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PALESTINA LIVRE
Mulheres palestinas na linha de frente contra a ocupação de Israel
Sara Yuki
Emilia Louise
Margot Vallere

“Se as mulheres não resistirem a esta ocupação, quem o fará?” Na linha de frente da crise de saúde e da repressão do Estado de Israel, as mulheres palestinas também estão na linha de frente da resistência à colonização.

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Mulheres palestinas na vanguarda da crise sanitária

Em abril de 2020, a Palestina, como o resto do mundo, foi duramente atingida pela crise sanitária. Já nas garras da pobreza extrema e do desemprego, a pandemia exacerbou as condições miseráveis ​​em que vivem os palestinos na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e nos vários territórios ocupados em Israel. Já antes da pandemia, um quarto da população desses territórios vivia abaixo da linha da pobreza com as maiores taxas de desemprego do mundo, chegando a 27% em 2018. Mais de cinquenta anos após a Guerra dos Seis Dias, a ocupação palestina permeou todos os aspectos da vida diária de 4,8 milhões de palestinos. Hoje, quase dois milhões de pessoas vivem presas em Gaza, privadas do direito de locomoção e dos serviços mais essenciais. As condições insalubres nas quais muitos palestinos se veem obrigados a viver têm, também, facilitado muito a circulação do vírus.

No espaço de poucos meses, quase 121.000 palestinos perderam seus empregos e cerca de 40% das famílias palestinas perderam mais da metade de sua renda. Como em todos os lugares, as mulheres são as primeiras a serem afetadas pelas consequências da crise sanitária, especialmente durante a gravidez, o que aumentou a carga de tarefas de cuidado que devem realizar em suas casas. Como em outros lugares, o confinamento com seus cônjuges às vezes violentos também as expôs mais à violência doméstica. Os trabalhadores palestinos que continuaram trabalhando durante os bloqueios e durante a crise sanitária também estiveram na linha de frente na luta contra a Covid-19, como no setor da saúde e nos serviços essenciais, para a continuidade da vida em territórios onde as condições de vida são particularmente difíceis. Além disso, enquanto estabelece uma campanha de vacinação em massa para cidadãos israelenses, o Estado de Israel leva a cabo um verdadeiro apartheid de vacinas contra a Palestina. Esta política ilustrou mais uma vez a verdadeira face de Israel: a de um estado colonial que, além de ocupar territórios com palestinos residentes na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, se recusou a responder à emergência sanitária nos territórios que ocupa desde 1967.

Mas além da pandemia e da crise sanitária que o povo palestino continua sofrendo, as mulheres também são as primeiras vítimas da ocupação como um todo. Estão sujeitas ao colonialismo e ao patriarcado, que se expressa na Palestina por meio de uma forma de conservadorismo que se exacerbou desde 1987, quando o Hamas começou a ganhar popularidade. Isso foi acompanhado, durante a primeira Intifada, pela disseminação de roupas islâmicas para mulheres, como um sinal de resistência à ocupação, por um lado, mas também como um sinal de respeito pelos mártires da resistência. A colonização israelense tem sido, historicamente, e continua sendo, um terreno favorável para o reforço do conservadorismo religioso reacionário, encarnado na Palestina pelo Hamas. Como uma mãe sempre presente nos protestos de 2015 disse ao jornal francês Liberation: "Devemos lutar contra a mentalidade conservadora palestina com a mesma força com que lutamos contra a ocupação."

Mulheres palestinas liderando a luta contra a ocupação israelense

Se elas estão entre as mais atingidas pelo desemprego devido aos bloqueios israelenses e devem assumir a maior parte das tarefas domésticas e educacionais enquanto ainda tem que trabalhar, as mulheres palestinas estão lutando lado a lado com os homens contra a ocupação colonial israelense. Desde a primeira Intifada em 1987 até o levante palestino que continua até hoje por mais de dez dias, existe uma verdadeira tradição de luta entre as mulheres palestinas.

Desde a criação do Estado de Israel em terras palestinas em 1948 e em um contexto de ocupação, mulheres de todas as esferas da vida têm se mobilizado ao lado dos homens na luta por seu direito à autodeterminação. Desde que a Nakba levou à expulsão de quase 800.000 palestinos pelas forças israelenses, o movimento de libertação nacional palestino glorificou a figura masculina do mártir enquanto apresenta as mulheres como a personificação da honra palestina. Mas, ao longo dos anos e por meio de seu compromisso político com a libertação nacional e a libertação das mulheres, as palestinas desafiaram esses códigos de gênero e se estabeleceram como atores centrais nas lutas, embora com variações significativas dependendo do período.

Durante a estruturação do movimento nacional palestino na década de 1960, o Fatah e os outros partidos da esquerda tradicionais não questionaram inicialmente os valores familiares compartilhados pela maioria de seus quadros. Movimentos formados por e para mulheres, como a União Geral das Mulheres Palestinas, são raros e seus membros estão engajados principalmente em atividades de caridade. Apesar da ideologia oficialmente igualitária desses partidos, as mulheres muitas vezes são enviadas de volta para tarefas relacionadas aos cuidados domésticos e têm dificuldade em obter reconhecimento como ativistas políticas de pleno direito.

Foi só no final dos anos 1970 que uma nova geração de mulheres, muitas vezes passando pela faculdade, ganhou uma posição nos partidos políticos e desenvolveu reflexões sobre o patriarcado e o status das mulheres. Durante as décadas de 1970/1980, muitos comitês de mulheres filiados a esses partidos foram criados e cada vez mais mulheres foram recrutadas. Juntos, eles lutam tanto contra a ocupação israelense quanto pela igualdade entre homens e mulheres na luta e no dia a dia.

A primeira Intifada (1987-1993) marcou uma virada no ativismo das mulheres e nas normas de gênero promovidas pelos partidos nacionalistas. Nos primeiros dias do levante, milhares de jovens, principalmente mulheres, saíram às ruas dos territórios ocupados para expressar sua indignação com o assassinato de quatro jovens palestinos por soldados israelenses em um posto de controle no campo de refugiados de Jabalia na Faixa de Gaza.

Para esses jovens que só conheciam a ocupação, esse assassinato foi a gota d’água depois de quase quarenta anos de colonização. Milhares de jovens rapidamente formaram batalhões e enfrentaram soldados armados nas ruas de Gaza, jogando pedras e coquetéis molotov. As mulheres tiveram um papel especial nesta Intifada, desempenhando um papel decisivo na vanguarda, diante dos tanques israelenses. As mulheres palestinas também se organizaram formando comitês para ajudar os combatentes e desafiando os toques de recolher para levar alimentos e remédios aos bairros sitiados pelo exército. Durante este período, cerca de 3.000 mulheres acabaram nas prisões do regime por seu ativismo.

Ao contrário da primeira Intifada, na segunda, que eclodiu em setembro de 2000, as possibilidades de intervenção das mulheres diminuíram. A opressão militar israelense se intensificou, o que dificultou o desenvolvimento da luta. Além disso, a militarização deste conflito leva à exclusão das mulheres na frente, que mais uma vez estão confinadas à retaguarda. A figura do mártir volta a ocupar um lugar privilegiado e as mulheres são menos reconhecidas como militantes. No entanto, embora o Hamas tenha se oposto inicialmente, algumas mulheres cometeram atentados suicidas no início dos anos 2000.

Depois da segunda Intifada e como os territórios palestinos, o movimento feminista foi fragmentado, em particular devido a uma certa "ONGização" do ativismo na década de 2010. Suas dissensões políticas, as iniciativas pacifistas que uniam mulheres israelenses e palestinas também se enfraqueceram durante este período. Ao mesmo tempo, porém, o movimento feminista palestino passou por uma certa renovação com a integração das questões LGBTI em sua agenda política. O coletivo queer "Aswat", portanto, se dirige às mulheres palestinas trans e queer e à denúncia das operações pinkwashing [Quando políticas reacionárias estão escondidas por trás de questões relacionadas a grupos LGTBI; NdT] conduzidas pelo governo israelense.

Dentre as várias políticas misóginas e homofóbicas levadas a cabo pelo Estado israelense, podemos evocar chantagens e ameaças para divulgar a homossexualidade ou transidentidade de palestinos que se recusam a servir como informantes do exército israelense.

Esta rápida história da participação das mulheres em movimentos de protesto contra a colonização de Israel nos mostra que elas têm todo o interesse em participar ativamente dessas lutas, mesmo com o objetivo de acabar com a opressão patriarcal que sofrem e que são fruto direto da de um sistema colonial e capitalista orquestrado, neste caso, pelo Estado de Israel, e isto apesar da fachada feminista e LGBT que este tenta se dar.

Em sua entrevista à Révolution Permanente, Mariam Afifi nos lembra que, apesar do pinkwashing do Estado de Israel, que se autodenomina LGBT e feminista, as mulheres palestinas e os LGBT sofrem a dupla punição da opressão ligada à sua sexualidade ou ao seu gênero, bem como o permitido no dia a dia pelo sionismo: “Acho que usar o pretexto ’apoiamos a comunidade LGBT, apoiamos o feminismo’ é totalmente falso porque Israel não é um país feminista. É propaganda que Israel usa para atrair atenção. É a lavagem cerebral das pessoas”.

Em territórios colonizados como a Palestina, as condições materiais decorrentes dessa colonização levam necessariamente a uma exacerbação dos mecanismos de opressão das mulheres e das minorias de gênero. De fato, o desemprego em massa, a precariedade e a violência atingem especialmente as mulheres, que muitas vezes estão na base da pirâmide social, trabalhando em empregos mal remunerados, sendo desprezadas e sujeitas à violência patriarcal no mundo. Essas condições materiais os colocam em uma situação de maior dependência do homem.

Além disso, em reação à colonização do Estado de Israel e à violência desse sistema, organizações políticas como o Hamas surgiram em oposição ao Fatah, que acabou se adaptando à existência de Israel. O Hamas, que promove um programa religioso para resolver a crise, é uma organização profundamente reacionária que defende uma agenda misógina e homofóbica e cujo surgimento levou ao fortalecimento das normas patriarcais na sociedade palestina. Vemos aqui como a ocupação colonial facilita o surgimento de ideias extremistas e reacionárias.

"Se as mulheres não resistirem a essa ocupação, quem o fará?"

O povo palestino foi violentamente reprimido pelas forças policiais israelenses por mais de uma semana. Um dos detonadores desse movimento de rebelião e protesto da juventude palestina contra a política de colonização e limpeza étnica da Palestina, e de Jerusalém em particular, foram as tentativas de expulsar várias famílias do bairro de Sheikh Jarrah, distrito histórico de Jerusalém Oriental, para o benefício dos colonos israelenses. O movimento de protesto da juventude palestina, com as mulheres na linha de frente, se espalhou pela Faixa de Gaza.

Numerosos testemunhos mostram a importância das mulheres na resistência à política de expulsão e repressão levada a cabo por Israel em Jerusalém Oriental, mas também na defesa dos lugares sagrados do Islã. As mulheres palestinas estão particularmente presentes nas várias manifestações em Jerusalém contra os ataques israelenses. Em uma entrevista para o jornal Middle East Eye, Muna, uma mulher palestina de 23 anos que vive em Sheikh Jarrah, disse: “Conforme os eventos se desenrolam em Sheikh Jarrah, as mulheres palestinas assumem papéis críticos e de liderança, comparecem aos fóruns e participam do processo de tomada de decisão. Elas também tomam iniciativas individuais como ativistas de solidariedade, participando de sessões judiciais em tribunais israelenses e acompanhando de perto a batalha legal."

Mariam Afifi, uma jovem ativista palestina que ficou presa por dois dias depois de participar de protestos no Sheikh Jarrah, explica que “se nós mulheres não resistirmos a essa ocupação, se não reivindicarmos nossos direitos, se não lutarmos para permanecer nela terra, quem fará?" Ela também explica que foi espancada pela polícia israelense enquanto estava presa, o que mostra intimidação e violência. Na verdade, as mulheres palestinas são reprimidas com muita violência. 40% das vítimas mortas desde o início da ofensiva israelense são mulheres e crianças.

As mulheres também desempenham um importante papel de resistência como membros da comunidade religiosa, apesar do papel conservador que esta desempenha na sociedade palestina. Abir Ziad é o diretor do Centro Revolucionário de Silwan. A Mesquita Al-Aqsa, que foi atacada pela polícia israelense, está localizada ao norte deste bairro. Ela explica ao jornal Al Monitor que as mulheres palestinas que vivem em Jerusalém "desempenharam um papel de liderança nos eventos recentes, e que isso é normal e parte da continuação de sua abordagem de priorizar a proteção da Mesquita Al-Aqsa e dos bairros de Jerusalém Oriental".

Mulheres que desempenham um papel religioso importante são particularmente reprimidas pela polícia israelense, às vezes levando a prisões. Este é particularmente o caso dos Murabitats, que são defensores dos lugares sagrados. A mesquita de Al-Aqsa, que foi recentemente atacada por forças israelenses, é o lar de um grupo Murabitat, formado por ativistas que protegem a mesquita de ataques de colonos e da polícia. Seu ativismo os tornou um símbolo de resistência à opressão israelense.

Outro elemento importante nas recentes mobilizações de mulheres na resistência a Israel é o papel desempenhado pelas redes sociais e pela mídia. A nova geração está usando essas plataformas para driblar a censura e compartilhar sua luta. Em 2009, as redes sociais tornaram possível contornar o apagão da mídia sobre os despejos que já ocorreram em Sheikh Jarrah. Mariam Afifi explica em entrevista ao Révolution Permanente que “muitas pessoas começaram a ver a opressão através dos nossos olhos, dos nossos produtores, dos nossos videomakers. Pegamos nossas histórias, nós as compartilhamos". Ela acrescenta: "Se meu vídeo da minha prisão não tivesse se tornado viral nas redes sociais, eu ainda estaria presa hoje. Se as redes sociais não fossem tão poderosas, o Instagram, o Facebook e o Twitter não removeriam nosso postagens e hashtags.".

Essa determinação e coragem das mulheres palestinas que estão na linha de frente da resistência ao Estado colonial de Israel nos lembram que, de fato, é junto com todas as populações oprimidas, e neste caso o povo palestino, que a emancipação das mulheres pode ser alcançado. O movimento feminista global, assim como as organizações antirracistas e o movimento de trabalhadores, devem apoiar o movimento de resistência do povo palestino.

Da mesma forma, o movimento de libertação palestina deve levar em conta todos os problemas do povo palestino oprimido, a fim de lutar contra todas as opressões e injustiças sofridas pela população. As questões de gênero não podem ficar de fora. Mas esta luta deve ser feita com total independência do Estado de Israel que os explora e oprime, bem como de todas as organizações que se adaptam ao sionismo, assim como de organizações políticas religiosas reacionárias como o Hamas. Esta luta deve ser parte de uma luta geral pela construção de um estado palestino socialista e operário, no qual judeus e palestinos possam viver juntos em paz.

 
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