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Luta de classes na era Biden
Jimena Vergara
James Dennis Hoff

Agora é a hora para ação audaciosa da classe trabalhadora, não para conciliação de classes.

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Tradução: Bernardo Aratu

Passaram apenas duas semanas da posse do Presidente Joe Biden e o establishment liberal já está efusivo sobre suas qualidades. O New York Times, a MSNBC, o Washington Post e a CNN encheram o novo presidente de elogios e seguem inundando de comparações com Franklin Delano Roosevelt (também conhecido como FDR, foi presidente dos Estados Unidos de 1933 até 1945), agora quase obrigatórias. Enquanto isso, Democratas e economistas burgueses de todo o espectro se alinharam atrás do Coronavirus relief bill que, segundo algumas pesquisas, tem o imenso apoio de 74 por cento da população adulta americana Tudo isso sugere que o período de “lua de mel” da presidência de Biden começou bem. Isso não é de formal alguma uma pequena parte, graças também ao caos das semanas que precederam a posse e ao ataque ao Capitólio. O envolvimento de Trump com a invasão, mais do que sacudir o regime estadunidense, uniu um importante setor do establishment em torno da administração que chega, provendo a Biden uma legimidade popular que ofuscou bastante sua relativamente estreita vitória eleitoral em Novembro.

Previsivelmente, o governo Biden tem usado essa legitimidade repentina para reverter rapidamente muitas das mais controversas políticas da era Trump. Desde 21 de janeiro, Biden assinou dezenas de orgens executivas. Mais notadamente, o novo presidente juntou-se novamente ao Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, encerrou o “Muslin Ban” (banimento muçulmano) e a construção do muro na fronteira com o México, fortaleceu o programa Deferred action for childhood arrivals (DACA, que suspende a deportação de setores de jovens imigrantes), expandiu acesso ao Affordable Care Act (programa de auxílio aos custos de saúde) e revogou a lei mordaça global que limitou o uso de fundos federais para medidas internacionais relacionadas a saúde reprodutiva. Ao mesmo tempo, o presidente também instituiu um grande número de novas ordens para tratar a pandemia e a crise econômica, incluindo uma extensão da moratória federal sobre despejos, aumentou o acesso ao seguro alimentação, moveu o salário mínimo para $15 (exclusivamente para empregados federais), suspendeu continuadamente as cobranças de empréstimos estudantis, fez exigência de máscaras (em propriedade federal) e elevou a vacinação e a testagem. Ao mesmo tempo, Biden prometeu agressivamente lançar um segundo plano de alívio ao coronavirus de 1,9 trilhões de dólares, que poderia incluir pagamentos diretos a indivíduos de 1400 dólares, uma elevação nos benefícios para desempregados e bilhões de dólares em fundos para serviços estatais.

No entanto, seria um erro pensar que Biden irá priorizar as necessidades da classe trabalhadora mais do que ele estritamente necessita ou do que é forçado a fazer. A maioria das ordens executivas que ele assinou até então é um pouco mais do que uma tentativa de retornar o estado estadunidense ao que era antes das eleições de 2016, e fazem quase nada para verdadeiramente tratar os problemas sistêmicos que em primeiro lugar levam ao crescimento de Trump. Enquanto isso, o pacote de alívio ao coronavirus proposto, apesar de duas vezes maior do que o plano anterior aprovado pelo congresso em Dezembro, é ainda 200 bilhões menor do que o primeiro auxílio assinado pelo presidente Trump, que por sua vez também foi apenas uma fração do que se necessitava. Embora Biden goste de se apresentar como um filho da classe trabalhadora do Rust Belt (cinturão da ferrugem), seu objetivo primário segue sendo uma rápida restauração de uma estabilidade capitalista, na qual as necessidades do povo trabalhador será sempre secundárias frente às do capital.

Enquanto é muito possível que as condições criadas pela pandemia podem forçar Biden no curto prazo a fazer mais pressão que o usual sobre o capital, é apenas uma questão de tempo antes de que o governo tente fazer a classe trabalhadora, tanto nacional quanto internacional, pagar pelos custos de qualquer recuperação econômica. O grau em que Biden pode ser bem sucedido irá depender de como a crise e o desenvolvimento da luta de classes – seja através das lutas operárias ou pela reemergência do movimento anti-racista ou anti-imperialista – e de como a correlação de forças irá se constituir no futuro, ambos em relação às divisões inter-burguesas e em relação à continuada polarização social. E Biden já acenou, sob o pretexto do combate à extrema direita, que está preparado para usar o estado para reprimir esses movimentos. Sua recusa em tratar o problema da violência policial e sua proposta de leis para o terrorismo doméstico apontam o tipo de repressão que a esquerda pode esperar para ver no futuro. E claro, Biden já mostrou que está mais do que querendo continuar a guerra comercial com a China e intervenções imperialistas sanguinárias para proteger os lucros e os investimentos do capital estadunidense internacionalmente.

Por isso é tão imperativo que o povo trabalhador não caia na armadilha de apoiar ou fazer do governo Biden sua causa. Pelo contrário, nós devemos preparar as bases para combater ambos, o Estado Capitalista (inclusive seus lideres e governos) e a direita reacionária, com as armas da classe trabalhadora.

A primeira tarefa de Biden é reestabelecer a estabilidade capitalista

Enquanto o governo Biden até agora provou ser algo mais progressivo do que o anterior, o significado real por trás da rejeição de Biden às políticas de Trump e sua comparativamente resposta mais robusta à pandemia e a recessão, pode apenas ser entendido quando considerado dentro do contexto da vasta crise econômica e política que continua a assolar os Estados Unidos e o capitalismo mundial.

No último ano a economia mundial sofreu uma das maiores contrações desde a Grande Depressão. O crescimento econômico global caiu impressionantes 4,4 por cento em 2020, enquanto a taxa de crescimento dos Estados Unidos caiu 3,5 por cento, a pior performance desde 1946. Essa crise econômica foi combinada à pandemia que matou milhões de pessoas ao redor do mundo e pelo menos 450 mil nos Estados Unidos. Contudo, urgente como é a situação, essas crises apenas exacerbaram a maior crise política e econômica que afetou os Estados Unidos desde que o projeto neoliberal, em 2008, se chocou contra contra o muro da realidade. A longa recessão econômica e crescimento da desigualdade que sucederam a crise financeira de 2008, o decorrer da década de privatizações e destruição dos serviços sociais, a decadência da classe média e o sofrimento contínuo da classe trabalhadora – tudo isso levou a crescimento da polarização política e uma desconfiança generalizada nas instituições. A ascensão de Trump e da extrema direita, os levantamentos contra a brutalidade policial e o temporal no Capitólio no último mês – esses são apenas alguns dos muitos sintomas mórbidos dessa crise orgânica a se desenvolver, que ameaçam a profunda legitimidade do regime estadunidense, nacional e internacionalmente.

Consideradas dentro desse contexto mais amplo, as ações de Biden até agora e até mesmo sua proposta de pacote de alívio de 1,9 trilhões de dólares – a qual já está sendo questionada pelos Republicanos na Câmara – provavelmente são inadequadas para tratar os reais problemas econômicos estadunidenses e as necessidades da classe dominante do país, a qual Biden representa. A crise econômica no longo prazo, assentada nas quedas das taxas de lucro e nos massivos níveis das dívidas privadas, não será resolvida por uma injeção de consumo de curta duração. Assim como FDR antes dele, Biden está frente ao desafio de salvar o capitalismo da crise, mas Biden não é FDR. E mesmo se fosse, a situação política em 2021 é muito diferente daquela em 1933.

A crise econômica, por sua parte, ainda não alcançou o nível dos dois primeiros anos da Grande Depressão, quando as massas foram sujeitadas a extrema pobreza e à fome generalizada. Além do mais, enquanto FDR encarava um forte movimento sindical, lutas operárias massivas e uma esquerda bem organizada e de enfrentamento, a correlação de forças exercendo pressão sobre o governo Biden é muito mais inclinada a favor das necessidades do capital. De um lado estão os banqueiros de Wall Street e os burocratas trabalhistas que sustentaram sua campanha, todos eles compartilham o objetivo de restituir a produtividade capitalista assim que possível. Do outro lado, está a ala do neo-reformismo no Partido Democrata, que está pressionando Biden a adotar medidas alinhadas à plataforma de Bernie Sanders. Mas, o Democratas “progressistas” estão tentando exercer pressão dentro dos salões do Congresso, não organizando lutas de massas. Esse tipo de regateio pode levar a ganhos imediatos para o povo trabalhador, mas isso sempre termina conforme o planejado pelos patrões e por Wall Street.

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No entanto, o governo Biden encara um dilema ainda mais fundamental. Diferente do período posterior à crise financeira de 2008, quando resgate de corporações e quantitative easing (compra de títulos do governo) foram suficientes para estabilizar a economia (ainda que insuficientes para restaurar os níveis de produtividade pré 2008), a crise econômica que foi acelerada pela pandemia requer um nível muito maior e mais vasto de investimento e estímulos. É por isso que, após as eleições, o governo Biden propôs imediatamente outro grande pacote de incentivo focado em pagamentos diretamente a indivíduos e famílias.

O propósito do plano de incentivo não é, como Paul Krugman gostaria que você acreditasse, direcionado a ajudar o povo trabalhador a ficar em casa até que uma vacina seja distribuída. Na verdade, o objetivo primário do plano de alívio ao coronavirus é prover apenas o suficiente apoio para afastar profundos levantamentos civis, como os que nós vimos nesse verão, enquanto estimula o gasto do consumidor no sentido de manter a economia “na UTI” até que se reabra totalmente.

No entanto, os Estados Unidos estão já encarando um déficit de quase 4 trilhões de dólares. Adicionando os gastos de 1,9 trilhões esse valor será empurrado para cima. Embora exista um consenso geral entre os economistas burgueses que esse déficit é aceitável em uma emergência, enquanto a economia temporariamente retoma sua caminhada, Republicanos e Democratas irão igualmente começar a resmungar novamente pela “redução da dívida”, o quê significa mais ataques à classe trabalhadora. Essa situação irá fazer mais difícil a aceitação de qualquer novo plano, como o Medicare for All ou o Green New Deal. E não está fora de questão que a segurança social e outros serviços essenciais possam ser colocados em bloco sob ataque após as eleições de meio termo em 2022.

Nenhum apoio aos políticos capitalistas

Apesar de sua trajetória marcada como Democrata conservador e de neoliberal com déficit de falcão, o governo de Biden tem o apoio majoritário dentre os sindicatos e movimentos sociais. Isso inclui a AFL-CIO (maior federação sindical do país) e muitas das lideranças do movimento Black Lives Matter. Muitos desses indivíduos e organizações – dentre alguns autodenominados socialistas e membros dirigentes do DSA (Democratic Socialists of America) – colocaram todas suas energias dentro da campanha eleitoral de Biden contra Trump. Enquanto os sindicatos e os movimentos sociais de forma alguma representam todo o povo trabalhador, eles todavia representam uma grande seção do que se passou na esquerda organizada nos Estados Unidos nas últimas décadas. Esses grupos veem como parte de suas obrigações apoiarem criticamente o governo Biden e o Partido Democrata para empurrar reformas mais robustas.

Infelizmente, essa tendência a se juntar com o Partido Democrata foi apenas fortalecida pelos eventos de 6 de Janeiro. Depois do assalto ao Capitólio, muito da esquerda tomou a posição campista ou semi-campista, incorretamente seguindo a linha do regime de que a situação pós 6 de Janeiro constituiu um combate entre “fascismo” e “democracia”. Isso levou a grandes seções da esquerda e líderes de movimentos sociais a identificarem-se no novo governo, ainda que na superfície mantenham-se aparentemente independentes do Partido Democrata. Em outras palavras, a esquerda (considerada amplamente) foi cegada pelos incidentes de 6 de Janeiro. E tem sido até agora incapaz estratégicamente de entender as implicações desses eventos na temperatura entre as classes. Isso apenas ajudou o regime em gerar um consenso massivo contra o “atentado golpista” no sentido de legitimar (1) as eleições mesmas; (2) o regime bipartisano, o qual supostamente está “defendendo a democracia e a constituição”; (3) as instituições do Estado, incluindo a polícia (como ficou demonstrado pelo gesto de ser um policial negro do Capitólio a escoltar Kamala Harris no dia da posse).

Enquanto é fundamental denunciar a extrema direita e a polícia que os defendem, não é menos vital denunciar a operação policial implícita para legitimar o governo entrante. Essa operação deu ao regime e ao novo governo espaço para anunciar a série de medidas Bonapartistas como a domestic terror bill, que será girada contra a classe trabalhadora, a luta negra e a esquerda. Quase um mês depois do assalto ao Capitólio, o regime conseguiu dar nova vida a um governo neoliberal com um programa e um presidente que, no momento da eleição, ainda era profundamente impopular. Em outras palavras, o papo liberal de uma “ameaça fascista” tem sido suficiente para rufar um aumento no apoio para o estado capitalista e seu novo governo.

Indo adiante, a ala esquerda do Partido Democrata, assim como os dirigentes da classe trabalhadora e do movimento negro, irão tentar usar as lutas dos explorados e oprimidos para negociar suas demandas no Congresso, sempre barganhando com o establishment, Wall Street e seus amigos para banharem aquelas demandas. Nós temos que ser claros que o governo Biden não vai garantir nenhuma concessão sem luta. N´s não vamos conseguir nada nos próximos meses sem mobilização nas ruas e luta de classes. Muitos ativistas, incluindo fileiras do DSA, entusiasticamente apoiam a classe trabalhadora, como visto no piquete de greve no Hunts Point (grande mercado de alimentos). A tarefa da esquerda é apoiar essas lutas incondicionalmente, trazer a perspectiva da frente única para a vanguarda e enraizar toda luta progressiva para conquistar todas as nossas demandas e elevar a consciência da classe trabalhadora e dos oprimidos.

Alguns dirigentes pensam que nós podemos conquistar nossas demandas formando uma “frente popular” com a ala progressista da classe dominante – nesse caso, o Partido Democrata. No entanto, essa estratégia apenas enfraquece as demandas da classe trabalhadora e a impede de se tornar uma força política independente. A tomada do Capitólio pela extrema direita mostrou que ainda há um forte apoio às políticas de Donald Trump, anti-classe trabalhadora, anti-imigrantes, anti-socialistas, e a esquerda precisa permanecer vigilante contra a ameaça expressa por grupos neofascistas. Mas, ao menos no curto prazo, a extrema direita está enfraquecida e a esquerda tem a chance de moldar a agenda indo adiante, mas apenas através de convincentes e independentes ações de luta de classes. Forjar uma aliança com os capitalistas e seus representantes contra a direita nesse momento seria um erro.

O caminho à Frente Única

Para combater tanto o governo Biden quanto a extrema direita, nós teremos que reorganizar as forças da classe trabalhadora e unifica-lás com o movimento anti-racista de juventude e a vanguarda. É por isso que a luta de classes é tão importante nesse momento, e existem indícios que essas lutas estão novamente no horizonte. A greve do Hunts Point, a greve da CTU a espreita, a sindicalização na Google e os esforços para organização na Amazon – todas essas lutas indicam o caminho para mais luta de classes nos locais de trabalho. Em muitas cidades, o movimento contra a brutalidade policial ainda está vivo e a chama do BLM ainda não se esvaiu da consciência de milhões que tomaram as ruas nesse verão.

E nós precisamos unificar essas lutas ao redor de pontos que unifiquem a classe trabalhadora. Sindicatos precisam se unificar para combater por demandas imediatas: um salário mínimo universal de 15$ agora, um sistema nacional de saúde com combertura universal e educação para todos. Nós precisamos por os policiais para fora dos nossos sindicatos. Dinheiro disperdiçado em departamentos policiais precisam ser colocados em educação, serviço de saúde, moradias e transporte público. Milhões de pessoas ficaram desempregadas na pandemia; é essencial lutar por um seguro desemprego universal que beneficie trabalhadores (moradores, imigrantes e trabalhadores não documentados) e lutar pela divisão das horas de trabalho entre toda mão-de-obra disponível, com salários dignos garantidos a todos. Para frear a pandemia, precisamos abolir as patentes das vacinas e nacionalizar sua produção. Trabalhadores essenciais precisam receber insalubridade e da redução das horas de trabalho sem redução salarial; todos precisam receber auxílio devido à pandemia para que possam ficar em casa.

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No entanto, o caminho para a frente única envolve desenvolver a auto-organização da classe trabalhadora. Isso significa assembleias nos locais de trabalho, bairros e cidades, para decidir o que precisamos e como chegar até lá. Na história de nossa classe, temos milhares de exemplos do poder que os explorados e oprimidos conquistam quando tomam em suas mãos as construção de suas próprias formas de auto-organização. Em muitos casos, é no seio desses processos que a classe trabalhadora pode dar saltos em sua consciência e organização: das mais variadas formas, esses avanços envolvem a classe trabalhadora identificar a si mesma como uma classe nacional (e, nos melhores dos casos, como uma classe internacional), unida por interesses comuns em oposição a todas barreiras que os capitalistas e seus representantes nos impõe: divisões por raça e gênero, entre desempregados e empregados, etc. São nesses processos que a classe trabalhadora descobre que pode governar em oposição à burguesia e aprender como se organizar para defender-se dos ataques do Estado e seus aliados.

Dirigentes dos sindicatos e ONG’s devem acreditar que uma aliança com Biden é o melhor caminho para implementar parte dos seus programas. Mas na verdade a regra é o oposto: o Partido Democrata está tomando nota de que pode contar com o apoio incondicional desses setores, sem garantir a eles nenhuma verdadeira concessão. O caminho para conquistar nossas demandas mais urgentes é através de um movimento nacional em torno de uma plataforma comum e um plano de lutas incluindo mobilizações, piquetes, greves e demonstrações de massas. Uma luta como essa, organizada ao redor de uma frente única operária, pode levar a muito mais resultados do que negociações a portas fechadas com a nova Casa Branca.

 
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