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OPINIÃO
Quando chegar fevereiro, eu quero ser carnaval…
Odete Assis
Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG
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Esse parece ter sido um dos desejos que ficou evidente nos últimos dias. Fevereiro chegou, mas o carnaval não veio. Ficou a saudade, as fotos nas redes sociais, a lembrança de momentos de alegria. Momentos em que os problemas da vida pareciam desaparecer. Momentos de uma alegria que ganhava formas, cores, brilho e especialmente que ganhava às ruas de todo país.

Uma alegria que fazia os conservadores ficarem acuados, porque também era a expressão da força e resistência, da cultura negra do samba, a denuncia da escravidão de ontem e de hoje, dos gritos de quem mandou matar Marielle, da denúncia do vampirão neoliberal e do golpe institucional, e de tantos outros momentos que fez a extrema direita ficar enfurecida com as manifestações no Carnaval. Porque o maior medo deles era que a potência daquelas milhares de pessoas, subvertendo um pouquinho a ordem da moral e dos bons costumes, expressando de forma mais livre sua sexualidade, sua alegria, sentindo que seu corpo não servia apenas para a reprodução do trabalho alienado, mas para dar e sentir prazer, que tudo isso pudesse ir além dos dias reservados para o Carnaval e motorizar a luta entre as classes.

Depois de um ano de uma pandemia que mostrou toda a irracionalidade capitalista, estamos sob um governo negacionista, que prega um conservadorismo abjeto, um controle dos nossos corpos, que trava uma cruzada contra o direito ao aborto de uma menina de 10 anos, que destila ódio contra as LGBTs e nossa sexualidade, enquanto somos o país que mais mata por LGBTfobia em todo mundo. Mas é preciso dizer também que esse conservadorismo não vem só da extrema direita, que a direita tradicional, o centrão, que o judiciário, a igreja e a própria forças armadas foram e ainda são parte de buscar controlar nossos corpos. Mesmo a Rede Globo, que agora tenta apagar parte do seu passado machista, LGBTfóbico e racista com uma representatividade liberal, sempre foi defensora ardente do golpe e de cada um dos ataques contra nossos direitos, sempre disseminou a ideologia machista e patriarcal. Não adiantou ter o PT ou uma mulher na presidência, porque a estratégia reformista se subordinou aos mandos daqueles da classe dominante e buscou conciliar com os conservadores, era o famoso “recuo tático” pavimentando o caminho que nos trouxe até aqui.

Para muitos jovens e adolescentes, a pandemia e o isolamento social foi ainda mais doloroso. Oprimidos sob a ordem patriarcal, isolados em suas casas, sem poder viver sua sexualidade que na maioria dos casos é escondida das famílias, já que os preceitos da igreja, jamais permitiria aceitar que seus filhos pudessem amar outros homens, outras mulheres, ou os dois ao mesmo tempo. Para muitos trabalhadores, depois das duras jornadas de trabalho extremamente extenuantes, especialmente daqueles que são a linha de frente, no fim do dia já não existe mais energia para alguns momentos de diversão e prazer.

A saudade do carnaval é a saudade não só de um momento, mas é a vontade de poder liberar muitos dos nossos desejos reprimidos todos os dias pela lógica capitalista. É a vontade de ter novamente aquele momento em que a alienação de realizar um trabalho, que na maioria das vezes acaba perdendo o seu sentido pela brutalidade da exploração, se transforma na alegria de momentos em que liberamos todo nosso potencial criativo para dar vida a fantasias que colorem os blocos de ruas, ou as incríveis obras de arte, fruto de todo um ano de trabalho nas escolas de samba.

Se hoje lamentamos não ter carnaval e temos que chorar as milhares de vidas perdidas, também temos que entender que o problema não foi somente o vírus, o problema não é somente o odioso negacionismo bolsonarista e seu conservadorismo reacionário, o problema é também esse regime golpista e todas as suas instituições, que fazem de tudo para manter esse sistema capitalista, que é responsável pelo vírus e pela extrema direita, e que os usa da forma que melhor atende os seus interesses pelo lucro.

Por isso, para concluir usando da minha liberdade na escrita para estabelecer as relações que desejo, retomo os versos da música que dá título a essa coluna:

“Vem balançando a bandeira
Levantando poeira no maior festival
O futuro é agora e a vida não freia
Tenha fé amor, creia na vida futura
O desbunde é geral, geral geral!”

Porque pensar no futuro a ser construído, me lembra da necessidade da revolução. E a alegria do carnaval também me lembra a revolução. Não porque a revolução é bela e colorida, pelo contrário, as revoluções só são possíveis porque o nível de sofrimento das massas chegou a um ponto insuportável que as fazem se rebelar contra toda ordem existente, derrubando todas as estruturas da velha sociedade. E o carnaval talvez seja esse momento de escape, para fugir da ordem, enquanto preparamos a revolução que vai derrubar essas estruturas. Também porque foi em fevereiro, com as operárias russas na linha de frente, que começou uma das mais importantes revoluções da nossa história.

Por mais que hoje ainda estejamos longe desse momento, meu desejo é não só ter de volta a alegria do carnaval, mas é também fazer da dura luta cotidiana, mesmo nos momentos mais difíceis como agora, essa preparação para que a revolução seja uma realidade presente e dela se transborde a transformação permanente de tudo que nos explora e oprime. Para que o carnaval não seja somente quando chegar fevereiro.

 
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