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Opinião
A FIT-U, as eleições argentinas e o Congresso do PSOL
Gabriel Girão

O 7º Congresso Nacional do PSOL está ocorrendo nesse final de semana, 2 semanas após a histórica votação Frente de Izquierda y de los Trabajadores - Unidad nas eleições primárias argentinas. Quais lições podemos tirar desses 2 processos?

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O 7º Congresso Nacional do PSOL ocorrerá nesse final de semana. Como já desenvolvemos nesse artigo, a principal discussão do partido é apoiar Lula diretamente no primeiro turno ou no segundo turno. Uma ala do partido deseja lançar Glauber Braga no primeiro turno, integrante do partido que após passar 15 anos no burguês PSB foi ao PSOL. Apesar dessa divisão sobre a tática eleitoral, todo o partido está unido na defesa do impeachment, que significaria colocar o Mourão no poder e deposita esperança no Congresso dirigido pelo Artur Lira.

No entanto, atravessando a fronteira, há 2 semanas nossos “Hermanos” argentinos foram às urnas nas PASO, eleições primárias que, através de um mecanismo antidemocrático implementado pelo kirchnerismo, estabelece um piso proscritivo de 1,5% para que as listas participem das eleições oficiais.

As eleições na Argentina foram marcadas centralmente por 3 aspectos: um grande debilitamento do peronismo, que se expressou no “voto de castigo” na direita macrista e no alto de grau de abstenção e votos brancos e nulos; o aparecimento de uma extrema direita argentina referenciada em Trump e Bolsonaro que, com a figura de Javier Milei, conseguiu 13% em Buenos Aires; na eleição história da Frente de Izquierda y de los Trabajadores – Unidad, que conseguiu sua votação mais alta desde que surgiu em 2011 e poderá dobrar sua bancada no Congresso Nacional.

Esse processo é extremamente ilustrativo para nós. Alberto Fernandez se elegeu em 2019 no primeiro turno, graças ao desgaste de Macri. Prometendo governar para os trabalhadores e para os mais pobres, Alberto fez o inverso: atacou os trabalhadores e entregou tudo ao FMI, gerando o descontentamento com o governo que hoje abre espaço para a direita. Isso mostra como o reformismo e a conciliação de classes, em tempos de crises, se colocam diretamente para atacar os trabalhadores e abrem espalho para direita.

Mantendo as devidas proporções podemos pensar o Brasil. Após ganhar as eleições de 2014 prometendo “mudar mais”, Dilma rapidamente atacou os trabalhadores com seu ajuste fiscal. Logo depois vimos a ofensiva da direita que resultou no golpe de 2016. Hoje podemos pensar a seguinte analogia. Com o desastre do bolsonarismo, Lula vem se colocando como “salvador da Pátria” em seus discursos eleitorais, ao mesmo tempo que, se aliando com empresários e todo tipo de político de direita, vem se colocando na perspectiva de manter todo o legado dos ataques econômicos do golpe. Em algum nível, o que vemos na Argentina hoje pode ser um prelúdio de Lula no poder. Com o agravante, que no Brasil, mesmo se Bolsonaro for derrotado eleitoralmente continuará sendo uma força política pressionando constantemente.

No entanto, o que também mostrou as eleições argentinas é que o descontentamento com o governo não necessariamente precisa ir para a direita. O resultado da Frente de Izquierda, que se consolidou como terceira força nacional e com a possibilidade concreta de não apenas manter os 2 deputados nacionais pela província de Buenos Aires, como também eleger mais um deputado pela capital e outro pela província de Jujuy, onde o gari e militante do PTS Alejandro Vilca teve quase 24% dos votos.

No entanto, a FIT não conseguiu essa localização à toa. Desde sua formação, tem sido uma frente de independência de classe. Nesse sentido, os partidos que conformam a FIT, que hoje é encabeçada pelo PTS (grupo irmão do MRT na Argentina) mantiveram sua intransigência frente à diferentes governos, lutando contra o “canto de sereia” dos reformistas e conciliadores. Frente ao reformismo peronista e a direita macrista, apresentou um programa socialista para que a crise fosse paga pelos capitalistas. Além disso, a FIT e marcadamente o PTS estiveram a frente de vários processos de luta, desde o kirchneirismo, durante o macrismo e agora com Alberto Fernandez, com parlamentares ombro a ombro com na luta dos trabalhadores e também usando a tribuna para fortalecer a luta extraparlamentar, denunciando os ataques do governo e também a cumplicidade das burocracias sindicais. Isso se expressa que muitos de seus candidatos não são políticos carreiristas e sim referências da luta dos trabalhadores, da juventude, das mulheres e dos movimentos sociais. Além de Vilca, podemos marcar Raul Godoy, trabalhador da fábrica ocupada Zanon em Neuquén e Myriam Bregman, advogada dos direitos humanos e referência no movimento de mulheres. Ao invés de fazerem da política sua profissão e forma de ascensão social, os políticos do PTS na FIT recebem apenas o salário de uma professora, ficando o resto para um fundo de lutas. Além disso, os mandatos são rotativos e após saírem, os parlamentares do PTS voltam aos seus postos de origem. Nesse sentido, o peso político da FIT está associado não à meras figuras eleitorais, mas a uma inserção real nas lutas, no movimento sindical, estudantil, de mulheres etc.

Ver também: Declaração da FIT-U sobre a crise política na Argentina

O PSOL, infelizmente vai no caminho contrário. Vem se adaptando cada vez mais ao petismo e ao regime político, depositando suas esperanças no Congresso ou no STF. Junto com isso, seus limites frouxos o tornam propício a todo tipo de carreirismo eleitoral. Vimos recentemente os rompimentos de figuras como Freixo e Jean Wyllys, 2 das principais figuras do partido, o primeiro diretamente para ir a um partido burguês e o segundo para ser diretamente petista.

Nesse sentido o congresso do partido poderia ser um ótimo momento para debater os balanços e se inspirar nos exemplos internacionais para formular uma política de independência de classe. No entanto, a discussão, como já foi colocada, passa longe disso.

Isso é pior se vamos levar em consideração que dentro do PSOL tem correntes pertencentes aos grupos internacionais que na Argentina constroem a FIT-U! A CST é a corrente irmã da Izquierda Socialista argentina, ambas da UIT-QI. Já a Alternativa Socialista é grupo irmão do MST, na LIS. Que incoerência dessas correntes, que enquanto defendem uma política de independência de classe na Argentina, no Brasil defendem o oposto!

A CST, ainda que diga que a FIT é um exemplo para o Brasil e para o PSOL (ainda que até agora não tenham publicado nada em português sobre a forte eleição da FIT nas PASO), defende também um “PSOL das origens”. No entanto, ainda que tenham aprofundando sua adaptação e sua inserção no regime, o PSOL, desde seu início sempre quis misturar reformistas e revolucionários. O “PSOL da origens” é o mesmo da candidatura da Heloísa Helena se colocando contra o aborto e depois indo pro Rede, mesmo destino do primeiro prefeito do PSOL numa capital, o ex prefeito de Macapá Clécio Rodrigues. Ainda que digam que não reivindicam partidos amplos como o PSOL como marco estratégico, é difícil acreditar que é verdade vendo que a CST está há mais de uma década dentro do PSOL apesar de todas as suas direitadas (e se formos contar o tempo anterior no PT, chegaremos a 4 décadas talvez)! Com essa política, a CST não apenas foi incapaz de impedir o giro à direita do PSOL e só fez diminuir relevância, visto que nas últimas eleições não conseguiram nem ao menos eleger sua principal figura histórica, Babá e muitas vezes acabam por meramente ficar a rebote do MES ou de figuras como Glauber Braga. Também contribuiu para essa decadência o fato que essa corrente, junto com o PSTU, foi a quinta roda do golpe de 2016, algo que até hoje dizem que não aconteceu!

A adaptação crescente do PSOL ao PT também se liga com a adaptação às burocracias sindicais, o que impede que todo seu peso político esteja a serviço de fortalecer as mobilizações, como por exemplo fazendo uma forte exigência para que essas entidades rompam sua trégua com o governo Bolsonaro e realmente combatam Bolsonaro, Mourão e todos os ataques.

Por outro lado, a experiência argentina mostra o que pode ser um "futuro espelho" de um eventual governo Lula e nesse sentido. Nesse sentido, a política do PSOL deixa a classe trabalhadora, os ativistas etc órfãos de uma alternativa de independência de classe que possa capitalizar pela esquerda o descontentamento com um futuro governo Lula.

Frente ao giro à direita do PSOL, conhecer realmente a experiência da FIT se faz mais que necessário. Mostra que não é preciso se adaptar para conseguir ter uma expressão política relevante. A crise dos neorreformismos, como o Syriza e o Podemos, mostra que esse caminho de adaptação é totalmente impotente para enfrentar a direita.

Ao contrário disso, acreditamos ser o caminho certo apostar na independência de classe, como faz a FIT, buscando formar não figuras parlamentares eleitorais, mas se ligar com as lutas operárias e dos movimentos sociais, enfrentando-se com as burocracias sindicais que freiam as lutas e usando a tribuna parlamentar para fortalecer a luta extra-parlamentar e levantar um programa anticapitalistas, denunciando todos os patrões.

Acreditamos que debater experiências internacionais exitosas como a da FIT, assim como os fracassos de experiências louvadas pelo PSOL como os neorreformismos do Podemos e do Syriza seria essencial para a construção de uma força anticapitalista de independência de classe no Brasil. Por isso, chamamos todos a conhecer mais sobre a FIT através de nossas elaborações no Esquerda Diário, assim como chamamos os companheiros da CST e da AS a rever sua incoerência ao defender aqui no Brasil uma política distinta do que fazem na Argentina.

 
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