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Opinião
A grande ausente
Thiago Flamé
São Paulo

Nos últimos dias o descaso com saúde pública por parte dos governos federal, estadual e municipal levou Manaus a um recorde de mortos por dia, mais do que o dobro do auge em 2020. Essa notícia vem no mesmo momento do fim do auxílio emergencial, enquanto a Ford anuncia seu fechamento e várias empresas anunciam novas demissões. Enquanto isso, o grande debate na esquerda é a eleição do presidente da Câmara de Deputados.

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Para quem acompanha os debates na esquerda para além do que é filtrado nos grandes jornais, tem todas as razões para estar impressionado. Impressionado, mas não surpreso. Sentindo talvez um misto de raiva contida com angústia. Essa é mesmo a esquerda que temos? Enquanto as condições de vida da grande maioria do povo e da classe trabalhadora se deterioram rapidamente, o grande debate que atravessa o PSOL e também o PT e o PCdoB é a definição sobre a eleição para as presidências do Congresso.

Os decibéis no debate interno no PSOL subiram a tal ponto com as declarações de Luiza Erundina, que todas as alas internas se posicionaram. A ex-prefeita e ex-ministra de Itamar Franco atacou fortemente um setor dos deputados federais que foram acusados por ela de se render ao toma-lá-da-cá da política burguesa.

Apesar da rispidez da luta interna, um grande consenso atravessa o debate e parece unificar todo o PSOL, assim como PT e PCdoB. O apoio a Baleia Rossi, o candidato do DEM e de Rodrigo Maia à presidência da Câmara. O que divide a esquerda institucional neste momento é: apoiar já no primeiro turno ou somente no segundo o candidato de Maia? Sim, é em torno dessa questão que neste janeiro estão se dando os “grandes” (digamos longos) debates sobre tática e estratégia, luta parlamentar e extra parlamentar entre duas correntes internas do PSOL, o MES de Sâmia Bomfim e a Resistência. O chamado Bloco de Esquerda Revolucionária, que reúne os setores mais de esquerda do PSOL, parece ser a única força política do país que ainda não voltou das férias.

Talvez a única coisa que supere a miséria em que cada vez mais estão submetidas milhões de famílias trabalhadoras brasileiras seja a miséria ideológica e estratégica da esquerda brasileira. As palavras "independência de classe", "luta extraparlamentar" e "política independente" já se afastaram tanto de seus significados originais no marxismo que é preciso questionar se quando nos referimos a uma política revolucionária compartilhamos sequer um mesmo campo semântico.

Temos usado pelo menos desde 2016 as palavras de Gramsci sobre o mal menor, mas elas nunca foram tão atuais como nesse janeiro de 2021 para definir a política da esquerda institucional brasileira:

“Um mal menor é sempre menor que um subsequente possivelmente maior. Todo mal resulta menor em comparação com outro que se anuncia maior e assim até o infinito. A fórmula do mal menor, do menos pior, não é mais que a forma que assume o processo de adaptação a um movimento historicamente regressivo cujo desenvolvimento é guiado por uma força audaciosamente eficaz, enquanto que as forças antagônicas (ou melhor, os chefes das mesmas) estão decididas a capitular progressivamente, em pequenas etapas e não de uma só vez [...]”. (Antônio Gramsci, Cadernos do Cárcere, Caderno 16, §25)

Essa força audaciosamente eficaz a qual os chefes das forças antagônicas têm capitulado progressivamente não é o bolsonarismo. E sim o capital financeiro, que tem em políticos como Rodrigo Maia ou João Doria seus mais fiéis escudeiros. Lembremos das palavras de um professor da USP às vésperas do segundo turno em SP, apoiador entusiasta de Boulos, que soube sintetizar de maneira pura esse processo de adaptação a um movimento historicamente regressivo: “quando a gente começa a acalmar a Faria Lima é por que vamos ganhar”.

Com o risco de sermos mal compreendidos pelos companheiros da esquerda institucional, dizemos que a grande ausente da política brasileira nos últimos anos têm sido a esquerda revolucionária e uma política de independência de classe. Sem isso, seja com Baleia Rossi ou Arthur Lira na presidência da Câmara, a Faria Lima já ganhou.

Uma verdadeira luta extraparlamentar neste janeiro de 2021 passaria por usar a tribuna parlamentar (não para apoiar nenhum “mal menor”), mas para fortalecer a luta contra o fechamento da Ford e contra a catástrofe sanitária em Manaus. Seria possível, por exemplo, que a esquerda colocasse toda sua força social, sua militância, suas entidades estudantis, os movimentos sociais que influi, para organizar uma ampla campanha nacional contra o fechamento da Ford e exigir dos sindicatos petistas e do PCdoB um plano de lutas sério contra o fechamento? Esse é um dos conteúdos possíveis para implementar o que chamamos de polo de independência de classe, que sem dúvida mudaria um pouco os ares deste início de ano, e colocaria na ordem do dia uma política que fosse além da miséria do possível.

 
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