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Debates na esquerda
Descaminhos de uma (R)esistência sem estratégia
Edison Urbano
São Paulo

Um debate com as companheiras e companheiros da Resistência (PSOL) poderia passar por uma ampla gama de debates teóricos, estratégicos e programáticos, mas aqui tomaremos apenas alguns pontos decisivos. Quatro deles, para sermos precisos, que trazem à tona problemas mais de fundo das concepções dessa corrente: 1) O atual curso de “liquidação política” da Resistência é parte de um fenômeno internacional, e não apenas brasileiro; 2) Uma desvirtuação teórica da tática histórica da Frente Única serve de cobertura para a forma particular de adaptação da Resistência; 3) O debate sobre os atos, as datas e sua liderança é um disfarce para uma discussão eleitoralista, na qual Resistência e MES (PSOL) atuam como “procuradores" dos interessados maiores; 4) o sempre astuto Valério Arcary tenta unir sob o selo de “ultras" desde o populismo neostalinista, os seus adversários de partido do MES, e até os trotskistas principistas do MRT (FT-QI).

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Foto: Ricardo Stuckert | Reprodução

Ponto 1. Estamos diante de uma "nova onda liquidacionista" de correntes que provêm do trotskismo?

Ao contrário do que poderia considerar algum desavisado, na base da política atual da Resistência/PSOL não se encontra nenhuma suposta “leitura profunda” da realidade nacional surgida com o bolsonarismo, nem uma "aplicação criativa" do legado marxista, como alguns dos seus autores gostariam de fazer parecer.

Aqui a realidade é de fato muito mais pedestre: em última instância, a velha tentação de querer “nadar a favor da corrente”, que já liquidou tantos partidos e organizações na história do movimento operário. Voltaremos a isso, mas antes vale chamar a atenção de que não se trata de um fenômeno restrito apenas a nosso país:

É como se estivéssemos diante de uma "segunda onda liquidacionista", a contar da explosão da grande crise capitalista de 2008:

Se numa primeira onda encontramos como força motriz uma espécie de novo “otimismo" alegre com "saídas fáceis” pelas mãos de novas lideranças neorreformistas, diante da profundidade da crise econômica e de seu impacto ruinoso sobre o velho “extremo centro” político (o centro de duas cabeças constituído entre a social-democracia e a direita tradicional; no Brasil: PT-PSDB, aproximadamente). Então agora é preciso constatar que a força motriz é bem outra.

Se naquela primeira onda se tratava de uma espécie de “otimismo" de que grandes mudanças pudessem vir pelas mãos de novas direções sem bagagem teórica marxista (muito pelo contrário), e menos ainda ancoragem de classe entre os trabalhadores, porém com figuras midiáticas e linguajar “moderno”; Se, assim, diversas correntes que se diziam revolucionárias embarcaram com tudo na rabeira das correntes neorreformistas como o Podemos de Pablo Iglesias ou o Syriza de Alexis Tsipras, que ganhavam um momentâneo peso de massas no vácuo deixado pela velha esquerda tradicional. Então agora é preciso dizer que as "esperanças" liquidacionistas se dirigem a sujeitos políticos de outro tipo.

É que, no caso atual dessa segunda onda liquidacionista, a força motriz principal é outra, por mais semelhante a dinâmica de adaptação política e abandono (ou “posta em suspensão”) dos princípios. Bem ao contrário daquele otimismo alegre da primeira onda, a marca do liquidacionismo atual é a de um pessimismo cético, que mal busca manter um sorriso no rosto através de um pálido véu de “esperança”.

É que entre a primeira e a segunda onda, o mundo assistiu nada menos que ao fracasso dos principais experimentos neorreformistas (Grécia, Espanha), e à ascensão da extrema direita de Trump e de Bolsonaro, além de Le Pen, Salvini, Duterte, etc.

Agora, é sobretudo o medo o que move a nova onda liquidacionista. Seja o medo próprio e genuíno, seja o alarde interessado que busca explorar o medo alheio.

No Brasil, que passou por processos políticos distintos, se o que tivemos de mais próximo daquele fenômeno neorreformista foram os auges, bastante mais parciais, das figuras de Marcelo Freixo, e depois de Guilherme Boulos… então nessa segunda onda quem domina a cena é a velha direção tradicional de Lula e do PT (considerada no máximo um “reformismo fraco” até por seus partidários, como André Singer).

Assim se materializa esse liquidacionismo de nova cepa, ao menos no caso da Resistência (PSOL):

Uma política de apoio irrestrito à candidatura de Lula (que está fazendo alianças com todo o arco da direita anti-bolsonarista), “porém” com um “programa anticapitalista”.

Por meio de um truque de mágico, Arcary quer vender ao mesmo tempo uma ideia e o seu contrário: ou então quem acredita que os conselhos da Resistência, ou a “pressão das massas”, irá fazer com que ninguém menos que Lula adote um programa "anticapitalista" e encabece uma frente "sem a burguesia"?

Seria preciso passar por cima não só de toda a biografia política de Luís Inácio, como também de todo o processo político brasileiro desde 2015-2016, em que se gestou o regime do golpe institucional que uma eventual eleição de Lula nas condições ora apontadas viria a consolidar, e não derrotar.

Pareceria que Valério Arcary resolveu, a essa altura da vida, irmanar-se com a lógica de Rui Costa Pimenta (e vice-versa)… Mas deixaremos o argumento para outro artigo, ou outro autor.

Ponto 2. O papel da discussão sobre a “Tática da Frente Única” como cobertura nas argumentações da Resistência

Em outros lugares, já elaboramos bastante sobre o significado histórico da tática de Frente Única, defendida por Lênin e Trótski nos primeiros anos da III Internacional para educar e orientar os jovens partidos comunistas em sua atitude para com as grandes direções reformistas que ainda gozavam autoridade sobre a maioria dos trabalhadores. Em resumo, era uma política voltada para as organizações da classe operária, para obrigar os aparatos reformistas a se moverem, ou em sua falta, para desmascará-los perante suas bases. No livro Estratégia Socialista e Arte Militar, de Emilio Albamonte e Matías Maiello, há todo um capítulo dedicado a esmiuçar em profundidade a significação e os objetivos da Frente Única, uma política que contém em si "aspectos estratégicos, táticos e de manobra”.

Veja também em podcast sobre o tema:

Na prática, a política do MRT vem há muito tempo, e a cada nova conjuntura, buscando reelaborar essa tática, não apenas lançando chamados e exigências às grandes direções do movimento de massas para que se movam diante dos ataques em série que a classe trabalhadora e a juventude vêm sofrendo. Mas sobretudo também buscando articular as forças da correntes da esquerda, minoritárias, para que através de múltiplas engrenagens possamos chegar com mais força e impor de fato o combate para as grandes direções conciliadoras que paralisam o movimento de massas. Se não tivemos muito sucesso até aqui, salvo em situações muito pontuais, é porque as demais correntes de esquerda que poderiam adotar políticas semelhantes, vêm preferindo, sistematicamente, seguir um curso de adaptação política às direções oficiais que nega, no fundamental, o espírito da tática de Frente Única.

É o caso da política da Resistência, de convivência pacífica com essas mesmas direções oficiais, e que atua no sentido contrário: fornece uma cobertura para que PT e CUT, PCdoB e CTB, e inclusive, por tabela, direções burguesas como as da UGT, Força Sindical, etc, justifiquem seu imobilismo. E quando estas direções se veem obrigadas pela pressão das bases a dar meio passo, cantam louvores ao meio passo, ao invés de apoiarem-se nele para exigir o passo inteiro, bem como os seguintes.

O tema é tão crucial na operação ideológica promovida por Arcary e cia, que merece até uma seção especial em seu site. Contudo, ao contrário dos exemplos históricos - não só os de 1920-22, mas os de 1930-33 - que diziam respeito à unificação dos trabalhadores, independentemente da sua divisão em partidos operários distintos, uma unidade na luta de classes e por objetivos claros de combate, como um só punho contra os ataques dos capitalistas; ao contrário disso, no confusionismo da Resistência/PSOL, o recurso à história serve como pouco mais que distracionismo para promover hoje na prática uma política oposta.

A política é tão diferente, no entanto, que seus promotores se viram obrigados a reconhecê-lo à sua maneira, ainda que seja tacitamente.

Surge assim o novo invento da "Frente Única de Esquerda”. Ao contrário da outra, a "FUE" não tem corte de classe definido; não tem o objetivo central de mobilização da maioria da classe através das organizações sindicais e políticas; e, menos ainda, de aumentar a influência política dos revolucionários em detrimento das direções reformistas. Pela inversa: a “FUE" arcaryana é policlassista, e eminentemente eleitoral, subordinando a isso a mobilização; a olhos vistos, ajuda a ampliar a influência das direções reformistas em detrimento dos revolucionários, fazendo destes os promotores e conselheiros daquelas. (Aliás, chamativo que, movido pela inércia própria de seu invento, o criador seja arrastado já não para a defesa da subordinação total ao PT, mas inclusive à defesa da presença dos neoliberais do PSDB nos atos… Mas sobre essa deriva e as artimanhas teóricas usadas para justificá-la deixaremos para lá por enquanto).

Mais decisivo, no momento, é a relação que a Resistência estabelece com a burocracia sindical. Nos vem até mesmo a dúvida de se ainda lançam mão desse conceito, “burocracia”, ou o abandonaram. Em todo caso, chega a ser constrangedor ver até onde essa linha tem levado alguns dos quadros da corrente no movimento sindical, em sua troca de carinhos públicos com representantes da burocracia cutista mais traidora (como da ArtBan ou Apeoesp, para ficar em exemplos que o autor dessas linhas pôde observar de perto).

O esquema proposto por Valério é tão pedante quanto simplório: se a proposta de A) aliança eleitoral com o PT e B) de aliança “com o diabo e sua avó” no pedido de impeachment, são equivalentes às propostas de unidade das fileiras operárias que a III Internacional de Lênin e Trótski elaborou entre 1920-1922, ou à política de unidade operária entre o PC Alemão e a Social-democracia contra os nazis em 1930-1933, “então”….qualquer um que se contraponha às propostas atuais do nosso “guru" Arcary é um ultra-esquerdista incorrigível. Voltaremos a isso na conclusão deste artigo.

Ponto 3. Uma discussão eleitoralista entre as duas principais correntes militantes do PSOL

Temos visto, ao redor dos últimos atos de rua contra Bolsonaro, um debate entre a Resistência e o MES, que já vinha de antes e tem como pano de fundo a questão da pertinência ou não de uma candidatura própria do PSOL no primeiro turno das eleições presidenciais do ano que vem. O debate já está muito circunscrito a isso: renunciando a qualquer disputa no terreno das massas, seja para que a luta de classes se imponha por fora do calendário eleitoral burguês, seja para que uma alternativa com independência de classe se erga para além do campo gravitacional da frente ampla lulista (que já envolve e envolverá setores crescentes da direita golpista mais sórdida, é sempre bom lembrar).

Sobre esse pano de fundo, o debate atual surgiu a pretexto da direção dos atos de rua.

Ele aparece como uma disputa pelo rumo dos atos, e por sua liderança. Nas palavras de Valério Arcary: "No Brasil estamos assistindo a uma disputa política dos rumos da campanha pelo Fora Bolsonaro. Uma parcela da esquerda radical não tem acordo com a centralidade da luta pela Frente Única de Esquerda."

O MES, em acordo com os híper-stalinistas (albaneses) da UP e sob a liderança duvidosa de Glauber Braga, tenta fazer pose de “independente" (falam até de independência de classe, vejam só), e buscou transformar a disputa de aparato interna do PSOL numa questão “de princípios”. A Resistência, por sua vez, não hesitou em tomar a primeira linha de defesa de tudo que o significa a linha petista para o movimento e suas disputas a cada nível: em primeiro lugar, a defesa do protagonismo único, nos atos, da “Frente contra Bolsonaro” (isto é, do PT e entidades de massas afins). No fim de tudo, uma defesa “moralizante" (no sentido despolitizante do termo) da figura de Guilherme Boulos como liderança auxiliar, abaixo apenas, é claro, de Lula.

Do ponto de vista do PSOL, a disputa entre Resistência e MES é assim, na verdade, uma refração da disputa que já havia antes entre MES e a Primavera Socialista de Ivan Valente e Juliano Medeiros. Do ponto de vista “macro”, é uma disputa entre duas alas que já se propõem de antemão a sacrificar a questão da independência política dos trabalhadores no altar de acordos pragmáticos com forças políticas que aparecem como mais fortes: a já velha pelegagem petista, de um lado, e de outro a promessa de setores burgueses ou pequeno-burgueses “radicais" (como o papel atual que atribuem a Glauber Braga, que na certa cumpre no imaginário dos círculos internos o papel de reverberar velhas simpatias brizolistas da corrente). Nada surpreendente, para quem já semeou ilusões até mesmo na Lava-Jato, é ou não é.

Em tudo e por tudo, apesar das aparências, se trata de uma disputa baseada na total falta de confiança no trabalho de base, na auto-organização e no potencial hegemônico da classe trabalhadora. Justamente por isso, é uma disputa que não chega a incomodar as direções oficiais petistas e burguesas, e é no caso atual uma disputa 100% eleitoralista.

Ponto 4. Um difuso fantasma “ultra”, como tentativa de blindagem contra qualquer crítica elementar

Não vale a pena alongar ainda mais este artigo com uma análise minuciosa dos usos múltiplos que um suposto “debate contra o ultraequerdismo” adquire na narrativa interna da Resistência. Basta uma mirada rápida, afinal, para se dar conta da tentativa de criar cortinas de fumaça, adversários imaginários e outras tergiversações para não encarar o núcleo central oportunista e liquidador da política que a corrente se resolveu a adotar.

Em lugar de qualquer uma das diversas citações extremadas de Arcary nesse sentido, escolhemos para ilustrar esse ponto uma que, ao contrário, talvez pudesse passar despercebida por mais de um leitor.

Diz ele:

"O ultraesquerdismo procurou consistência em um programa. Caracteriza-se por uma perspectiva substitucionista: coloca para os trabalhadores e a juventude projetos, reivindicações ou ações que estes, em sua maioria, não identificam ainda como os seus, antecipando-se à experiência do grosso da classe.”

O que é falso, seja qual for o ponto de vista: histórico, teórico, político.

Primeiro, porque o ultra-esquerdismo, em geral, nunca foi aliado de qualquer consistência programática.

Depois, porque o que segue na frase é quase uma “proclamação de seguidismo”. Oras, a perspectiva substitucionista, que de fato já existiu e conduziu a grandes derrotas, e ainda hoje pode existir em correntes minoritárias, como a dos guerrilheiros, é “substituir" as tarefas da classe e das massas (tais como organizar a Frente Única Operária, passar da política defensiva ao armamento, a insurreição geral contra o Estado, etc), por pequenos grupos - sejam os “focos guerrilheiros”, os “grupos armados urbanos”, etc.

Mas vejamos o que diz Valério, inversamente a isso: diz ele que a "perspectiva substitucionista” seria colocar para os trabalhadores e a juventude “reivindicações ou ações” não adotadas como suas “em sua maioria”…

Acaso seria a conclusão, portanto, que o papel dos revolucionários deveria ser de colocar para a classe e para as massas as “reivindicações e ações” que já são tomadas como suas pela “maioria”, dos trabalhadores e da juventude?

Ou seja: 1) é depois, e não antes, de que a “maioria" toma para si reivindicações e ações, que os militantes da escola de Valério Arcary estariam dispostos a defendê-las; 2) a defesa de propostas mais avançadas do que a consciência, já não dizemos nem média, mas da maioria, seria "substitucionismo"…

Poderia existir definição melhor daquilo que Lênin chamava de “seguidismo", ou “caudismo"? Alguém poderia fazer, senão Valério, uma melhor definição do que é estar meticulosamente “à cauda” das massas, e não na sua linha de frente? Existe esquizofrenia maior do que proclamar orgulhosamente tais novos “princípios”, e dizer-se ainda leninista (o grande gênio do papel histórico do partido de vanguarda) e trotskista (seu continuador)?

Não, Valério: "substitucionista" seria aquele indivíduo, grupo ou até mesmo partido que quer fazer, no lugar das massas, aquilo que só elas mesmas podem realizar como ação histórica. Mas quem propõem hoje, e prepara hoje, as tarefas que as massas só poderão fazer amanhã, quem organiza jovens e trabalhadores nessa tarefa, merece o honrado nome histórico de combatente de vanguarda, de leninista, de trotskista.

Já no Brasil de Valério Arcary, vejam só, um MES “ultra-esquerdista” estaria buscando consistência programática com… Glauber Braga, um deputado ex-PSB , simpatizante dos híper-stalinistas da UP, e que já deixou claro que sua eventual candidatura não seria jamais uma alternativa a Lula, mas pelo contrário: já anuncia seu apoio no 2º turno, e inclusive se propõe de antemão a retirá-la antes do 1º, caso seja do interesse do projeto lulista.

Por sua vez, a chave para a Resistência, “acompanhando" a experiência do grosso da classe, é incentivar a confiança em Lula e no PT. O seguidismo petista é assim a essência da política dessa corrente, cuja “independência organizativa” do PT não pode ocultar a sua completa dependência político-programática. Por onde quer que se olhe, a política da Resistência se resume a aprofundar as ilusões de segmentos de massas de que o voto no PT é a melhor opção para enfrentar Bolsonaro. Que a direita participe dos atos, que se alie a Lula, tudo isso são fatores de auxílio para essa corrente que, a anos-luz de distância da independência de classes e da tática da Frente Única Operária, nutre essa relação platônica tardia com aqueles que, anos atrás, os expulsaram do PT justamente para consolidar a deriva burguesa desse partido histórico construído pela classe operária brasileira, lá no início dos anos 1980.

Aliás, e com isso caminhamos para a conclusão, a política toda da Resistência, ou pelo menos do seu núcleo central oriundo do MAIS (PSTU), parece ser um tipo de reconciliação com seu próprio passado, algo como uma expiação tardia de seus "pecados de juventude".

Para quem observa de fora, adquire as feições do popular “me engana que eu gosto”, tanto nas questões grandes, como nas pequenas. Fazem questão de insistir que "não podemos esperar a eleição, temos que derrotar Bolsonaro nas ruas…”. Ao mesmo tempo em que proclamam que a direção una e indivisível do movimento é a "Campanha Fora Bolsonaro”… Ou seja, as direções que fazem tudo para que os atos não se massifiquem de nenhuma forma - e nem falar da presença especificamente proletária com seus métodos como greves e paralisações. (Outra expressão, ainda que pontual, mas nem por isso menos emblemática: no último ato em SP, no dia 3/7, a porta-voz da Resistência, uma dirigente sindical metroviária, vociferava no caminhão de som contra Doria, por sua aliança com Bolsonaro e seu avanço “ditatorial" contra a sede do Sindicato… enquanto a direção da Resistência se dedicava, e seguiu se dedicando, a legitimar e justificar a presença do PSDB no ato como algo positivo e necessário para “derrotar Bolsonaro").

Conclusão

Lula afirmou recentemente, em sua entrevista a Reinaldo Azevedo, que “trotskista é bom pra política”. Era uma referência direta ao (longínquo) passado militante do sr. Reinaldo Azevedo, mas Lula tem de fato uma extensa lista de personagens, com incursões pelo trotskismo, e que ao longo da sua trajetória o convenceram da tese. Triste papel para estes, que de militantes revolucionários (ou pelo menos, simpatizantes) se converteram em conselheiros, assessores e funcionários a serviço da conciliação de classes, isto é: da manutenção da exploração burguesa e do bloqueio da perspectiva revolucionária (algo disso pode ser visto no excelente documentário de Diógenes Muniz, “Libelu - Abaixo a ditadura”, resenhado aqui)

É sem nenhum exagero, mas consternados, que vemos a trajetória atual da Resistência e nos perguntamos: irão repetir essa trajetória?

Na velha Convergência Socialista (1980-1992), que conquistou por seus méritos o lugar de principal corrente entre a esquerda petista antes de o PT se tornar um partido da ordem, era comum ironizar as diferenças entre os representantes da corrente adversária “O Trabalho”: uns defendiam liquidar-se imediatamente (“Sonrisal"), outros aceitavam se dissolver, desde que fosse de maneira mais estendida no tempo (“Melhoral”)…

A grande questão é se os novos militantes, e mesmo até que ponto a coluna de quadros da Resistência, estão cientes e desejosos de repetir essa mesma história.

Já quanto ao núcleo dirigente… dão todos os indícios de terem tomado para si aquilo de que Trótski zombava ao falar sobre a direção centrista da IC após a morte de Lênin: querem fazer “manobras" com a história, e parecem acreditar que, graças à sua sagacidade tática, poderão enganar a todos, de inimigos a adversários e aliados. Mas não percebem que estão enganando apenas a si mesmos.

O principal exemplo, não poderia ser outro, é de novo Valério Arcary. De fato, a sabedoria de nosso guru é vasta. Na própria véspera da volta dos atos de rua, dizia ele em nome de sua corrente: "O debate sobre a tática volta ao centro. Nas terríveis condições sanitárias imediatas não é possível responder ao perigo que Bolsonaro representa com mobilizações massivas nas ruas."

E recomendava, resignado: "A hora de convocar as massas populares às ruas para derrubar o governo virá. Mas podemos ter iniciativas simbólicas com atos por representação, faixas e, sobretudo, na organização da solidariedade militante com as classes populares através de iniciativas de distribuição de donativos.”

"Distribuição de donativos" (!). E isso “sobretudo" (!). A que ponto um velho militante desmoralizado é capaz de descer, somos obrigados a constatar, não sem uma nota de amargura.

A vocação política para retaguarda, e não vanguarda, se expressa no exemplo com clareza cristalina, a tal ponto que pouco restaria a dizer.

A troca da fé na revolução, que distinguiu sempre nossos grandes mestres como Marx, Lênin e Trótski, pela “esperança" dos reformistas e dos padres não é, pelo visto, apenas um jogo de palavras de mau gosto. É parte de uma retrocesso profundo, em que já não se trata apenas de um política oportunista de adaptação, mas de um recuo também ideológico ao terreno do assistencialismo, da piedade e da auto-ajuda.

Companheiras e companheiros da Resistência, vejam os exemplos da luta de classes internacional. Ainda é tempo para romper com a política da conciliação e do ceticismo.

A perspectiva do verdadeiro internacionalismo, a confiança histórica em nossa classe, e a lucidez dos princípios comunistas: nas trevas mais profundas, são somente elas que podem nos guiar. Sem atalhos ou enganosas “vitórias por procuração”, são elas que apontam o caminho das futuras vitórias.

 
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