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ARTE CONTRA A HOMO/TRANSFOBIA
Lucy e sua dança no caminho da liberdade
Fernando Pardal

Durante o Acampamento Anticapitalista de Secundaristas, Lucy Lima apresentou sua dança. A sua linda performance despertou a fúria de reacionários e stalinistas, que promoveram uma enxurrada de comentários homofóbicos na página da Juventude às Ruas.

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O som de Elephant Gun, do Beirut, embalou os passos de Lucy, que ao longo de quatro minutos e meio encantou os jovens ali presentes com seus movimentos. Como os demais secundaristas que estavam no acampamento, os mesmos que se levantaram, ocuparam suas escolas e impuseram uma derrota ao governo de Alckmin, Lucy sabe que a vida nova que deseja criar está em tudo: desde a política até nossa sexualidade, nosso gênero, nosso direito à arte e cultura. Cada passo de sua dança transpirava a liberdade a que a luta dessa juventude aspira.

Contudo, curiosamente a dança de Lucy despertou um ódio visceral em alguns. Filmada em um celular e postada na página de Facebook da Juventude às Ruas, ela despertou a ira dos reacionários de sempre, fãs de Bolsonaro e saudosos da ditadura, que se manifestaram prontamente. Para essa gente a performance de Lucy tem o significado de uma transgressão moral, com uma estética que aperta no nervo da camisa de força da hetero e cisnormativadade com que a burguesia quer calar a liberdade sexual da juventude. Na verdade, há algo profundamente correto no ódio desses setores de direita: eles identificam a “depravação sexual” da dança de Lucy e da forma como transgride as normas de gênero com a luta contra esse sistema capitalista apodrecido e suas instituições. Mas, dessa vez, os comentários da direita foram ofuscados por um outro setor, que pareceu se revoltar ainda mais: são os stalinistas, saudosos do regime repressor que seu “chefe” impôs por décadas na URSS e em dezenas de países dominados por burocracias assassinas. Esses, diferente da direita, acreditam que a luta por liberdade econômica e política pode vir acompanhada de repressão sexual e artística. E eles estiveram errados ontem, como estão hoje.

Por que a dança de Lucy os incomoda tanto? Quando o partido bolchevique dirigiu a primeira revolução de trabalhadores vitoriosa da história, na Rússia de 1917, ele lutou incansavelmente pela libertação de todos os setores explorados e oprimidos – mesmo com todas as dificuldades impostas pela miséria russa. A homossexualidade deixou imediatamente de ser considerada crime, os divórcios e abortos foram legalizados, o partido criou organizações de mulheres que discutiam suas necessidades e se organizavam para lutar por elas. A arte, a ciência e a cultura se expandiram como nunca, com diversas correntes debatendo e criando livremente, discutindo como seria a criação cultural das mulheres e homens pela primeira vez libertos das pesadas correntes do capital. Tudo transpirava futuro e liberdade, que era o combustível para cada um desses sonhos e criações.

Mas bastou que a burocracia de Stalin tomasse as rédeas do país, após a morte de Lenin, e todas as liberdades conquistadas nesse curto período foram sufocadas com mão de ferro. A homossexualidade passou a ser vista como uma “degeneração burguesa” e perseguida tal como nos países capitalistas; para as mulheres, instituiu-se o “heróico” e “natural” papel de mãe, esposa, dona de casa; arte e ciência foram reprimidas, sua liberdade cortada, seus principais expoentes presos e fuzilados. O stalinismo transformou a liberdade, que é a espinha dorsal do comunismo, em uma pálida sombra, aprisionada e sentenciada aos campos de trabalhos forçados na Sibéria, os Gulags.

A arte era inimiga de Stálin porque ela promovia o pensamento independente, o questionamento, porque ela não cabia em seus esquemas burocráticos. Porque ela procura seus próprios caminhos para a liberdade, ao invés de seguir fórmulas prontas impostas por um funcionário servil. Para exercer seu domínio, Stálin precisava de pessoas dóceis e submissas. E para isso criou um conjunto de regras que a arte deveria seguir, e quem não o fizesse seria – na melhor das hipóteses – censurado. A isso se deu o nome de “realismo socialista”. Nas últimas décadas o capitalismo triunfante procurou dizer que o comunismo se resumia aos massacres stalinistas, e quis se colocar como arauto da liberdade. Mas qualquer um pode ver a liberdade que ele oferece: o machismo, o racismo, a homofobia e a transfobia são parte de seu DNA, e com eles se sufoca qualquer tentativa de ser livre. A liberdade de arte é a liberdade de comprar e vender arte, e de colocar sob os caprichos do mercado qualquer um que queira se expressar livremente. Com qualquer desenvolvimento cultural e científico ocorre o mesmo: manda quem paga a conta. E os que criam são obrigados a obedecer. Nosso tempo é o tempo do salário, do trabalho explorado, um tempo que não nos pertence, de uma vida que não nos pertence. E a arte, sem a liberdade, não é arte.

A dança de Lucy encanta porque é uma fagulha dessa liberdade a que almejamos. Ousa dizer não a padrões impostos de todos os cantos, e expressar aquilo que deseja por si mesma. Em meio a dezenas de jovens que discutiam como mudar o mundo, Lucy transformou esse anseio de liberdade nos movimentos fluidos de seu corpo. E isso causa revolta àqueles que querem amarrar, submeter, castrar. Sejam os que amam as regras do mercado e de seus políticos e polícias, seja a dos que querem impor uma dominação burocrática sobre nossas mentes e corpos, tal como os stalinistas revoltados de Facebook. A luta por liberdade se funde com a dança de Lucy. Como disseram dois lutadores por essa liberdade, o político revolucionário Leon Trotski e o artista revolucionário André Breton, “A revolução comunista não teme a arte (…) A necessidade de emancipação do espírito só tem que seguir seu curso natural para ser levada a fundir-se e a revigorar-se nessa necessidade primordial: a necessidade de emancipação do homem.”

Por isso, cada jovem que desperte para a luta por liberdade, que como Lucy ou as dezenas de outros presentes no Acampamento Anticapitalista tornem-se conscientes da necessidade de lutar pela emancipação humana, deverá ver em seu caminho que essa série de estradas se cruzam e só podem ser atravessadas numa luta comum: a liberdade artística, a liberdade de nossos corpos, a liberdade de nossa sexualidade e gênero, a liberdade econômica e social. A revolução abriga em si a necessidade e o espaço para cada um desses combates, e somente vencendo todos eles poderá trazer ao gênero humano a liberdade plena, cuja ideia sintetizamos nessa palavra, a mais linda de todas: comunismo.

A Juventude às Ruas e os secundaristas do Acampamento Anticapitalista não se calaram diante da homofobia de reacionários e pseudo-comunistas e lançaram imediatamente a campanha #EsquerdaArcoÍris, mostrando que estarão na linha de frente da luta contra a homofobia e a transfobia, parte fundamental e imprescindível da luta por uma sociedade sem miséria, exploração ou opressão. Acompanhe e participe você também dessa campanha.

 
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