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Análise
Lula fala à “mídia independente”, mas mensagem foi ao mercado
Mateus Castor
Cientista Social (USP), professor e estudante de História

A entrevista de 3 horas de Lula repercutiu fortemente entre todos os comentaristas da grande mídia. O que mais chamou positivamente a atenção do Valor, da Folha, e outros jornais foi a defesa da possibilidade de candidatura de Alckmin como seu vice, quando, por diversas vezes, foi questionado. O mercado também repercutiu, o Ibovespa fechou em alta de 1,26%, aos 108.013 pontos. O dólar caiu 1,70%, a 5,465 reais, uma ótima notícia para Lula. Na esquerda, a aliança com o ex-tucano golpista continua a ser o centro das polêmicas e discussões entre partidos e organizações, não à toa, grande parte das perguntas focaram nessa questão.

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O fator Alckmin na interpretação burguesa

Diferente do que a Veja afirma, Lula falou sim ao mercado, citando por diversas vezes os vários nomes - mercado financeiro, Bolsa de Valores, Faria Lima, etc - que a mais alta burguesia brasileira possui. O contexto dessas citações, muitas vezes, era o de afirmar que essas entidades centrais no capitalismo brasileiro precisam também dar espaço ao “pobre no orçamento”. Chegou a comentar em taxar os grandes ricos, criticou o teto de gastos que estrangula o orçamento federal e precariza os serviços públicos e o “compromisso fiscalista”.

Sabemos que qualquer comentário que vá contra os mandamentos do golpe de 2016, como a responsabilidade fiscal que precarizou a Saúde, que colapsa em Manaus mais uma vez diante da Ômicron, é motivo de histeria coletiva dos neoliberais. Nos parece, contudo, que outra coisa chamou muito mais atenção da intelligentsia burguesa, a exaltação da capacidade de equilíbrio fiscal do PT durante seus governos, o que incluiu uma reforma da previdência. E claro, revogação das reformas esteve bem distante das declarações na entrevista.

O mercado e a grande mídia reagiu bem diante da seguinte palavra mágica: “Alckmin”. Dessa figura execrável, que agora tenta fazer a pose de democrático (com um passado de chacinas policiais nas periferias de SP), muitas coisas se implicam. Da resposta de Lula implica-se toda uma política de conciliação com a elite golpista que protagonizou o golpe e enriqueceu com o bolsonarismo. Dessa palavrinha mágica “Alckmin”, que viu seu partido afundar diante da tempestade que o mesmo ajudou a criar, a alta burguesia, partidos e instituições chaves dessa “nova república” pós golpe, vem em Lula um bom gestor para pôr ordem no Estado burguês, para que o Executivo volte a ser prudente, bom gestor, bem comportado com os parceiros econômicos internacionais e, acima de tudo, estável.

Lula falou bem ao mercado e a bolsa teve alta. Comparações com a “carta ao povo brasileiro” das eleições de 2002 são inevitáveis, podendo-se ir além, dado que Geraldo Alckmin não é uma carta de promessas à burguesia, mas sim o candidato favorito da burguesia nas eleições de 2018, até sua naufragar e perder espaço para Bolsonaro “Ele vai ter que ser igual o melhor ao José Alencar”, afirmou Lula. Entende-se que o petista espera que seu vice cumpra um papel ainda mais chave que nos governos anteriores. O regime político instaurado pela constituinte de 88 já estava estável, a figura de José Alencar serviu como uma mensagem para a alta burguesia e junto à carta deu uma reserva de confiança da classe dominante e consequentemente estabilidade para Lula. Não por acaso, Lula faz questão de falar que não quer ser o protagonista, que sua candidatura deve fazer parte de todo um movimento que faça demagogia em nome da democracia, com Alckmin, Kassab, Paulinho, PSB e todos que deem a ele a capacidade de ganhar as eleições e governar.

O regime político não é mais o de 88, e foi totalmente transformado pelo golpe de 2016. Outra correlação de forças entre trabalhadores e burguesia, condições de vida degradadas, serviços públicos precarizados e perspectivas nada boas para uma recuperação econômica, para além de mais de 19 milhões de brasileiros passando fome. Muito mais instável, degradado, e protagonizado por disputas entre direita e extrema direita, em especial entre STF e Militares, que agora já preparam-se para uma cooperação diante do cenário mais provável de vitória petista nas eleições.

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O debate da posição da vice-presidência diz respeito não só à estabilidade do governo, mas à um salto do papel que o PT pretende exercer na gestão deste regime, de sua estabilização, sustentação e preservação dos ataques econômicos e políticos exercidos por Temer e Bolsonaro.

Para isso, a figura do vice, como pontuou Lula ao responder a uma segunda pergunta sobre Alckmin, pode servir para recuperar aspectos da estrutura sindical brasileira, articulada entre Estado, empresários e sindicato, o que faz sentido, levando em conta a reunião das centrais com o ex-tucano e demonstra que frações consideráveis da classe dominante podem buscar uma negociação maior com as centrais, após imensos ataque que levaram a um alto nível de precarização do trabalho e retirada de direitos e salários, o que causou uma situação social muito instável e potencialmente explosiva.

Os especuladores da Bolsa observam essas movimentações, e não por acaso empresas do ramo do varejo, construção e educação, com uma alta de 9,7% das ações das Americanas, setores beneficiados nos governos petistas e suas políticas de expansão do consumo de bens e também da rede privada de ensino, da mesma maneira que com as licitações à empreiteiras para obras públicas. A Petrobras caiu somente 0,5%, sendo uma empresa com ações sob influência esmagadora do imperialismo, um bom termômetro de que o discurso de Lula pró unilateralismo das relações internacionais e reivindicando as principais cúpulas de comércio também surtiu seu efeito.

Discursando sobre democracia, falando para a conciliação e lucros do mercado

Lula repetiu durante a entrevista que deseja “que o povo possa ser sujeito da história nas decisões importantes que nós queremos fazer nesse país”, buscava dialogar com um outro desejo das massas de recuperar seus direitos políticos e peso no jogo democrático. Comentou sobre comitês e a participação popular que pretende realizar nos seus ministérios, junto aos indicados por Alckmin e todas as figuras do centrão e do regime para sustentar seu governo e trazer estabilidade ao próprio regime como um todo.

Não podemos, contudo, subestimar a capacidade Lula e do PT em conciliar interesses, como fizeram por mais de uma década na presidência do país. Embora tenhamos claro que, diante do aperto nos lucros como ocorreu a partir de 2014, quem paga as contas e quais interesses são defendidos. Lula demonstra, como sempre faz, a habilidade política em conciliar que o fez ascender como um dos políticos que melhor garantiram a conciliação de classes. Faz isso da seguinte forma:

"Não é apenas a Avenida Faria Lima. Não apenas a Bolsa de Valores. Eles também serão ouvidos. Mas eles tem que aprender que tem outros setores importantes pra gente decidir que tipo de Brasil nós vamos querer. Essa é uma das razões pelas quais eu posso ser candidato, que eu quero provar que é possível exercer a democracia em sua plenitude respeitando a totalidade da sociedade brasileira."

Lula pede, com a mesma educação e serviência que teve à burguesia em seus governos, que os 0,01% dos mais ricos, talvez uma porcentagem menor, considerem, pelo menos no final das reuniões de negócios, como aquele assunto secundário, levem em conta “outros setores” na direção do país. Lula disfarça falando em “exercício da democracia em sua plenitude” a ditadura brutal da classe dominante, que garantiu, em meio à fome e as filas de osso, um mais novo capítulo da pandemia, agora com a nova variante Ômicron mas com o velho método das ondas anteriores: preservar os lucros enquanto o caos público se instaura novamente para o povo pobre e trabalhador.

A aposta petista

O PT aposta que com a fome, a degradação das condições de vida e toda herança deixada por Bolsonaro, qualquer medida que melhore minimamente a situação da população, possa garantir estabilidade e uma “lua de mel” prolongada entre as massas e o governo. Essa aposta passa, sobretudo, por paralisar qualquer tipo de luta dos trabalhadores com o objetivo de canalizar toda a revolta com Bolsonaro nas urnas. O grande problema da estratégia petista é que para isso se deposita todo o futuro nas mãos dos mesmos atores golpistas do regime que promoveram o golpe de 2016 e apoiaram ativamente a eleição de Bolsonaro.

A história do mundo mostra, porém, que os interesses de certos “setores” são esmagadoramente mais ouvidos e defendidos do que outros, tanto em governos marcados por ataques capitalistas como aqueles que buscaram a conciliação. Isso porque vivemos em uma sociedade que se movimenta a partir da luta de classes e não da conciliação de interesses entre a Faria Lima e outros “setores”. O respeito à Bolsa de valores foi garantido com reformas, privatizações e o sistemático pagamento da dívida pública. O respeito à classe trabalhadora, aos negros, mulheres, indígenas e todos explorados e oprimidos, será conquistado com a imposição de um programa que defenda seus interesses, para a melhoria de suas condições de vida, como o aumento dos salários de acordo com a inflação, o pleno emprego, os direitos, em suma, a revogação de todos os ataques vistos desde 2016 para o avanço de mais conquistas.

A defesa dos direitos políticos da classe trabalhadora, conquistados em lutas históricas contra a Ditadura Militar e atacados pelos governos de Temer e Bolsonaro, tutelados pelo Judiciário e Militares, da mesma forma que esmagar o bolsonarismo serão obras da luta da própria classe trabalhadora em defesa de seus interesses, através da luta de classes. O método da conciliação de classes já mostrou o seu resultado: um golpe, a ascensão do bolsonarismo sendo sustentado pelo agronegócio, igrejas evangélicas, centrão, militares, fortalecidos durante os governos do PT. Lula e seu partido buscam curar a doença injetando mais vírus. A vice presidência é mais um movimento dessa estratégia

 
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