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CRISE POLÍTICA
Uma nova Constituinte seria dominada pela direita?
João Salles
Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP

O desenrolar dos atos de rua e da crise política no país, com os escândalos de corrupção envolvendo o governo na questão das vacinas nos holofotes, abriu uma série de questionamentos, em especial sobre os rumos do movimento agora após o dia 3J.
Nesse artigo buscaremos desenvolver elementos em torno do programa da Assembleia Constituinte Livre e Soberana, respondendo ao argumento de que isso seria benéfico para a direita nesse momento. Seria mesmo?

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Foto: Reprodução - Ato no Chile por uma nova Constituinte/2020

Bom, partamos do seguinte fato: O governo Bolsonaro nunca esteve tão debilitado em todo seu mandato do que neste momento e não necessariamente vai seguir se debilitando em 2022. Os trabalhadores e o povo pobre em geral hoje sentem na pele as mazelas da crise capitalista, aprofundadas pela catástrofe sanitária das mais de 500 mil mortes evitáveis pela Covid-19 e com um calendário de vacinação muito atrasado. A fome, o desemprego recorde e a iminência de uma crise energética com alta de preços generalizada são combustíveis para os atos de rua, bem como a denúncia de corrupção no caso Covaxin, propagada pelos Irmãos Miranda com digitais do imperialismo estadunidense de Biden. Não à toa o governo se reuniu com a CIA, com direito a anúncio público o imperialismo norte americano faz questão de ser notado em meio a crise.

Veja Análise: O que a reunião da CIA com Bolsonaro revela sobre a crise política?

Nesse contexto de “pressão extrema” do imperialismo, que busca a "destrumpização" do governo Bolsonaro, se desenhou uma reconfiguração política considerável, vemos agora setores da direita institucional, cúmplices do morticínio negacionista de Bolsonaro e dos militares com sua demagogia “científica” (PSDB, MBL, Partido NOVO) se relocalizando com a pauta do impeachment.

Pauta essa que foi adotada pelas direções do movimento de massas no chamado ao último ato do 3J e que contou com a cena chocante e lamentável do “super impeachment” protocolado em ato no dia 30 e unificou partidos desde o PSTU, passando pelo PSOL, os stalinistas da UP e do PCB, as burocracias do PT e do PCdoB junto a figuras nojentas e golpistas como Joice Hasselmann (PSL- antigo partido de Bolsonaro), Alexandre Frota (PSDB) e Kim Kataguiri (DEM).

Pode Interessar: PSOL, PSTU, UP e PCB: pedem impeachment com a direita, na contramão de fortalecer a luta

E então nos questionamos sobre o seguinte:

Bolsonaro vai cair?

O caminho para derrubá-lo é mesmo a aliança com os partidos burgueses que o elegeram e sustentam sua agenda de ataques, reformas e privatizações?

A força da nossa mobilização deve estar a serviço de pressionar Arthur Lira (PP-AL) e o reacionário Congresso Nacional pelo impeachment colocando Mourão - um general racista que comemora a ditadura militar - no poder?

É buscando responder a esse cenário de tendências disruptivas e crise profunda que nós, do Esquerda Diário e do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), viemos defendendo a urgência de uma Greve Geral para derrubar Bolsonaro, Mourão, os ataques e impor uma nova Constituinte.

Uma nova Constituinte para enfrentar a direita

Curiosamente, um argumento muito difundido por setores que hoje encabeçam a política do impeachment, fortalecendo a direita institucional para que assuma Mourão, é que de uma nova Constituinte daria maiores poderes para a direita ditar os rumos da política. Esse argumento, em geral, parte do resultado das últimas eleições no país, onde em 2018 tivemos a composição mais reacionária no Congresso Nacional e pelo fato de que os mais beneficiados das últimas eleições de 2020 têm sido setores do Centrão (que de “centro” não tem nada). Mas deixa de fora da equação dois elementos fundamentais, que acarretam em uma análise e prognóstico bastante interessados.

Uma das questões é que os rumos da política já são ditados pela direita via de regra no país, já na conformação da Constituição de 88 se apresentaram limites ao propor uma transição pacífica e controlada da ditadura militar, mantendo impunes os militares e assentando um regime com seus traços neoliberais dando base a implementação do Consenso de Washington, com ataques e privatizações que se seguiram. Os anos de governo do PT foram marcados pela conciliação de classes em uma época de bonança capitalista do “boom das commodities” onde os banqueiros, nas palavras de Lula, “nunca lucraram tanto”.

Esse controle tem crescido cada vez mais, baseado na participação política autoritária de setores não votados como os juízes do STF, a cúpula dos militares metidos até o pescoço nesse governo de extrema direita, empresários da cúpula evangélica reacionária e por aí vai. Com a implementação do golpe institucional de 2016 a soberania popular vem sendo tratorada sistematicamente pelo regime político, chegamos ao cúmulo da prisão arbitrária de Lula para definir as eleições presidenciais de 2018 e cada reforma, privatização e ataque aprovado (Reforma Trabalhista, da Previdência, Lei do Teto de Gastos, etc.) deformam a Constituição de 88 e fazem retroceder as conquistas arrancadas com muita luta pelos trabalhadores.

Isso torna gráfico que o problema é mais profundo, não se trata somente de Bolsonaro, tampouco a situação do país se resolverá trocando somente o presidente. É preciso avançar em medidas que busquem desvencilhar os rumos do país das mãos da burguesia brasileira e sua subordinação ao imperialismo e ao capital financeiro internacional, que impõe seu projeto hoje na base da manipulação e do autoritarismo. É preciso colocar os trabalhadores e as massas nas rédeas da política, fazendo valer a soberania popular nos rumos da mobilização e do combate às crises sanitária, econômica e política que enfrentamos diariamente.

Nisso já se desemboca a problemática da consciência. Isso porque defendemos que uma Assembleia Constituinte que seja verdadeiramente Livre e Soberana, isso é, que dissolva todas as instituições golpistas do sistema político (STF, Congresso Nacional e Executivo) para que as reivindicações das massas possam se fazer valer de fato, é preciso de uma força social até agora ausente: A entrada em cena da classe operária auto organizada em seus locais de trabalho com assembleias democráticas e com seus métodos de greves, piquetes, gerando prejuízo ao capital.

O sentido de para onde apontamos ao exigir das centrais sindicais como a CUT e a CTB (dirigidas pelo PT e pelo PCdoB) a construção de uma greve geral com assembleias de base é batalhar pela auto organização e unificação das fileiras operárias na ação defensiva contra os ataques do capital e da classe dominante. Esse programa para ação, da Frente Única Operária, desenvolvido de maneira brilhante nos primeiros congressos da III Internacional antes da degeneração stalinista, é o que permite que:

  • Se fortaleça uma visão classista da luta, com clareza dos inimigos, dos ataques e de como enfrentá-los, diferentemente das variantes de Frente Ampla ou de acordos eleitorais com a burocracia dos partidos reformistas que busca se aliar com a direita para administrar o capitalismo.
  • Os revolucionários possam aparecer para amplos setores dos trabalhadores como a alternativa política mais consequente na luta pelas suas reivindicações imediatas, mantendo independência política das burocracias sindicais conciliadoras. Fazendo avançar, no calor da luta, a consciência da necessidade de se passar da defensiva para a ofensiva em apresentar um projeto político independente dos próprios trabalhadores em resposta à crise.

Podemos concluir portanto que o que fortalece a direita na verdade é nos limitarmos a mudar somente os jogadores, mantendo as regras desse jogo político sujo e golpista intactas nas mãos da classe dominante e seu autoritarismo. Ao mesmo tempo que para realizar tal feito de impor uma Constituinte Livre e Soberana partimos de um momento anterior de consciência e auto organização dos trabalhadores, sem qualquer ceticismo com o avanço é preciso debater que hoje o principal fator de “conservadorismo” parte das direções do movimento de massas que querem limitar a luta a uma saída institucional por dentro do regime.

A direita organizada é evidentemente minoria numérica e mesmo participando de um processo desse tipo, teria de se valer dos métodos de repressão para contrapor as reivindicações dos explorados e oprimidos da sociedade capitalista. Parte disso se demonstra no próprio processo chileno de luta por uma nova Constituinte que, apesar de todos os limites e desvios impostos por Piñera e a herança pinochetista, fruto de uma luta de setores de massas, se impôs que a direita fosse incapaz de conquistar maioria na Assembleia. Isso é apenas uma fração molecular da potencialidade de um processo desse tipo, que se avança em seus elementos de radicalização da democracia tende a exacerbar as contradições de classe a níveis disruptivos.

Como comunistas e revolucionários nossa luta é pela revolução e um governo de trabalhadores em ruptura com o capitalismo, mas é evidente que a maioria dos trabalhadores e dos setores oprimidos não são hoje signatários dessa visão de mundo. Mas ao mesmo tempo cada reivindicação democrática carrega, no sentido da luta contra um regime político autoritário, um alto valor. É preciso demonstrar que para impor demarcação de terra a todos os povos originários no país, para que se paute uma reforma agrária radical que desmantele o latifúndio, o não pagamento da fraudulenta dívida pública e a revogação de todos os ataques, privatizações e reformas anti operárias, todas essas medidas que poderiam ser apresentadas em uma nova Constituinte desse tipo, será preciso nos auto organizarmos para defender nossos interesses e saber impô-los a elite dominante. Esse é o embrião que poderá formar a sustentação material de um governo de trabalhadores e que, para avançar em suas conquistas, tenha de necessariamente atacar a propriedade privada e entregar aos trabalhadores e as massas oprimidas os rumos do país.

 
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