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Entrevista com MuMu de Oliveira: a música e o samba no combate ao racismo
Juliane Santos
Estudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Neste dia 25, Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha, entrevistamos o compositor e sambista MuMu de Oliveira, recentemente premiado em 1º lugar no Festival Nosso Botequim de Sambas Originais com a música "Autorretrato", que relata, na sua trajetória pessoal e profissional, o papel que importantes mulheres negras tiveram na sua vida, ensinando e dando força no combate ao racismo.

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Esquerda Diário/Carcará: Pensando na letra da sua música "Autorretrato", canção premiada em 1° lugar do Festival Nosso Botequim de Sambas Originais, de onde vem a inspiração dessa música?

Este samba, ao contrário do que muita gente pensa, não foi composto recentemente, para o referido festival, mas sim, há mais ou menos 10 anos. Ele é, de fato, um autorretrato meu, daquela época. As minhas maiores angústias estão presentes neste samba, como o medo de não ser amado, o medo de não conseguir expressar todo amor que eu tinha para dar, o vício no álcool, entre outras. É de extrema importância ressaltar que sou um negro, nascido em Santo André - SP, em 1979, portanto hoje tenho 41 anos.

Utinga é o nome do Subdistrito/Bairro onde fui forjado, onde me reconheci como um ser humano negro. Isto, mais precisamente na Vila Camilópolis. Neste território, durante as minhas andanças, e isso desde meus 08 anos de idade, fui afetado profundamente por seres de luz que me iluminavam a cada reencontro. Eram mulheres que me mimavam bastante, é verdade, mas que também me ensinaram muito sobre a vida e sobre reconhecer no outro, no mais velho e no mais novo, o sentido de estar vivo. Falo de minhas tias, falo das mães e tias dos meus amigos, que em sua grande maioria eram mulheres pretas. Falo sobretudo de minha mãe, Dâmaris.

Justamente por isso, este samba versa, em sua última estrofe, sobre a gratidão que tenho pelas mulheres que me mantiveram vivo biológica, psicológica e espiritualmente falando. Dito isto, só me resta dizer: “Quando uma Mulher Preta se mexe, o mundo inteiro se mexe também”.

Esquerda Diário/Carcará: Conta mais pra gente, no geral, de outras músicas e composições suas, de onde vem a inspiração?

Tudo o que eu escrevo é fruto das minhas percepções. O mundo me afeta e eu busco devolver a este mesmo mundo, em forma de música, as minhas impressões, meus desejos, minhas insatisfações, inclusive. Bebi da fonte de muitos cronistas que viam na música, um modo de compartilhar, com o maior número de pessoas possível, o que se passava em seu cotidiano.

Durante minha caminhada na música, e lá se vão mais de trinta anos, escutei muito Almir Guineto, Thaíde e DJ Hum, Racionais MC’s, Chico Buarque, Geraldo Filme, Adoniran Barbosa, entre outros artistas. Escutar figuras potentes como estas, me animou a escrever minhas canções, primeiro para mim mesmo, por necessidade, já que falo bem pouco, depois para contribuir na transformação deste mundo num mundo melhor. Curiosamente, na lista acima, não consta nenhuma mulher. Por quê? Onde estavam as mulheres compositoras e suas canções?

Sambas como “Meu Pretinho”, “Maioridade Penal”, “Sofrimento Derradeiro”, “O dono do Morro” e “Mulher Preta”, são exemplos de músicas que compus a fim de denunciar algumas perversidades que ocorrem no Brasil, todos os dias.

Esquerda Diário/Carcará: E pensando na sua história e produção artística, qual o papel das mulheres negras na sua trajetória pessoal, profissional e política?

Minha memória me diz que o primeiro som de instrumento musical que eu escutei foi em casa, do piano da minha mãe. Eu não disse, mas eu fui desde muito cedo, até meus 10 anos de idade, frequentador assíduo da escola dominical da Igreja Congregacional de Camilópolis. Lá, pelo menos duas tias minhas eram integrantes do coral. Eu achava aquilo lindo. Aquelas senhoras negras, com seus cabelos muito bem tingidos (Hené Maru) e alisados (ferro quente), com suas sandálias, camisas, saias e seus saiotes, muito bem passados. Aquilo para mim foi um marco. Diga-se de passagem, a primeira canção que compus, que vou batizar hoje de “Refresco da Tia Nenê, uma parceria com meus dois irmãos mais velhos, Leandro e Vanessa, e meus primos Thais, Joyce e Rodnei, isso aos 08 anos de idade, era uma homenagem à nossa querida Tia Nenê, também homenageada no samba Autorretrato.

Dando um salto na história, até o ano de 2018, ano em que estava decidido a fazer um show em homenagem a Dona Ivone Lara, que é, na minha opinião, a melhor melodista do samba, de todos os tempos. Comecei a pesquisar sobre sua obra e sua vida. E a cada leitura, a cada canção que eu escutava, eu notava que tudo aquilo dialogava diretamente com as manas do samba que eu conhecia e que faziam parte do meu dia a dia. Foi nascendo em mim um projeto que se culminaria em meu primeiro álbum musical. Muitas das dores de Dona Ivone Lara tinham raiz no racismo e no machismo, que até hoje maltratam sobretudo as mulheres negras, inclusive no samba. Resolvi pesquisar quantos sambas compostos por mulheres negras, em média, foram gravados em disco a partir dos anos 50. Pasmem! MENOS DE 5% DOS SAMBAS GRAVADOS EM DISCO, DESDE 1950, FORAM ASSINADOS (COMPOSTOS) POR MULHERES. Essa média sobe consideravelmente quando as intérpretes são as próprias compositoras, como é o caso de Geovana, Aparecida, Leci Brandão, Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone Lara, Esmeralda Ortiz, entre outras. No geral, as produtoras, leia-se “HOMEM”, não grava samba composto mulher. Daí nasceu o álbum PALAVRAS FEMININAS, onde interpreto apenas canções compostas por mulheres negras. #FICADADICA

Esquerda Diário/Carcará: Como que você vê que a música e a arte estão associadas com a luta e combate ao racismo?

Se partimos da premissa de que o Movimento Negro sempre lutou pelos direitos da população negra brasileira, sobretudo, lutou contra o racismo, e sendo a capoeira, as religiões de matriz africana e as escolas de samba territórios negros que respiram arte, principalmente a música, logo podemos dizer que, no Brasil, a arte e a música são partes inerentes dessas lutas. Creio que é necessário ampliar o olhar quando se fala de arte, assim como quando se fala de música. A primeira não se restringe apenas àquilo que encontramos nas galerias e/ou nos museus. É muito mais do que isso. Já a música, essa nunca ficou, nem jamais ficará restrita às salas de concertos, ou às rádios e TVs, muito menos às plataformas de streaming. A música, assim como o samba, é da rua. Existe um mundo e existe vida para além das redes sociais. Nesse sentido, Educação também é Arte, e Música também é Educação.

Faço parte do Grupo de Pesquisa Laroye - Culturas Infantis e Pedagogias Descolonizadoras, composto majoritariamente por mulheres negras. Lá, tenho pesquisado muito sobre as possíveis contribuições do samba para uma educação antirracista. Creio, de verdade, que nessas encruzilhadas, formadas pela educação, pelo samba, pela capoeira, pela “arte” de um modo geral, estão as respostas tão procuradas nos dias de hoje. Vida longa ao povo do Samba! Vida longa ao povo da Educação!

Conheça mais o compositor e sambista MuMu de Oliveira Preto nas suas redes sociais (FB e IG) e em seu canal de YouTube.

 
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