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OPINIÃO
É possível se livrar da força autoritária dos militares e do judiciário sem luta de classes?
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

A farda e a toga atuam autoritariamente no país. Esses poderes não serão desfeitos sem luta de classes. É crucial entender de onde essas forças sem voto extraem apoio para combater não somente pessoas e instituições, mas os interesses de classe subjacentes.

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Imagem: Acervo Associação dos Arrozeiros de Alegrete, RS

Desde 2016 vimos um salto exponencial no poder autoritário da farda e da toga. Vimos crescentes decisões e chantagens na política nacional para restringir e atacar direitos civis, para favorecer decisões políticas, para garantir reformas e privatizações contra os interesses dos trabalhadores. O salto de seu poderio é inseparável de cada conquista do golpe institucional, que sentimos em dobro nos cortes na saúde na pandemia, na precarização do trabalho, degradação das condições de vida, extensão dos anos que temos que trabalhar antes de se aposentar.

Esses são os efeitos do avanço do poder do golpismo e alguns de seus agentes destacados – sem voto – da farda e da toga. Mas o “como” de seu avanço também é importante entender.

No caso do judiciário pudemos ver no sequestro do direito ao voto de milhões de brasileiros, primeiro com a prisão arbitrária de Lula, depois, sem divulgar adequadamente suspenderam milhões de títulos eleitorais de brasileiros (especialmente nordestinos) por não realizarem cadastro biométrico. E desde então o judiciário tem avançado com cassações de mandatos sem sequer julgamentos. O STF tem também se utilizado de Lei da ditadura para perseguir opositores. É a mesmíssima lei que Bolsonaro e polícias usam para perseguir quem se opõe a ele.

Os militares por sua vez ocupam cada vez mais cargos em todo o Estado, desde ministérios a estatais e todo um segundo escalão. Usam isso todo para conseguir mamatas, como super aposentadorias para os oficiais de alto escalão, contratos superfaturados de leite condensado e outras guloseimas, e especialmente para abocanhar bilhões de reais em obras públicas. O Exército ganha bilhões nesses contratos e aí emprega como força de trabalho recrutas que não ganham sequer um salário mínimo e mal tem rancho no quartel. Quem se enriquece? Tal como no judiciário há uma desproporção geográfica e racial nos quadros do oficialato que pode se beneficiar com esse quadro.

Os oficiais da toga e da farda no país são especialmente sulistas e interioranos (e crescentemente do centro-oeste). Essas carreiras de estado se oferecem como uma opção para ascensão social e econômica e servem por mil e uma conexões às crescentemente fortes classes dominantes locais. O agronegócio cresce em todo o país, mas especialmente no centro-oeste, no interior dos estados sulistas e expande sua influência a parte da região norte. Esse crescimento faz que parte do país não tenha tido queda na economia mesmo com a pandemia.

Boa parte da expansão da demanda mundial de carnes e soja está sendo atendida por expansão da oferta oriunda do latifúndio brasileiro. Ele é crescentemente mecanizado, informatizado, fundido ao capital financeiro (e seus derivativos e créditos de recebíveis agrícolas) e sob domínio imperialista (das sementes transgênicas aos fertilizantes, agrotóxicos, à logística e comercialização). Mesmo sob crescente desnacionalização sobram fortunas para poderosas famílias – como os Maggi – e seu poderio econômico busca encontrar um lugar político. A desproporção entre poderio econômico e base demográfica é gritante. Cidades de 50 mil habitantes do Mato Grosso equivalem, no PIB, a centenas de municípios.

Depois de anos como força subordinada debaixo do lulismo a bancada do boi, tal como a da bala e da bíblia, resolveu começar a mandar mais no país. Desde então tem oferecido sua força para os mais diferentes autoritarismos: do STF, da Lava Jato, dos militares, de Bolsonaro...

O agronegócio é um fator objetivo para instabilidades no país. Ele é forte demais para qualquer governo – que não seja de ruptura com o capitalismo – governar sem ele, e ao mesmo tempo ele não é forte o suficiente para se impor sozinho.

Esse fator econômico se insere em um contexto internacional de disputas de China e EUA e não parece ter nenhuma mudança simples no horizonte, qualquer mudança abrupta nesse nicho de acumulação de capital geraria inflação nos alimentos no mundo todo. Esse poderio econômico e influência política – autoritária e reacionária – estão instalados. São mais um fator que favorece o poderio de poderes sem voto no país.

Há outros fatores que fortalecem esses atores não votados, crise de representação entre representantes e representados, crise de partidos, enfraquecimento do poder Executivo e Legislativo, entre vários outros, entre ele o não desprezível desejo de boa parte da classe dominante nacional, e não somente do agronegócio, de promover ataques muito maiores do que aqueles que o PT já promovia. É para isso que houve o golpe de 2016 e sua continuidade como regime político. A “Ponte para o Futuro” de Temer foi implementada e ampliada por Bolsonaro, com toda ajuda militar e judicial.

O golpe de 2016 e todos seus efeitos seguem vivos. As condições econômicas e sociais que fortaleceram alguns de seus principais agentes não somente seguem vivas como se ampliaram. A reabilitação de Lula não muda isso.

Lula não deseja se enfrentar com todo esse legado e toda essa base material, quer se recompor com ela. Parte do regime aceita sua reabilitação temendo como administrar esse legado diante da possibilidade de explosões de luta social, como se vê em vários países, inclusive no vizinho Paraguai. A orientação de Lula se adapta a esse movimento de não enfrentar esse legado, não à toa não menciona as reformas da previdência e trabalhista em nenhum de seus discursos, não ataca o STF, os militares, não oferece a menor crítica ao agronegócio, e agora até mesmo reconforta a Bovespa que ele poderia abrir o capital, ou seja, começar a privatizar a Caixa Econômica Federal. Por esse caminho com tantas forças instaladas das Forças Armadas, do STF, do agronegócio, podemos ter uma certeza: nada do autoritarismo dos últimos anos será desfeito. Mas esse não é o único caminho possível, há o da luta de classes. Tema para outras colunas.

 
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