de realmente acreditar na imparcialidade ou isenção de Moro. Seja pelas violações constitucionais básicas implicadas na “condução coercitiva” de Lula na última sexta, seja pela clara seletividade das investigações e dos seus vazamentos para a imprensa, ou seja então, pura e simplesmente, pelo cada vez mais claro interesse imperialista por trás da dinamitação da maior empresa brasileira, a Petrobras – que ganhou maior evidência após a votação da emenda Serra contra o Pré-Sal no Senado, com ajuda de Dilma e Renan.

Muitas perguntas, algumas respostas provisórias

E se o alvo da Lava Jato não fosse apenas o PT? E se tampouco fosse apenas uma conspiração imperialista contra o suposto “interesse nacional”? (de que o leitor assíduo do Esquerda Diário, de resto, já se acostumou a desconfiar)...
Talvez o que explique o ineditismo e certa pirotecnia exibida por algumas das fases da Lava Jato respondam a algo mais concreto e evidente. É que as (inúmeras) análises que buscam explicar tudo por uma polarização meramente “político-partidária”, e portanto superestrutural, entre PT e PSDB ficam demasiado superficiais, ao menos para todos que já compreenderam o quanto o PT foi funcional, desde seus tempos de oposição, e mais ainda no governo, ao capitalismo brasileiro... E as análises (mais escassas) que tentam enquadrar tudo numa outra polarização, entre o interesse imperialista e o suposto “interesse nacional”, tampouco explicam a mesma questão.

É que não existe dicotomia ou polarização absoluta entre os interesses da burguesia brasileira e os do imperialismo. E tampouco entre um partido de conciliação de classes, como o PT, e outro partido que se pretende representante da burguesia democrática, como o PSDB.

E o que existe, então? Bom, algumas coisas de fato existem com peso material muito maior que todas essas, apesar de ocupar tão pouco espaço nas especulações de jornalistas, acadêmicos ou políticos profissionais: são elas – 1) a crise econômica mundial, e com ela a necessidade, para o capitalismo, de rever suas próprias regras do jogo, mesmo ali onde ele parecia estar “dando certo”; 2) a nova realidade da luta de classes no Brasil após junho de 2013, que ensinou ao menos aos analistas do grande capital internacional (ainda que não tanto a seus congêneres “semicoloniais” brasileiros), que ensinou a eles que a partir de então o perigo maior vindo das massas já não poderia ser contido pelos métodos tradicionais do petismo – que só por isso já perderia 90% de sua importância estratégica de longo prazo, apesar de que nesse terreno ainda a questão ainda não possa ser definida concretamente do ponto de vista que mais importa, que é o controle da classe trabalhadora organizada.

Mas aqui ainda estaríamos argumentando para explicar o porquê de uma ruptura tão violenta da burguesia imperialista – encorajando seus lacaios nacionais velhos (PSDB) e novos (MBL?) – com relação ao governo do PT. Porém, e onde entra a agressividade contra os Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, etc, nessa história toda?

Não pretendemos reinventar nenhuma roda nesta breve análise, nem negar que outros já lançaram pistas suficientes nesta trilha, e que o fato de que elas não tenham sido levadas à frente com a contundência e clareza necessárias, é apenas mais uma mostra da insuficiência da esquerda brasileira atual.

Mas a resposta talvez esteja tão perto do nariz que por isso nos escapa: sem cair na dicotomia que exagera a diferença entre “nacionais” e “estrangeiros”, ou ainda mais superficial, entre “petistas” e “tucanos”, mas ao mesmo entendendo a diferença entre ambos.

Há no Brasil de hoje muito daquilo que o velho marxista italiano Antonio Gramsci denominava como “crise orgânica”

– e a resposta para ela, do ponto de vista da manutenção do capitalismo, implica não apenas rever o compromisso de classe representado pelo lulo-petismo, mas também impor um reordenamento radical da hierarquia econômica e política entre as frações da própria burguesia nacional. Respeitando os limites desse artigo, e lançando perguntas que devem ser respondidas em seguida: será coincidência que o bloco burguês mais prejudicado com o fim da ditadura e o surgimento do neoliberalismo tucano nos anos 1990, tenha sido um dos mais consistentes aderentes do “pacto social” lulista?

Para quem não viveu o período, é difícil fazer uma ideia da surpresa que significou num primeiro momento a conformação do bloco de poder burguês em torno de Lula. Na campanha de 2002, a figura do vice José Alencar, empresário nacional do ramo têxtil, do então existente Partido Liberal, foi vista a princípio quase apenas como um “símbolo” de que o PT não atacaria o capital, se chegasse ao governo. Simbolismo que se aprofundou com a famosa “carta aos brasileiros” (e ao FMI), que recentemente foi matéria de debate em interessante artigo de Gilberto Maringoni, com resposta de nosso editor Leandro Lanfredi.

Mas assim que Lula assumiu, passou a se consolidar a adesão de setores de peso da burguesia, especialmente do agronegócio e da construção civil,

que trouxeram para o núcleo de poder alguns setores que, sem jamais deixar a arena, haviam sido postos em posição mais subordinada no modelo FHC. Assim, o lulismo se constituiu como um novo bloco de classes, que conseguiu ao menos durante os anos de bonança econômica, manter e aprofundar o peso das finanças na economia nacional (com o festival de lucros recordes dos bancos, ano após ano), ao tempo em que contentou setores tradicionais da burguesia brasileira que haviam ficado relativamente de escanteio durante os mandatos tucanos. Novamente: não que FHC tenha rompido com eles, longe disso, mas no esquema de entreguismo que o presidente sociólogo gostava de chamar “desenvolvimento dependente-associado” (ao imperialismo), ficavam relativamente reduzidos alguns dos setores de peso que sempre cumpriram um papel estrutural ligado ao Estado, e que haviam tido um máximo desenvolvimento nos anos da ditadura militar. Assim, vimos desde o governo Lula 1, uma unificação até então imprevista de Lula com agentes de peso da ditadura, como Paulo Maluf (seu último candidato, contra Tancredo Neves, e seu “último bastião” em SP), ou Antonio Delfim Netto (o famigerado ministro da economia dos militares, contra o qual explodiram as greves de 1978-1980, as mesmas que catapultaram Lula para a política).

O fato de que, depois é claro do PT, o partido mais atacado na Lava Jato ser o PP do Maluf e do Delfim (antes PPB, e anteriormente PDS, herdeiro mais direto da ditadura), e o fato de serem as grandes “campeãs nacionais” em construção civil, petróleo e energia serem as mais atacadas, pode isso tudo ser mera coincidência? E no fato de que, nas denúncias de corrupção associadas ao PSDB, à exceção de Furnas, com Aécio Neves, os nomes mais recorrentes sejam sempre o de grandes multinacionais como a francesa Alstom ou a alemã Siemens? E por último, será coincidência que nenhuma grande multinacional estadunidense tenha sido implicada em qualquer das principais denúncias: pode isso ter algo a ver com o fato de que o juiz Sergio Moro trabalhou diretamente no Departamento de Estado norte-americano?

A busca de respostas para essas perguntas transcende nossos limites aqui, mas na dinâmica situação política brasileira, buscar respostas mais profundas a elas constitui tarefa obrigatória para a verdadeira esquerda – e obtê-las é um serviço essencial para contribuir para que o próximo ascenso do movimento operário adquira a consciência política necessária para não apenas combater frontalmente seus inimigos declarados, mas desfazer-se oportunamente de seus falsos representantes e aliados.

 
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