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Bruno De Conti: "Reservas internacionais podem não ser tão seguras assim diante da crise”
Daphnae Helena

A Guerra da Ucrânia gera consequências econômicas significativas na economia mundial que já vinha sofrendo pela pandemia. O preço das commodities teve sua maior alta desde o choque do petróleo em 1973. Como resposta à reacionária invasão da Ucrânia pela Rússia, as sanções econômicas, que afetam sobretudo a classe trabalhadora internacional, aplicadas pelos países da OTAN, em especial a suspensão das reservas internacionais, abrem um precedente importante que questiona a suposta segurança advinda da política de acúmulo de divisas por parte de economias periféricas. O Ideias de Esquerda entrevistou o professor Bruno De Conti, docente no Instituto de Economia da Unicamp e diretor do Instituto Confúcio da Unicamp, sobre os impactos econômicos das sanções financeiras à Rússia. Esta entrevista ao Ideias de Esquerda foi concedida a Daphnae Helena, mestranda em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp e entrevistadora do IdE. Confira:

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Ideias de Esquerda: Como parte do aumento das tensões a partir da guerra da Ucrânia, vimos os países da OTAN tomarem uma série de medidas de sanções econômicas contra a Rússia. Muito tem sido falado sobre a suspensão em relação às reservas internacionais do banco central russo, você pode explicar o que significa essa medida?

As reservas internacionais significam o montante de divisas, ou seja, a quantidade de moeda forte que os países acumulam sob controle, em teoria, do seu próprio Banco Central. Mas isso é na teoria, porque essas divisas não são acumuladas em papel-moeda, são, na verdade, títulos públicos dos países centrais. Nesse contexto de mundialização financeira, em função justamente da instabilidade e de crises recorrentes, os países periféricos -que o mercado chama de emergentes- acabam tendo que se proteger dessas instabilidades financeiras pelo acúmulo de reservas. Esses países, para evitar problemas de crises cambiais, de escassez de dólares e divisas - como houve no Brasil nos anos 1980, durante a crise da dívida- fazem esse colchão de liquidez para se protegerem. Já as economias centrais não precisam muito disso, o Japão é uma exceção porque tem reservas elevadas, mas os demais não necessitam desse montante acumulado.

A Rússia é um desses países que, por ter um setor externo superavitário, conseguiu, ao longo das últimas décadas, acumular reservas extraordinárias, em especial devido à exportação do petróleo. Hoje, a Rússia possui o quarto maior montante de reservas internacionais no mundo, mais de 600 bilhões de dólares. Isso, em teoria, protegeria a economia russa contra esses momentos de instabilidade e de fuga de capital do país. Ou seja, o Banco Central russo tem um colchão que lhe permite intervir no mercado cambial, proteger a paridade do rublo e evitar uma depreciação grande. Agora, com as sanções, o que está acontecendo é uma tentativa de impedir o uso dessas reservas pelo Banco Central russo. Isso ocorre porque as reservas não são propriamente em dólares, não são em moeda, são títulos públicos nas moedas centrais. No Brasil, por exemplo, a grande maioria são títulos públicos dos Estados Unidos, em dólares. Na Rússia, eles têm algo como 20% em ouro e o restante em títulos públicos. E esses títulos públicos estão sendo congelados pelos países ocidentais.

A Rússia, desde 2014, quando houve os conflitos na Crimeia e começou a aumentar o patamar da tensão, vem num movimento de reduzir a importância dos títulos públicos estadunidenses nas suas reservas. Os títulos dos EUA que chegaram a ser quase metade, hoje estão cerca de 16% do total. De toda forma, ainda tem um terço, 32% em euro. Quer dizer, ainda assim, as reservas internacionais russas em euro e em dólares são quase a metade do total. Além de uma parte em libra esterlina e cerca 13% em renminbi chinês. Ou seja, a Rússia fez esse movimento de desdolarização das reservas, a fim de reduzir a presença dos títulos estadunidenses, mas dado que a sanção envolve também os montantes que estão em euro e libra esterlina, isso pode significar metade das reservas.

Os cálculos do impacto da sanção nas reservas russas variam e ninguém tem certeza absoluta sobre isso. Diversos bancos têm estimativas um pouco distintas, mas se fala que cerca de metade, ou seja, 300 bilhões, estariam congelados. Enfim, a impossibilidade de utilizar as reservas reduz o poder de fogo do Banco Central russo para combater, por exemplo, a desvalorização do rublo. O impacto mais imediato é esse. Houve já uma grande depreciação da moeda russa, desde o início dos conflitos. E a autoridade monetária desse país fica limitada em relação ao seu poder de intervenção no mercado de câmbio para evitar que o movimento de depreciação siga ocorrendo. O Banco Central russo, pode utilizar ainda o restante das reservas, por exemplo, a parte em renminbi, porque a China certamente não vai realizar essa sanção. Mas não há de que isso limita o poder de fogo da autoridade monetária russa.

E o que é interessante, é que isso está mostrando ao mundo que esse acúmulo de reservas, que é algo custoso aos países periféricos, pode não dar tanta segurança assim. Essa semana, curiosamente, o Globo fez um editorial questionando a hegemonia do dólar. Eles falam justamente que está todo mundo acumulando reserva, em teoria para se proteger em tempos de instabilidade, mas o que se mostrou agora é que os EUA têm o poder de congelar o uso dessas reservas quando quiser. Isso reduz muito, por exemplo, a segurança e confiança dada aos investidores internacionais, pelo fato de um país ter reservas tão grandes. Então esse é o subproduto que está sendo revelado por essas sanções.

IdE: Outra medida comentada é a suspensão do sistema SWIFT. O que é o sistema SWIFT? Qual a capacidade de uma medida como essa impactar as transações na economia russa?

O SWIFT é uma plataforma para pagamentos internacionais que é controlada, é claro, pelo Ocidente e, em particular, pelos Estados Unidos. Há, inclusive, uma discussão sobre os Estados Unidos terem acesso a dados que, em teoria, deveriam ser sigilosos. De qualquer forma, essa plataforma fica sediada em Bruxelas e é por onde transitam, são registrados e realizados grande parte dos pagamentos internacionais, uma vez que o SWIFT é a principal plataforma do globo para isso. Portanto, ser banido desta plataforma pode gerar problemas graves, claro. Agora, no caso da Rússia, alguns bancos foram banidos, mas bancos estrangeiros, por exemplo, localizados no país, podem continuar fazendo pagamentos. Então isso limita bastante o poder dessa sanção, porque os pagamentos podem ser feitos por vias alternativas. Os bancos que estão bloqueados no SWIFT esses sim foram mais afetados. Mas, aparentemente, os canais não foram todos fechados.

IdE: Alguns analistas afirmam que a guerra da Ucrânia poderia fortalecer a China porque com a suspensão do sistema SWIFT, a Rússia poderia operar com o sistema de pagamentos interbancários fronteiriços, o CIPS, criado pelo governo chinês em 2015. Como você avalia essa possibilidade, do ponto de vista do fortalecimento da China?

Existem alternativas ao SWIFT, mas ainda muito marginais. A própria Rússia também lançou uma plataforma de pagamentos financeiros e registros internacionais, o System for Transfer of Financial Messages (SPFS). E a China há pouco lançou sua plataforma, nitidamente num esforço de ir se preparando para eventuais sanções e ganhando maior autonomia. No entanto, a realização de pagamentos internacionais -e isso é verdadeiro para a moeda e para os pagamentos em geral-, só funciona, só faz sentido, se existir uma rede. Uma moeda só é útil se ela for útil para uma segunda pessoa, assim como uma rede de pagamentos só é útil se ela for usada pelas outras pessoas. Nesse sentido, ainda não existe uma rede tão pulverizada pelo mundo como o SWIFT. Nem o CIPS, nem a rede Russa têm a quantidade de bancos e o grau de distribuição geográfica que tem o SWIFT. Então, com certeza a Rússia vai tentar se aproximar da China, vai querer usar sua própria plataforma e usar o CIPS chinês. Esse movimento russo fortalece a China, mas pensando mais no médio e longo prazo, porque também não é da noite pro dia que o CIPS vai conseguir se constituir como uma plataforma tão disseminada, com uma rede tão grande, como é hoje o SWIFT.

IdE: Uma das consequências econômicas mais imediatas da Guerra foi um grande salto no preço das commodities, em especial, petróleo e trigo. Como você acredita que isso impactará a economia brasileira?

Antes do estouro da Guerra, nós já estávamos passando por um período de inflação elevada, em função, sobretudo, do desarranjo das cadeias globais de valor, que gerou um aumento dos preços no mundo todo. Agora vemos a elevação dos preços nas commodities, em especial, aquelas produzidas na Rússia ou na Ucrânia, como o trigo -que é produzido pelas duas- e o petróleo - de produção russa. Nesse cenário, não tenho dúvidas de que haverá impacto na economia brasileira e mundial.

No caso do Brasil, mesmo o nosso país não sendo um importador do petróleo russo, como os preços internacionais são afetados, isso rebate também nos preços internos. Sobretudo com a política que vem sendo adotada no Brasil, de basear os preços domésticos nos preços internacionais e, por isso, repassar os aumentos. Aliás, essa política é algo super questionável e até pouco tempo não era feito dessa forma. A economia brasileira praticamente tem autonomia no petróleo, então nós teríamos condições de não criar esse canal de comunicação direto entre a volatilidade dos preços internacionais e os preços domésticos, daria para definir isso internamente - tem até um debate acontecendo no governo sobre isso.

Mas enfim, a tendência é que isso impacte sim e no Brasil a gente tem uma matriz de transporte completamente baseada no petróleo, então isso se dissemina. Tem alguns bens cujo aumento dos preços é menos grave, mas a inflação de combustível essa se dissemina por toda a estrutura de preços, porque é o custo de transporte das mercadorias. Em relação ao trigo, também tem impacto direto, porque é insumo para a fabricação do pãozinho de cada dia. Isso também é curioso, a gente poderia ter no Brasil uma dieta baseada em pão de outra coisa, por exemplo, de mandioca... É uma certa dominação cultural que também paga seu preço de tempos em tempos. E a gente também vai pagar com o aumento do preço do trigo.

 
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