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Por que Trótski era o maior defensor da URSS? Parte 1: a luta contra a burocratização
Gabriel Girão

Aproveitando o aniversário da Revolução Russa, nesta série de artigos buscaremos mostrar a luta de Trótski contra a burocratização na URSS e também explicar porque este foi o maior defensor da primeira república operária no mundo, tanto contra o imperialismo como também contra a burocratização do stalinismo.

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A crise econômica capitalista que se arrasta desde 2008, aprofundada pela pandemia, vem gerando uma série de fenômenos políticos diversos, fruto das crises orgânicas em vários países [1], fenômeno descrito por Gramsci. Vemos o surgimento da extrema direita como Trump e Bolsonaro. No entanto, também há fenômenos pela esquerda. Cresce o interesse pelas ideias do socialismo e do marxismo em vários países do mundo, principalmente na juventude. Debates sobre o tema da Revolução Russa e da URSS são cada vez mais comuns, inclusive com uma certa reivindicação da URSS e do chamado “socialismo real” como alternativa à miséria capitalista (e, em alguns casos, até mesmo uma reivindicação da China capitalista atual como suposto alternativa ao imperialismo americano). Contraditoriamente, cresce o apelo à figura de Stálin (e de outras figuras como Mao Tsé Tung) como se esse fosse o grande defensor da URSS e do socialismo. Se, por um lado, o crescimento do interesse pelo marxismo é um fenômeno extremamente progressista e joga por terra todo o discurso neoliberal de “fim da história” segundo o qual o marxismo e, principalmente, a ideia da revolução e da possibilidade de um futuro socialista era dada como morta, por outro lado, o crescimento do apelo da figura de Stálin e do stalinismo mostra a necessidade da luta teórica e política contra essa deformação do marxismo. Apenas dessa forma podemos preparar novas vitórias e impedir que o stalinismo cumpra, no século XXI, o mesmo papel que cumpriu no século XX de “Grande organizador de derrotas”, como definiu Trótski.

No Brasil, esse fenômeno vem acompanhado de certo ressurgimento de algumas correntes stalinistas. Entre essas correntes podemos identificar duas vertentes. A primeira, representada pela UP/PCR e por setores do PCB dentre outros, defendem um stalinismo mais “ortodoxo”, enquanto um outro setor do PCB defende um stalinismo “reciclado” com uma feição mais eclética.

Um dos representantes dessa linha mais ortodoxa, a UP/PCR segue o que seria a “linha albanesa”, representada por Enver Hoxha, que seguiria o legado de Stálin após o “revisionismo” promovido por Kruschov no XX Congresso do PCUS. Esse setor repete as mesmas calúnias que o stalinismo promove contra o trotskismo desde os anos 20 e 30. Já a outra versão do stalinismo coloca como se a polêmica fosse algo meramente pessoal, alguns chegam até mesmo a falar que Trótski tinha algumas boas contribuições e que inclusive aconteceram alguns “excessos” por parte de Stálin. Esse discurso pode até parecer para um setor mais amplo mais palatável que os dos seguidores da “linha albanesa”, mas seu objetivo ainda é o de legitimar o legado stalinista. Aqui nesse texto buscaremos dialogar com alguns dos argumentos colocados por essas vertentes do stalinismo, mostrando como e por que Trótski foi o maior defensor da URSS, não apenas contra o perigo do imperialismo, mas também da degeneração burocrática representada pelo stalinismo (que acabou restaurando o capitalismo), assim como o legado de Trótski para pensar a revolução hoje.

A batalha de Trótski contra a burocratização da URSS

A Revolução Russa foi um fenômeno único na história. Pela primeira vez a classe trabalhadora, organizada nos sovietes dirigidos pelos bolcheviques, toma o poder num país, superando assim a Comuna de Paris, que durou apenas 71 dias e ficou restrita à Paris. O impulso da Revolução de Outubro, somado às mazelas da primeira guerra, fez com que uma onda revolucionária varresse a Europa, conforme tinha sido previsto por Lênin, Trótski e os bolcheviques. O resultado, entretanto, foi contraditório e diferente do previsto pela maioria dos marxistas. Por um lado, as revoluções na Europa foram derrotadas, fruto da traição da social democracia - que reprimiu abertamente os processos, matando revolucionários como Rosa Luxemburgo e Karl Liebnecktch na Alemanha e abrindo as portas para o fascismo na Itália – e da imaturidade dos Partidos Comunistas, que apenas recentemente tinham rompido com a social democracia. Ao mesmo tempo, esses processos impediram que o imperialismo levasse a ofensiva da guerra civil contra a URSS até o final e, junto com o esforço heróico dos trabalhadores russos e a capacidade de direção do partido bolchevique sob os auspícios principalmente de Lênin e Trótski na época, garantiram que o regime soviético conseguisse sobreviver na Rússia.

Se não foi capaz de destruir imediatamente a república dos sovietes, a Guerra Civil e o isolamento fizeram grandes estragos na URSS. A burocratização foi um deles. Era consenso entre Lênin e Trótski que a burocratização avançava no Estado soviético e no partido [2]. Os dois viam a raiz dessa burocratização na herança do atraso histórico da Rússia, junto ao isolamento internacional e as dificuldades impostas pela Guerra Civil. Diferente de uma crítica comum dos stalinistas a Trótski, esse não via a burocratização meramente como a ação isolada de um indivíduo, e sim um fenômeno com bases materiais e históricas concretas. Por um lado, inicialmente a burocracia se baseou na miséria que a Rússia experimentava logo após a tomada do poder. No entanto, o crescimento econômico não enfraquece, mas pelo contrário, fortaleceu um processo de diferenciação social que também constituía a base da burocratização. Tanto Lênin quanto Trótski veem também que essa camada burocrática já constituía um corpo social com privilégios e interesses materiais próprios. Se Lênin viu esse fenômeno apenas nos primórdios, é Trótski quem conseguirá ver o fenômeno de forma mais acabada:

A autoridade burocrática se baseia na pobreza dos artigos de consumo e na luta que daí resulta contra todos. Quando os armazéns se encontram bem fornecidos de mercadorias, os clientes poderão aparecer a todo o momento. Quando as mercadorias escasseiam, os compradores são obrigados a esperar à porta. Logo que a fita de pessoas se torna muito longa, impõe-se a presença de um agente da polícia para manter a ordem. Este é o ponto de partida da burocracia soviética. Ela “sabe” a quem dar e quem deve esperar. O melhoramento da situação material e cultural deveria, à primeira vista diminuir a necessidade dos privilégios, restringir o domínio do “direito burguês” e, por esse fato, minar os alicerces da burocracia que é guardiã destes direitos. Mas o que se produz é exatamente o inverso: o crescimento das forças produtivas foi acompanhado até hoje por um extremo desenvolvimento de todas as formas de desigualdade e privilégios e, igualmente, da burocracia. E não sem razão. No seu primeiro período, o regime soviético teve incontestavelmente um caráter bastante mais igualitário e menos burocrático do que hoje. Mas a sua igualdade era a da miséria comum. Os recursos do país eram tão limitados que não permitiam destacar das massas quaisquer meios ou privilégios. O salário “igualitário”, suprimindo o estímulo individual, tornava-se um obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas. A economia soviética teria que sair um pouco da sua indigência para que a acumulação desses sujos objetos que os privilégios constituem, se tornasse possível. O atual estado da produção ainda está longe de assegurar a todos o necessário. Mas permite já fornecer importantes vantagens à minoria e fazer da desigualdade um estímulo para a maioria. Esta é a razão número um para o fato de o crescimento das forças produtivas ter até hoje reforçado os traços burgueses e não socialistas do Estado. Esta razão não é única. Ao lado do fator econômico que obriga, na presente fase a recorrer aos métodos capitalistas de remuneração do trabalho, atua o fator político encarnado na própria burocracia. Pela sua natureza, esta cria e defende privilégios. Surge, logo no início, como órgão burguês da classe operária. Estabelecendo e mantendo os privilégios da minoria atribui a si própria, naturalmente, a melhor parte: aquele que distribui os bens nunca saiu lesado. Assim, vê-se nascer das necessidades da sociedade um órgão que, ultrapassando em muito a sua função social necessária, se transforma em um fator autônomo e, simultaneamente na fonte de grandes perigos para todo o organismo social. O significado do Termidor soviético começa a ficar claro diante de nós. A pobreza e a incultura das massas concretizam-se de novo sob as formas ameaçadoras do chefe armado com poderoso cacete. Outrora recusada e difamada, a burocracia, de serva da sociedade, transformou-se em senhora. Ao sofrer esta transformação, afastou-se das massas, social e moralmente, e a tal ponto que já não pode admitir controle sobre os seus atos e sobre os seus rendimentos. O medo, à primeira vista místico, que a burocracia experimenta na presença de “minúsculos especuladores, indivíduos sem escrúpulos e mexeriqueiros”, encontra aí a sua natural explicação. Não se encontrando ainda à altura de satisfazer as necessidades elementares da população, a economia soviética faz nascer, a cada passo, tendências para a especulação e fraude interesseira. Por outro lado, os privilégios da nova aristocracia incitam as massas a dar ouvidos aos “rumores anti-soviéticos”, isto é, a toda a crítica, mesmo a meia-voz formulada, às autoridades autoritárias e insaciáveis. Não se trata, pois, de fantasmas do passado, restos do que já não existe, numa palavra, da neve do ano anterior, mas de novas e poderosas tendências, sem cessar renascentes, para a acumulação pessoal. O primeiro afluxo de bem-estar, bastante modesto, teve precisamente como consequência, em virtude da sua fraqueza, não o enfraquecimento, mas o fortalecimento de tendências centrífugas. Contudo, os não privilegiados sentiram crescer o desejo surdo de moderar, sem consideração, os apetites dos notáveis modernos. A luta social se agrava de novo. Estas são as fontes da força da burocracia. Estas são igualmente, as fontes dos perigos que ameaçam essa força. [3]

Apesar de verem a base material da burocratização, nem Trótski nem Lênin acharam normal essa situação. Pelo contrário, viam que a tarefa principal do Partido era ser uma contra-tendência a isso. A luta contra a burocratização da URSS e do Partido foi um dos principais combates de Lênin em seus últimos dias e a Oposição de Esquerda continuou esse combate. Lênin buscou delimitar as fronteiras entre o Partido e o Estado, assim como buscar formas de democratizar a gestão deste último, buscando retomar a vida dos sovietes que tinha morrido com a Guerra Civil. Lênin também propõe formas de retomar a democracia interna no Partido, como a proposta de aumentar os integrantes do Comitê Central. Com o fim da Guerra Civil, também começa a restringir os poderes da Comissão Extraordinária de Combate à Contrarrevolução e à Sabotagem, a Cheka (que levava esse nome de Extraordinária justamente por isso). Um dos temas que Lênin mais elaborou nos anos 20 foi sobre a Inspeção Operário Camponesa, que ele acreditava ser uma forma de combater a burocratização. Ao mesmo tempo, Lênin já tinha um “pé atrás” em relação a Stálin. Inicialmente pelo conflito na Geórgia e por seu apoio a flexibilizar o monopólio do comércio exterior. Ao mesmo tempo, em seu “Testamento” político, Lênin, apesar de criticar vários membros do Comitê Central e do partido – algo que era muito comum num partido vivo e com o constante choque de ideias. Ao mesmo tempo que reconhece que Trótski, apesar de seus eventuais problemas era provavelmente o membro mais capaz do Comitê Central – expressa sua preocupação com a extrema concentração de poder na figura de Stálin como secretário-geral, assim como pela sua personalidade grosseira pede que esse seja removido do cargo. Depois disso, Lênin chega a ameaçar romper relação com Stálin após uma briga sua com Krupiskaia e desconfia que esse estava pressionando os médicos a restringirem sua participação política. Muitos dos documentos de Lênin foram censurados no período stalinista. [4]

Nas bases desse processo, também se encontrava a relação entre a cidade e o campo, em um país de maioria camponesa. Uma Rússia já destruída pela Primeira Guerra Mundial, que ainda enfrentava os efeitos da Guerra Civil, não conseguia avançar velozmente rumo à industrialização, pelo contrário, tinha suas forças produtivas da cidade destruídas. Por isso, durante o período que ficou conhecido como "comunismo de guerra", em uma situação de miséria e conflito, o Estado operário garantia o abastecimento da população dos exércitos e da população das cidades com produtos agrícolas a todo custo, sem conseguir retribuir o trabalho no campo com produtos industrializados, devido à destruição econômica, o que passou a gerar descontentamento dentre os camponeses. Foram essas contradições que levaram Lênin e Trótski a defenderem, ao fim da Guerra, a Nova Política Econômica (NEP). Esta significava garantir concessões a setores do campesinato de maneira controlada em prol do desenvolvimento do campo para a produção de excedentes às cidades, ou seja, reintroduzindo relações de mercado, enquanto a chave era o desenvolvimento da industrialização nas cidades. A NEP era vista e proclamada como "um passo atrás" abertamente, por parte dos revolucionários, mas tira como medida necessária para recompor as relações entre camponeses e proletariado. No processo de burocratização, Stálin, entretanto, passou a se apoiar nesse setor social beneficiado pela NEP, transformando o que era uma exceção em regra e, junto a Bukhárin, defendendo a tese da "industrialização a passos de tartaruga", no vértice oposto de desenvolver o proletariado para garantir sua hegemonia em relação ao campo.

Os interesses materiais próprios da burocracia possuíam um caráter dialético. Tendo chegado a essa posição sob a base de um Estado operário e de uma economia planificada, é obrigada a defender à sua maneira essas bases, ainda que carcomendo-as cada vez mais. Ao mesmo, estando numa posição social acima dos trabalhadores, essa burocracia atua para se preservar e manter ou aumentar seus privilégios em detrimento das conquistas dos trabalhadores. Muitos dos funcionários que vão ocupar cargos de alto escalão na URSS não apenas não foram combatentes pela revolução como, em muitos casos, estavam do outro lado da barricada:

Aproveitando a morte de Lenin, a burocracia iniciou a campanha de recrutamento chamada de “promoção de Lenin”. As portas do partido, até então bem guardadas, escancararam-se completamente: os operários, os empregados e os funcionários para ela se precipitaram em massa. (...) A esmagadora maioria dos burocratas da geração da época encontrava-se, durante a Revolução de Outubro, do outro lado da barricada (é o caso, para só considerar os diplomatas soviéticos, de Troyanovsky, Maysky, Potemkine, Souritz, Khintchouk e outros) ou, no melhor dos casos, afastados da luta. Aqueles, entre os burocratas de hoje, que durante os dias de Outubro, se encontravam com os bolchevistas, não ocupavam, na maioria dos casos, um papel importante, por menor que fosse. Quanto aos jovens burocratas, eram formados e selecionados pelos velhos e frequentemente saíam da sua prole. Estes homens não fizeram a Revolução de Outubro. Mas encontraram-se melhor adaptados para explorá-la. [5]

Como demonstrado acima, a análise de Trótski sobre as origens da burocracia estão longe de ser simplistas ou meramente focadas em disputas pessoais com Stálin, pelo contrário, é uma análise materialista. No entanto, o materialismo não analisa a história meramente pelos indivíduos, também não nega o papel que estes podem ter na história. Nesse sentido, Trótski analisa como a burocracia foi encontrando seus representantes dentro do partido, sendo Stálin o representante maior:

Seria ingenuidade pensar que Stálin, desconhecido das massas, tivesse saído de repente dos bastidores armado com um plano estratégico completo. Não. Antes que ele próprio tivesse entrevisto o seu caminho, a burocracia já o tinha escolhido. Ele apresentava-lhe todas as garantias desejáveis: o prestígio de um velho bolchevista, um caráter firme, um espírito tacanho e uma indissolúvel ligação com as repartições públicas, fonte única da sua influência pessoal. Stalin foi, no início, surpreendido pelo seu próprio êxito. Era a unânime aprovação de uma nova camada dirigente que procurava se libertar tanto dos velhos princípios como do controle das massas e que tinha necessidade de um árbitro seguro nos seus assuntos internos. Figura de segundo plano para as massas e para a revolução, Stalin se revelou o chefe incontestado da burocracia Termidoriana, o primeiro dos Termidorianos. (...) A divinização cada vez mais impudente de Stalin é, apesar do que tem de caricatural, necessária ao regime. A burocracia tem necessidade de um árbitro supremo inviolável, primeiro cônsul à falta de imperador, e leva aos ombros o homem que melhor responde às suas pretensões de domínio. A “firmeza” do chefe, tão admirada pelos diletantes literários do Ocidente, não é mais do que a resultante da pressão coletiva de uma casta, pronta a tudo para se defender. Todo o funcionário professa a fórmula “o Estado sou eu”: todos se reconhecem sem dificuldade em Stalin. Stalin descobre em todos o fôlego do seu espírito. Stalin personifica a burocracia e este é o fato que molda a sua personalidade política.

Nesse sentido, a ala stalinista vai atuar ao contrário do que Lênin preconizava. Ao contrário de combater as tendências à burocratização, as reforça. Ao invés de buscarem delimitar as funções do Estado e do partido, Stálin e a casta governante que foi se instalando no poder reforçam o sistema de partido único e sem direito a frações que tinha sido imposto excepcionalmente pelas condições da Guerra Civil e pela passagem dos mencheviques e dos SR’s para o lado da contrarrevolução. A liberdade artística e científica experimentada nos primeiros anos é substituída pela “arte oficial” do Realismo Socialista e os ditames da ciência ficam a cargo de Lysenko, um biólogo que era contra a genética e a teoria da evolução, mas que foi elevado a esse posto por ser aliado de Stálin. A Cheka é reforçada e se torna uma verdadeira polícia política do regime, a GPU, precursora da KGB. O sistema de patentes é reintroduzido no exército. Não à toa, a ala de Stálin vai fazer de tudo para impedir as participações de Lênin nos congressos após 1921, se usando de sua doença. Não apenas tentando impedir sua presença, mas também vetando suas contribuições escritas, alegando que esse não estava em condições de analisar a situação por seu isolamento. Alguma dessas contribuições são inclusive censuradas dentro da URSS. Outras obras de Lênin, se não censuradas, vão ser editadas ao gosto da burocracia ou vão simplesmente não ser mais publicadas.

A derrota da Revolução Alemã em 1923 e uma estabilização relativa do capitalismo na Europa, consolida, pelo menos provisoriamente, o isolamento na URSS, e essas novas questões vão colocar novos problemas. Trótski não foi alheio a esses debates, pelo contrário, como veremos mais à frente. No entanto, a consequência dessa derrota, junto ao desgaste da guerra civil, faz com que um clima reacionário se espalhe pelas massas e dentro do partido. É nesse “estado de ânimo” que a burocracia se apoia, como demonstra Trótski:

21. A revolução de Outubro, em uma medida maior que em nenhuma outra na história, despertou as maiores esperanças e as maiores paixões das massas, sobretudo das massas proletárias. Após os imensos sofrimentos de 1917/1921, as massas proletárias têm melhorado consideravelmente sua sorte. Elas apreciam seu progresso, e abrigam ainda mais a esperança do desenvolvimento. Mas ao mesmo tempo sua experiência lhes tem mostrado o caráter extremamente gradual desta melhoria, que somente agora lhes tem devolvido o nível de vida que possuíam antes da guerra. Esta experiência é de incalculável importância para as massas, especialmente para a velha geração. Eles têm se voltado mais cautelosos, mais céticos, menos receptivos às consignas revolucionárias, menos inclinados a depositar confiança em amplas generalizações. Este estado de ânimo, que se desenvolveu depois da penosa experiência da guerra civil e depois dos êxitos alcançados pela reconstrução econômica, e que não tem sido ainda dissipado pelas novas mudanças das forças de classe, este estado de ânimo constitui o pano de fundo político básico da vida do partido. Este é o estado de ânimo sobre o qual o burocratismo – como elemento de “lei e ordem” e de “calma”- se apoia. A tentativa da Oposição de colocar os novos problemas frente ao partido se choca precisamente com este estado de ânimo.

22. A velha geração da classe trabalhadora, que fez duas revoluções, ou fez a última, começando em 1917, está sofrendo de esgotamento nervoso, e uma porção substancial deles teme qualquer nova convulsão, com sua perspectiva concomitante de guerra, destruição, epidemias e demais. A teoria da revolução permanente está sendo transformada em um espantalho precisamente com o propósito de explorar a psicologia das massas deste setor substancial dos trabalhadores, que não são em absoluto arrivistas, mas que tem engordado, tem família. A versão da teoria que está sendo utilizada para isso não está, obviamente, relacionada em absoluta com as velhas disputas, já há muito tempo renegadas nos arquivos, e sim que simplesmente agita o fantasma de novos desastres, “invasões” heroicas, a perturbação da “lei e da ordem”, uma ameaça para as conquistas do período de reconstrução, um novo período de esforços e sacrifícios. Fazer um espantalho da revolução permanente é, em essência, especular sobre o estado de ânimo daqueles trabalhadores, incluindo os membros do partido, que se tornaram auto-satisfeitos, engordaram, e são semi-conservadores. [6]

É nesse sentido que o stalinismo representa a reação sobre as bases da revolução, o Termidor [7] soviético. A consumação teórica disso vai vir com a Teoria do Socialismo em um só País. A definição do Termidor e as consequências do retrocesso teórico serão tratadas no próximo artigo.

 
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